Artigo publicado originalmente na edição de Maio/Junho de 2024 da Edifícios e Energia.

Muito se tem escrito e falado sobre esta temática, no pressuposto de que seja possível atingirmos as metas anunciadas para a descarbonização, de acordo com os objetivos climáticos para 2030 e o objetivo de neutralidade climática até 2050, mas torna-se necessário conhecermos, desde já, quais as cidades a nível planetário e especialmente em Portugal que colocam o foco na descarbonização, evidenciando a sua atividade nas suas múltiplas e variadas vertentes.

A ambição é desejável, ou mesmo indispensável, mas só por si não é suficiente; não basta falar, há que agir e concretizar. Para tal, a nosso ver, os municípios deveriam fazer prova de vida de atividade direcionada para a descarbonização.

Tendo em conta o atual contexto, é urgente efetivar uma ação climática que seja capaz de, junto dos governos e das administrações locais, alterar os procedimentos de Planeamento do Território, introduzindo-lhes estratégias de mitigação e adaptação. Citando Stern (2006) [1], “estas estratégias representam um investimento inteligente, uma vez que agir antecipadamente perante um futuro suscetível é sempre mais compensador, económica e socialmente, do que arcar com os ‘encargos’ da falta de ação”.

COMBATER AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS. O QUE SE ANDOU PARA AQUI CHEGAR!

O Protocolo de Quioto foi o primeiro tratado internacional a estabelecer metas juridicamente vinculativas para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (GEE). Foi adotado em 11 de dezembro de 1997 e entrou em vigor em 2005. O Protocolo foi ratificado por 192 Partes e constituiu um acordo internacional de referência para combater as alterações climáticas. Os países industrializados comprometeram-se a reduzir as suas emissões de GEE em conformidade com as metas individuais acordadas, segundo o princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas, e respetivas capacidades”.

O primeiro acordo universal para combater as alterações climáticas foi adotado em dezembro de 2015 na 21.ª Conferência das Partes (COP21), durante a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, em Paris. O Acordo de Paris procura manter o aumento da temperatura média global (em relação aos níveis pré-industriais) num valor “muito abaixo” dos 2 ºC, tentando, em simultâneo, limitá-lo a um valor de 1,5 ºC. Para alcançar este objetivo, as Partes pretendem atingir o pico mundial de emissões de GEE o mais rapidamente possível e um nível nulo de emissões líquidas na segunda metade deste século.

É necessário que os fluxos financeiros sejam coerentes com estes objetivos. Pela primeira vez, todas as Partes têm de envidar esforços ambiciosos para reduzirem as suas emissões de GEE, norteadas pelo princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas, e respetivas capacidades”, ou seja, em função das suas situações individuais e possibilidades disponíveis. Devem atualizar os seus planos de ação climática (“contributos determinados a nível nacional”) de cinco em cinco anos e comunicá-los de forma transparente.

Os países mais vulneráveis e menos desenvolvidos, bem como os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, beneficiarão de apoio financeiro e do reforço das capacidades. A adaptação (por exemplo, conservação dos recursos hídricos, rotação de culturas, planeamento público e ações de sensibilização, aumento da altura dos diques, relocalização de portos, etc.) e a atenuação (por exemplo, aumento da utilização de energias renováveis, promoção de mudanças comportamentais, etc.) são reconhecidas como desafios a nível mundial, a par da importância de dar resposta às “perdas e [aos] danos” decorrentes dos efeitos adversos das alterações climáticas. Para ser ratificado, o acordo necessitava de um limiar de 55 Partes que representasse, pelo menos, 55 % do total das emissões mundiais de GEE. A União Europeia (UE) ratificou formalmente o Acordo de Paris em 5 de outubro de 2016, permitindo, assim, a sua entrada em vigor em 4 de novembro de 2016.

