A proposta de revisão da Diretiva Europeia para o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD), recentemente publicada pela Comissão Europeia, pretende, entre outros objetivos, consolidar e apressar a descarbonização do setor dos edifícios na Europa e, portanto, acabar com o recurso a combustíveis fósseis nos edifícios, recorrendo à redução de necessidades térmicas e à utilização de fontes de energia renovável para satisfazer o pouco remanescente. Aliás, este foi sempre o objetivo último da EPBD desde a sua primeira versão de 2002, e, depois, na introdução do conceito de “edifícios de necessidades quase nulas”, os nZEB, em 2010. Apesar de ter tido de passar, inicialmente, por impor a existência de regulamentos e requisitos mínimos de qualidade térmica ajustados ao clima (nem todos os países tinham), bem como a certificação energética dos edifícios.
Sem colocar obviamente em causa este nobre objetivo final, que é indiscutível, a sua aplicação nos edifícios residenciais em Portugal (e noutros países do Sul da Europa) tem de ser diferente da estratégia que vai ser seguida nos países mais a Norte, com invernos muito frios e verões muito moderados, onde não se atingem, a não ser muito raramente, temperaturas superiores a uns confortáveis e amenos 25-27 ºC. Em Portugal, pelo contrário, no verão, há dias quentes, mesmo muito quentes, e as alterações climáticas vão aumentar esses dias em número e em intensidade, com maior frequência de ondas de calor. Mas, mesmo nestas condições, na grande maioria do território nacional, as necessidades de arrefecimento são muito mais pequenas, quase insignificantes, quando comparadas com as necessidades de aquecimento.
Na nossa excelente arquitetura tradicional, os edifícios portugueses estavam bem adaptados para resistir ao verão, sendo frescos sem a necessidade de ar condicionado. Nas construções mais recentes, isso nem sempre acontece (diria, até, raramente), mas, mesmo com projetos de edifícios não otimizados, os edifícios de habitação em Portugal continuam a poder oferecer condições aceitáveis de conforto no verão com necessidades de arrefecimento muito pequenas.
Claro que, devido ao maior poder de compra de muitos portugueses e [ao facto] de [estes] viverem em habitações menos bem concebidas, tem-se assistido a um aumento muito significativo da instalação e do uso do ar condicionado no setor residencial em Portugal. Mas, na grande maioria das habitações, ainda apenas com aquecimento, sobretudo baseado em gás natural (ou propano, onde este não chega) ou eletricidade (o velho radiador que se usa apenas nos dias mais frios, pois fica muito caro), não há ar condicionado e as pessoas aguentam bem o verão com sombreamentos nas janelas, ventilação natural ou procurando lugares mais frescos (com vegetação, por exemplo). A tradição “mediterrânica” ainda funciona muito bem…
Porquê esta introdução agora? Porque, numa notícia que li há umas semanas sobre a nova revisão da EPBD, o foco foi colocado na preferência que deve ser dada às bombas de calor para aquecimento. Sempre foi “a solução” na mente dos primeiros autores da EPBD, o recurso a bombas de calor (usando energia elétrica renovável!) para aquecimento e produção de AQS. Portanto, apontava-se nessa notícia para a substituição, em todos os edifícios novos e nas reabilitações que vão ter de ser feitas daqui até 2050, para atingir a descarbonização do setor dos edifícios europeus até esse ano, de todas as caldeiras (exceto as que usam fonte renovável, e.g., “pellets”) por bombas de calor. Seria o novo padrão para controlo da temperatura interior nos edifícios em Portugal daqui em diante (ou, pelo menos, quando for aprovada a nova EPBD). E, pensei eu com os meus botões, se todos tivermos em casa uma bomba de calor, vulgo, um “split”, que usaremos regularmente no inverno para nos aquecermos, o que vamos fazer naqueles dias quentes de verão em que, até agora, se aguentava um pouco de calor e desconforto sem ar condicionado? Já que temos ar condicionado pronto a utilizar, não iremos tender a usá-lo não só nos dias muito quentes, mas, até de uma forma mais regular, naqueles dias marginais em que, em boa verdade, não precisaríamos dele? Eu acho que sim, que será a natural tendência humana… Já que o temos, utilize-se. Vamos ter mais conforto, mas quem o usar vai ter custos adicionais, claro.

Ora cá está uma consequência perversa de uma ideia bem-intencionada! Aqui temos como uma boa medida para resolver o aquecimento poderá resultar num aumento real de consumos de ar condicionado no verão; precisamente aquilo que sempre se pretendeu evitar na boa estratégia que orientou a regulamentação nacional até agora.
Portanto, há que pensar mesmo muito bem quais são melhores estratégias para Portugal pois, mal pensadas, boas intenções podem ter consequências indesejadas. O que será bom nos países nórdicos poderá não ser, sem a menor dúvida, o melhor para Portugal. Basta ver a discussão em curso agora na Europa, onde o nuclear e o gás natural estão a ser considerados ainda “energia verde” neste período de transição até termos eletricidade 100 % descarbonizada. Claro que isto é altamente controverso, mas é também evidência do realismo que temos de ter ao definir políticas públicas: irmos cheios de pressa para soluções 100 % renováveis, ou para bombas de calor como regra nos edifícios de habitação, pode ter custos muito elevados no curto prazo… E os preços da eletricidade (para as bombas de calor) estão a subir…
É que, como os preços da eletricidade e do gás natural continuam interligados por cá, predomina na decisão o preço de custo dos equipamentos. E uma bomba de calor ainda é muito mais cara do que uma boa caldeira de condensação!
Um estudo recente no Reino Unido mostrou que não há, nos Certificados Energéticos, a prática de recomendação de substituição de caldeiras de gás natural por bombas de calor porque não conseguem justificar a sua viabilidade económica – sobretudo em reabilitações de edifícios com redes de aquecimento com radiadores, onde serão necessárias bombas de calor de alta temperatura, mais caras e menos eficientes. Ainda há um longo caminho a percorrer.
É preciso, portanto, esperar ainda um pouco mais até que as bombas de calor sejam a solução padrão para Portugal. Quando os seus preços baixarem; quando a eletricidade for toda verde; quando, daqui a alguns anos, mas talvez ainda não hoje, as caldeiras tiverem de ser substituídas, no fim da sua vida útil (certamente, muito antes de 2050!)… Até lá, é preciso estudar muito bem, caso a caso, as soluções mais adequadas para esta fase de (25 anos…) de transição.
E, sobretudo, preservemos a nossa tradição mediterrânica que tão agradável é no verão! Sem demasiado ar condicionado…
Artigo publicado originalmente na edição de Março/Abril de 2022 da Edifícios e Energia
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