Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 158 da Edifícios e Energia (Março/Abril 2025).

Carlos Soares tem uma vasta experiência na actividade de projecto com várias obras conceituadas no currículo. Nesta conversa, fazemos um balanço sobre a qualidade dos edifícios e sobre os desafios que os projectistas têm à sua frente com a ambição da descarbonização.

Como foram estes últimos anos para a actividade do projecto? Os nearly-zero energy buildings (NZEB), uma maior penetração das renováveis…

A minha convicção é que os projectos têm melhorado em termos gerais. Aquilo que tenho visto é que a complexidade e a qualidade, nalguns casos, têm aumentado substancialmente.

A que nível podemos encontrar essa melhoria?

Em vários aspectos. Há uma maior maturidade a nível técnico por parte das equipas nacionais e internacionais. Por outro lado, a forma de trabalhar também evoluiu muito com a introdução das metodologias BIM (Building Information Modeling), a certificação ambiental, etc… Estas novidades obrigaram os técnicos a ter outro tipo de intervenção, mais profunda. Há mais conhecimento e, se olharmos para as conferências técnicas que existem hoje, verificamos que há uma dinâmica forte e muita gente nova a aparecer e que já tem contacto com aquilo que se faz de melhor no país e fora do país. Existe também a questão da execução do projecto e por aí torna-se tudo mais complicado.

Como tem sido trabalhar com estas ambições?

No nosso racional do projecto existem questões, como é o caso dos NZEB (Nearly-Zero Energy Buildings), que tivemos de integrar e desenvolver. Sucede que nem sempre se conseguem atingir os resultados ideais e há parâmetros muito difíceis de alcançar. Nestes casos, e em relação aos edifícios com balanço energético positivo, existem constrangimentos que muitas vezes não conseguimos resolver. O espaço para considerar soluções renováveis, como os painéis fotovoltaicos, nem sempre é aquele de que precisaríamos para atingir ou superar a neutralidade carbónica. Um exemplo desta situação são os edifícios em altura que têm coberturas limitadas para a colocação de soluções renováveis. Depois existem outras abordagens como a compra de energia verde para colmatar as insuficiências da geração renovável local. Para as metas da descarbonização (2050), para vencer este desafio é essencial encontrar outras soluções de forma a podermos cumprir esta meta. De acordo com o estabelecido no PNEC (Plano Nacional de Energia e Clima), a economia deverá ser neutra em termos de emissões de carbono.

Falou há pouco na execução do projecto. Em termos de responsabilidade, sente que a actividade do projectista poderá estar a ser atropelada pela pressão dos investimentos e que essa seja uma barreira à correcta execução do que foi concebido?

A pressão existe a vários níveis. O enquadramento financeiro cria várias limitações e muitas vezes a solução ideal não se concretiza como nós, projectistas, a concebemos. Mas também existem outras limitações como a questão dos espaços disponíveis de que falámos. A pressão do orçamento disponível é, talvez, a maior dificuldade, a que se junta a pressão do tempo em vender o imóvel ou os imóveis. Muitas vezes este racional do lado dos promotores vai contra aquilo que o projecto propõe, e até contra aquilo que a regulamentação define. Muitas vezes cumprimos os mínimos sem conseguir ir mais além porque não há margem. Esta visão do curto prazo tem dominado o mercado. Nas excepções, que existem, os promotores têm também em atenção os custos de exploração e isso não tem a ver apenas com a eficiência energética, mas também com a criação de condições para que as operações de manutenção se realizem ao longo do ciclo de vida do edifício. A visão dos custos associados ao curto prazo ainda prevalece. Se pensarmos num edifício com sistemas de climatização com uma vida expectável de 25 anos, a parte da operação, incluindo a manutenção, será muito considerável e muito mais elevada do que o investimento inicial.

Pode identificar outros constrangimentos ao nível da responsabilidade? A falta de acompanhamento do projectista em obra é um problema?

Sim, esse é um problema com que nos debatemos. Claro que os projectos devem ser objectivos e claros, mas se houvesse um acompanhamento por parte do projectista em pontos-chave do desenvolvimento da obra, de certeza que facilitaria o trabalho e acrescentava qualidade à instalação executada.

Os honorários não permitem que isso aconteça?

Sim, os honorários de projecto são relativamente baixos, no geral. A componente da assistência técnica costuma ser um valor residual que, no limite, pode cobrir a participação em algumas reuniões e alguns esclarecimentos sobre a interpretação dos projectos. Os projectos deviam ser mais bem pagos e com mais margem para a fase de acompanhamento no terreno, isto é, assistência técnica.

