Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 153 da Edifícios e Energia (Maio/Junho 2024).

A câmara municipal de Lisboa uniu esforços com a Gebalis, empresa municipal responsável pela gestão dos bairros municipais da capital, e a Lisboa Ocidental SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana para fazer erguer um projecto em Entrecampos que pretende ser um ponto de viragem quanto ao conceito de habitação municipal em Lisboa.

A empreitada, totalmente financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), insere-se na Operação de Loteamento das Forças Armadas e prevê a construção de 476 habitações, bem como a criação de espaços verdes, zonas de comércio e equipamentos de apoio às famílias, como uma creche.

O projecto está enquadrado no Programa de Renda Acessível, um programa ao qual as pessoas se candidatam para obterem habitação numa das freguesias da cidade. “Nesta intervenção, a sustentabilidade energética actua como eixo de uma solução exequível, actual e durável que oferece aos residentes condições adequadas de conforto com elevado desempenho energético”, começa por dizer Susana Rato, arquitecta da SRU. Actualmente, já foram entregues 256 apartamentos nos lotes 4, 5 e 9 e encontram-se ainda em obra os restantes 220 apartamentos que terão lugar nos lotes 7 e 10.

Para esta intervenção foram traçados vários objectivos no que diz respeito à eficiência energética. Entre eles, Susana Rato destaca a utilização de energias renováveis – nomeadamente sistema fotovoltaico nas coberturas dos edifícios para produção de energia (águas quentes sanitárias e aquecimento ambiente) –, a utilização de bombas de calor eficientes, a implementação de soluções que promovem o bom desempenho passivo (isolamento, orientação, sombreamento, vidros duplos), a garantia de que todas as habitações recebem pelo menos uma hora de radiação solar directa no período do ano mais desfavorável e a selecção de materiais sustentáveis.

O reforço do enquadramento legislativo para o cumprimento das exigências para a classificação nZEB (nearly zero energy buildings), em concordância com o Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios da Habitação, resultou, no caso do edifício-piloto, na obtenção de classificação nível A+ no sistema LiderA. Não estão instalados quaisquer equipamentos de combustão e “os sistemas técnicos dos edifícios de habitação funcionam com recurso a sistemas centralizados e de produção de energia eléctrica para autoconsumo”.

A cobertura dos edifícios é composta por sistemas fotovoltaicos instalados em canópias, o que, em dias de chuva ou sol intensos, também funciona como protecção para os equipamentos instalados nas coberturas.

OS SISTEMAS CENTRALIZADOS

Os sistemas de aquecimento centralizado não são novidade nos edifícios municipais para habitação pública. Para o coordenador do departamento de Manutenção da Gebalis, Pedro Cardoso, os critérios de desempenho energético e os investimentos em construção de habitação pública trazem consigo “uma aposta ainda maior na neutralidade carbónica das construções, sendo para isso indispensável a implementação de soluções activas como os sistemas de climatização e de aquecimento de águas quentes sanitárias”. E recorda que o primeiro sistema de aquecimento centralizado instalado remonta a 2017. Uma solução “composta por uma bateria de sete colectores solares, destinada exclusivamente à produção de águas quentes sanitárias das sete fracções que integram o edifício”. Até então, as soluções para os sistemas de águas quentes sanitárias tinham recaído, maioritariamente, em sistemas individuais (colectores solares) dos tipos termossifão (em que o depósito do painel solar fica instalado por cima deste no telhado) ou de circulação forçada (o depósito fica inserido dentro da habitação).

Em Entrecampos, a situação é diferente e a escolha passou por um sistema centralizado de produção de energia térmica. Ao contrário dos colectores solares térmicos, “estas instalações e [estes] equipamentos não tiram proveito directo da fonte solar; são formados por um conjunto de bombas de calor e de circulação, por depósitos de inércia e por uma rede de tubagens e equipamentos acessórios que distribui o calor produzido a partir de energia eléctrica aos diferentes apartamentos. Por complemento ao aquecimento de águas quentes sanitárias, esta solução permite o aquecimento ambiente através de radiadores hidráulicos integrados no circuito”, explica Pedro Cardoso.

O responsável acrescenta ainda que estes edifícios “estão também equipados com unidades de produção para autoconsumo, que minimizam o consumo de energia eléctrica da rede para o funcionamento de instalações e serviços comuns, como é o caso da iluminação, dos elevadores e dos sistemas de climatização e de aquecimento de águas quentes sanitárias”.