O QUE TEREMOS DE MUDAR

Muitos aspetos das nossas vidas terão necessariamente de mudar de modo a podermos reduzir a quantidade de carbono que vai entrando paulatinamente na atmosfera. Precisamos de substituir muitos dos combustíveis fósseis por energias renováveis, o que está a acontecer lentamente, mas de modo seguro. Os equipamentos que usamos, desde os veículos aos frigoríficos e também os edifícios, terão de ser necessariamente mais eficientes. O dióxido de carbono capturado e sequestrado deverá ser um objetivo para que este não entre na atmosfera. Novas fontes de energia seguras e menos dispendiosas deverão ser desenvolvidas. E aqui a engenharia será essencial para que todos esses esforços tenham sucesso.

Sentimo-nos obrigados a uma urgente e cuidada reflexão, exigindo tanto aos engenheiros como aos produtores de equipamentos e a todas as demais partes interessadas uma profunda redefinição dos aspetos conceptuais e um aperfeiçoamento de metodologias e processos. Tudo isto, no seu conjunto, constituirá um importante marco na engenharia.

Se nos detivermos nos dados que constam dos mais recentes relatórios do IPCC (sigla em inglês de Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), os cientistas não detetaram mudanças na linha geral do que tem vindo a ser repetido até à exaustão sobre a forma como a humanidade está a influenciar o clima e a tornar a sua própria vida no planeta cada vez mais difícil. As projeções que aí são delineadas continuam a ser de aumento da temperatura global e de outros fenómenos associados: mais secas, derretimento das camadas de gelo da Terra, chuvas intensas em algumas regiões e diminuição noutras, aumento do nível do mar. Mas à medida que existem mais dados parece tornar-se mais evidente que está tudo a acontecer mais depressa e com mais intensidade do que aquilo que se previa.

Também os utilizadores irão sentir-se convocados para uma alteração importante de comportamentos, mas a sua contribuição será sempre modesta, e as pequenas mudanças, marginais e reativas, não serão suficientes, segundo afirmações do presidente do IPCC, Hoesung Lee: “Meias medidas já não são uma opção. As nossas ações de hoje definirão como as pessoas se adaptam e como a natureza responde aos riscos crescentes causados pelas alterações climáticas”.

Abordagem idêntica também foi feita no fórum integrado da Assembleia da Academia Nacional de Engenharia pela moderadora Deanne Bell, fundadora e CEO da Future Engineers: “Enfrentar as mudanças climáticas requer cooperação a vários níveis, desde a política à investigação e à mudança de hábitos dos consumidores, e a comunidade de engenharia tem os seus próprios papéis e as suas responsabilidades”.

O PACTO ECOLÓGICO EUROPEU E A SUA IMPORTÂNCIA

O planeta está a viver um contexto de urgência, nomeadamente no que se refere à crise climática, à degradação ambiental e à perda de biodiversidade. É, pois, chegado o momento de agir!

A par da descarbonização do setor dos transportes e da ecologização das cidades, a renovação do parque imobiliário da UE é uma das principais prioridades do Pacto Ecológico Europeu, cuja estratégia terá como objetivo alcançar a neutralidade climática até 2050. Através deste pacto, a Europa visa ser o primeiro continente com um impacto neutro no clima.

O Comité Europeu das Regiões e a Comissão Europeia anunciaram uma cooperação para acelerarem, entre outras ações, a renovação e a descarbonização do parque imobiliário da UE. O potencial de criação de novos empregos, de poupança de energia e de redução das emissões de GEE faz da iniciativa Vaga de Renovação,da UE, um motor fundamental para uma recuperação sólida e sustentável no contexto pós-COVID-19. A parceria visa apoiar os governos locais e regionais na renovação do seu parque imobiliário. A crise sanitária da COVID-19 destacou as necessidades de melhorar as condições de vida nos nossos edifícios e de erradicar a pobreza energética.

A parceria entre os dirigentes europeus, regionais e locais é fundamental para acelerar a renovação, que pode criar 160 mil empregos. Apesar de cerca de 75 % dos edifícios da UE serem ineficientes do ponto de vista energético, a cada ano apenas uma fatia de 1 % é sujeita a renovação. Na Europa, os edifícios são responsáveis por 40 % do consumo de energia e por 36 % das emissões de GEE.