A APOSTA NO FOTOVOLTAICO

A cobertura dos edifícios é composta por sistemas fotovoltaicos instalados em canópias, o que, em dias de chuva ou sol intensos, também funciona como protecção para os equipamentos instalados nas coberturas. Estes sistemas produzem energia eléctrica para o aquecimento de águas e para o aquecimento ambiente.

De acordo com o caderno técnico do projecto, “a energia excedente gerada pelos painéis fotovoltaicos, nomeadamente no Verão, é utilizada no edifício para outros usos comuns – como iluminação interior ou elevadores – ou injectada na rede”, sendo que é referida a possibilidade de, no futuro, este projecto vir a integrar uma comunidade de energia renovável.

128 HABITAÇÕES CONCLUÍDAS
Neste momento, já se encontra concluído o edifício-piloto (lote 4). Tem 128 habitações distribuídas por oito pisos, e um piso térreo, num total de 13 500 m2. A par do edifício-piloto, também os lotes 5 e 9 estão concluídos, com 64 unidades de habitação cada um e uma área bruta total de 5 640 m2.

Em curso encontram-se ainda as obras do lote 7, do lote 10 e das zonas de estacionamento e de jardim. Ao contrário dos outros edifícios, estes terão mais um piso acima do solo, sendo que o lote 7 será composto por 152 habitações. Terá igualmente uma creche, uma lavandaria e um espaço para comércio. A obra deste edifício deverá estar concluída em 2025. O lote 10 terá um total de 68 habitações.

AS DIFICULDADES ATRAVESSADAS

Existem várias dificuldades na gestão de um empreendimento como este. A dimensão, a novidade de algumas soluções e os entraves que ainda existem do ponto de vista técnico são algumas delas. A habitação pública tem características diferentes da habitação privada. Desde logo, não gera lucro, o que muda todo o balanço. No entanto, Pedro Cardoso recorda que é importante “encontrar um equilíbrio entre os benefícios de desempenhos energéticos excepcionais e os encargos da manutenção dessas instalações e [desses] equipamentos por forma a não desequilibrar a balança entre a receita e a despesa. O impacto económico das soluções definidas em projecto deve, por isso, considerar os encargos futuros associados à manutenção e à gestão dessas instalações”.

Pedro Cardoso indica que gerir edifícios nZEB e os seus sistemas individuais e centralizados de produção de energia térmica não é uma tarefa livre de dificuldades. Ainda assim, prefere ver o copo meio cheio quando diz que essas mesmas dificuldades “são também os desafios e as oportunidades da Gebalis”. O desenvolvimento profissional e a aposta na formação, o trabalho junto das comunidades e o desenvolvimento de estratégias de gestão sustentáveis e rentáveis são os maiores desafios associados à coordenação destes edifícios.

“Existem dificuldades associadas à gestão técnica e permanente das instalações e [dos] equipamentos e ao rigoroso cumprimento dos planos de manutenção preventiva, essenciais à segurança, à longevidade e ao bom funcionamento dos sistemas”, refere. A transição energética é um processo complexo e que implica conhecimento especializado. Tendo isto em conta, a escassez de mão-de-obra qualificada é um factor que, segundo o coordenador do departamento de Manutenção da Gebalis, “contribui para procedimentos de concurso pouco participados e níveis de serviço desadequados, sobretudo no que respeita aos tempos de resposta”.

Pedro Cardoso considera que a gestão de energia é uma dificuldade e, simultaneamente, uma oportunidade para a sensibilização de comunidades com vista à alteração de comportamentos. Afinal de contas, “de pouco serve a elevada eficiência energética dos equipamentos
se a utilização não for cuidada e ambientalmente sustentável”. Um outro desafio para a Gebalis, no que diz respeito à gestão das instalações, tem a ver com os perfis de consumo dos moradores: “é necessária uma atenção permanente e uma adequação dos princípios de funcionamento do sistema para que se produza na medida adequada e no tempo certo, antecipando as necessidades e compatibilizando-as com a produção em períodos com menor encargo energético na perspectiva ambiental e financeira”, explica.

Outro aspecto que Pedro Cardoso faz questão de salientar é a ausência de regulamentação, orientações e incentivos à criação de comunidades de energia renovável, algo que, no seu ponto de vista, incrementaria os benefícios ambientais e económicos associados à actividade de produção de energia.

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