RUMO A UM QUADRO POLÍTICO DA UE PARA TRANSIÇÕES SUSTENTÁVEIS JUSTAS

O Pacto Ecológico Europeu visa transformar a UE numa sociedade neutra em termos climáticos, justa e próspera baseada numa economia circular até 2050. O 8.º Programa de Ação em matéria de Ambiente reitera as prioridades da UE com uma visão de longo prazo para 2050 vivendo bem, dentro dos limites planetários. Estas ambições devem ser alcançadas através de transições de sustentabilidade que exigem mudanças radicais nos nossos principais sistemas de produção e utilização de energia, mobilidade, alimentação e ambiente construído, bem como nos nossos modos estabelecidos de vida e trabalho.

O compromisso do Pacto Ecológico Europeu de não deixar ninguém para trás e o compromisso do Pilar Europeu dos Direitos Sociais de construir uma sociedade mais justa e inclusiva e fornecer orientações abrangentes, princípios para transições justas em matéria de sustentabilidade, juntamente com medidas e iniciativas concretas, constituem um reconhecimento claro da forma como os problemas sociais e ambientais que a Europa enfrenta estão interligados.

“Continua a faltar um entendimento em termos de como é que as considerações de justiça e os objetivos de sustentabilidade ambiental podem ser alcançados em conjunto através de intervenções políticas eficazes.”

Estes instrumentos visam salvaguardar o bem-estar social e assegurar uma transição justa e equitativa para sociedades com impacto neutro no clima, reconhecendo que existem desigualdades entre regiões da Europa e que certos grupos sociais serão afetados de forma desproporcionada. Incluem o Mecanismo de Transição Justa (incluindo o Fundo para a Transição Justa), que foi lançado em 2020, a subsequente recomendação do Conselho de 2022 sobre a garantia de uma transição justa para a neutralidade climática e o Fundo Social para o Clima.

Estudos recentes das Nações Unidas e da Agência Europeia do Ambiente (AEA) destacam o impacto das alterações climáticas nas comunidades vulneráveis e nos grupos desfavorecidos, que têm frequentemente uma percentagem mais baixa da responsabilidade pela criação de problemas ambientais (AEA, 2022; IPCC, 2022). Estes grupos também suportarão custos futuros significativos decorrentes da adaptação aos impactos das alterações climáticas, da poluição e da degradação ambiental.

Embora a UE defina a direção para transições justas e equitativas, continua a faltar um entendimento em termos de como é que as considerações de justiça e os objetivos de sustentabilidade ambiental podem ser alcançados em conjunto através de intervenções políticas eficazes (Avelino et al., 2023) [2].

Por exemplo, a Lei da Restauração da Natureza da UE, recentemente aprovada, alarga o debate em torno da justiça de modo a incluir a natureza e o ambiente e a alargar a tónica desde a proteção dos ecossistemas até à recuperação de ecossistemas degradados ou destruídos. É necessário documentar experiências e desenvolver recomendações sobre como conceber, implementar e avaliar políticas para alcançar a sustentabilidade para transições justas para humanos e outras espécies na natureza.

A AGÊNCIA EUROPEIA DE AMBIENTE

A AEA [3] propôs-se a apresentar um robusto quadro conceptual para apoiar o desenvolvimento de políticas de transição de sustentabilidade justas e equitativas.

GARANTIR JUSTIÇA NAS TRANSIÇÕES SUSTENTÁVEIS

Vejamos alguns excertos do quadro conceptual acima referido e que seguidamente se transcrevem.

A UE está empenhada num futuro justo e inclusivo de viver bem dentro das fronteiras planetárias. Para alcançar este futuro sustentável, a sociedade deve passar por processos de transição que melhorem a qualidade de vida das gerações atuais e futuras. Transições de sustentabilidade devem levar ao bem-estar tanto das pessoas como das outras espécies, respeitando simultaneamente os limites ecológicos e abordando as injustiças ligadas à degradação ambiental e às alterações climáticas. Ao mesmo tempo, existe uma necessidade de garantir que as políticas adotadas para alcançar a sustentabilidade não criem novas desigualdades ou exacerbem as já existentes.

O quadro político da UE, que fornece uma orientação para alcançar mais justa e equitativamente as transições para a sustentabilidade, afetará as regiões, os sistemas sociais e os grupos de forma diferente e, em alguns casos, negativamente.

As políticas de apoio a uma transição justa para a sustentabilidade devem ter em conta várias dimensões da justiça, incluindo:
• Justiça distributiva (repartição de custos e benefícios);
• Justiça processual (participação inclusiva nas tomadas de decisões);
• Justiça de reconhecimento (respeito, compromisso e consideração justa de diversas culturas e perspetivas).

No contexto da ação climática e ambiental, deve-se também considerar a justiça restaurativa, que é um tipo específico de justiça centrada nos danos passados e presentes para pessoas, espécies e ecossistemas.

O QUE SÃO TRANSIÇÕES JUSTAS PARA A SUSTENTABILIDADE E PORQUE SÃO IMPORTANTES?

As transições para a sustentabilidade são processos de mudança estrutural a longo prazo no sentido de uma maior sustentabilidade dos sistemas sociais. Incluem também mudanças profundas nas formas de fazer, pensar e organizar as instituições e nos valores subjacentes (Loorbach et al., 2017) [4]. Isto implica decisões sobre a direção da mudança, num contexto em que existem muitas perspetivas legítimas sobre futuros desejáveis e sobre como alcançá-los.

A governação eficaz das transições exige processos participativos que permitam incluir um conjunto diversificado de partes interessadas, que devem identificar visões e objetivos partilhados e vias credíveis para os alcançar.

O QUE IMPORTA AVALIAR E CONSIDERAR

Pré-requisito

Incluir a democratização do acesso à informação ambiental, aumentando a participação do público na tomada de decisões, e do acesso à justiça em matéria de ambiente, tal como estabelecido no Acordo de Aarhus.

Convenção

Uma mudança sistémica em grande escala implica soluções de compromisso. Cria vencedores e perdedores e pode desencadear resultados não intencionais que afetam desproporcionalmente territórios e grupos sociais vulneráveis. Isto pode exacerbar as desigualdades existentes e gerar resistência à mudança (Agyeman, 2013)[5]; (Swilling, 2020) [6].

Os conceitos de desigualdade, justiça e equidade são, eles próprios, complexos, como nas figuras abaixo se exemplifica.

Alcançar a sustentabilidade terá consequências distributivas significativas, tornando fundamental prestar atenção cuidadosa às considerações de equidade (IPCC, 2022). As políticas devem acompanhar e antecipar perdas potenciais e a distribuição desigual de custos e benefícios decorrentes de alterações sistémicas com o objetivo de partilhar estes custos por toda a sociedade (AEA, 2022).

As transições de sustentabilidade podem ser consideradas como justas quando esses processos de mudança transformadora melhoram a qualidade de vida das gerações atuais e futuras, humanas e não humanas, dentro dos limites ecológicos, eliminando injustiças que são desencadeadas ou exacerbadas por insustentabilidade e suas causas subjacentes (Avelino et al., 2023) [2].

A diferença entre desigualdade, igualdade, equidade e justiça

Desigualdade (Inequality) – Desigualdade no acesso a oportunidades;
Igualdade (Equality) – Distribuição equitativa da assistência e das ferramentas;
Equidade (Equity) – Ferramentas e assistência personalizadas que reconhecem e abordam a desigualdade;
Justiça (Justice) – Transformar o sistema para proporcionar a todos o mesmo acesso a ferramentas e oportunidades.

 

Referências

[1] Stern (2006). What is the Economics of Climate Change? World Economics
[2] Avelino, F., et al., 2023, Towards a robust conceptualization of justice for sustainability transitions: A literature review for the European Environment Agency. Unpublished
[3] https://www.eea.europa.eu/publications/delivering-justice-in-sustainability-transitions
[4] Loorbach, D., et al., 2017, Sustainability Transitions Research: Transforming Science and Practice for Societal Change, Annual Review of Environment and Resources
[5] Agyeman, J., 2013, Introducing just sustainabilities: policy, planning and practice, Zed Books.
[6] Swilling, M., 2020, The Age of Sustainability: Just Transitions in a Complex World, Routledge.

Fotografia de destaque: © Shutterstock

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