O tema do simplex urbanístico ainda vai agravar mais essa dificuldade?

Temo que seja essa a tendência porque, com a metodologia das comunicações prévias, o projecto ganha logo de início um carácter final. No enquadramento interior, os projectos das especialidades tinham os seus prazos mais alargados e o projecto ia evoluindo ao longo das diferentes fases. No actual contexto, as grandes decisões têm de ser tomadas numa fase anterior à passagem de projecto de execução, com pouca margem para introdução de alterações significativas. A coordenação entre projectos de especialidades e a arquitectura têm menos tempo para amadurecimento.

A colaboração entre as várias especialidades pode deixar de ser uma dificuldade a partir de agora com esta exigência?

Há sempre dificuldades, normalmente relacionadas com “tempo”. A compatibilização e coordenação entre as diferentes disciplinas exige tempo e temos menos tempo agora. A vantagem do simplex consiste na aceleração do prazo para obtenção das licenças de construção e obviamente da obra, decorrente da sincronização entre os intervenientes na formalização do “Licenciamento”.

O BIM não vem ajudar?

Carlos Soares

A metodologia do BIM tem esse potencial, ou seja, fazer uma coordenação mais afinada e rigorosa, mas, com o que de bom esta metodologia encerra, implica a necessidade de mais tempo para tarefas de “correcção de colisões” e “design review”. O BIM veio fazer uma ruptura na forma como se trabalha. Esta parte da coordenação não era uma preocupação do projectista com o detalhe que se exige agora. Trabalhar em duas dimensões era mais fácil porque uma das dimensões espaciais estava “oculta”. Em 3D, “todos” os pormenores (desde que tenham sido modelados) estão visíveis, não só na “nossa” especialidade, mas também nas outras especialidades. Há um esforço muito maior das equipas de projecto e coordenação, sendo preciso significativamente mais tempo com a metodologia BIM. Os honorários de projecto não acompanham essa mudança.
Parece inevitável. O BIM veio para ficar e vai ser “obrigatório”, mais cedo ou mais tarde.
A pressão do mercado impulsiona a transição. Em alguns países, nas obras públicas e na grande maioria dos concursos internacionais privados, isto já acontece há bastante tempo. No contexto nacional, ainda há quem não trabalhe em BIM, mas isso vai mudar nos próximos anos.
Esta transição é mais difícil do que a transição de há trinta anos, quando passámos do desenho à mão para o Autocad, porque implica não só mudanças no “desenho” (modelação), mas também na utilização das ferramentas de cálculo residentes nas plataformas BIM.

Um dos principais problemas, quando falamos em qualidade, tem sido a falta de espaço nos edifícios para as instalações técnicas. O BIM pode ajudar a minimizar esse e outros constrangimentos, na fase inicial do projecto, por estarem todos a trabalhar em conjunto?

Sim, ajuda, mas o BIM é uma ferramenta e muitas vezes a pressão para construir mais metros quadrados na mesma área de implantação obriga a não termos os pés-direitos ideais. Claro que, com o BIM, temos uma melhor percepção do espaço, assim como é possível optimizar alguns aspectos e estudar variantes, mas não resolve tudo nem transforma o impossível em possível.

Em termos de multidisciplinariedade, existe a possibilidade, com o BIM, de se olhar para o projecto como um todo logo numa fase inicial e isso poderia ajudar a sensibilizar as várias especialidades…

Isso é verdade, porque passa a existir uma consciência maior dos vários aspectos da instalação. Ou seja, podemos trabalhar com modelos “federados”, onde é possível ver todos os aspectos (modelados) dum edifício e isso dá-nos a visão do todo. Invariavelmente, a afinação (compatibilização) das diferentes especialidades implica muito trabalho de coordenação e redesign.

Os projectistas vão passar a ter de pensar também em emissões e quantidade de CO2. É preciso ir para outro patamar da sustentabilidade. Como vê esta mudança?

Esse é o grande desafio das próximas décadas. Há proprietários de edifícios e promotores que anteciparam essas preocupações e objectivos, ou seja, não começamos do zero. As emissões de carbono (CO2) decorrem da utilização de energia, por um lado, e pelo fabrico dos equipamentos e componentes dos edifícios (na verdade, de todo o ambiente construído) e também dos sistemas de climatização, que usam duma ou doutra forma substâncias (fluidos refrigerantes não naturais) que contribuem para o aquecimento global.
A regulação dos fluidos refrigerantes tem vindo a ser mais restritiva e em poucos anos passámos de GWP (Global Warming Potential) na ordem de 2000 para 750, continuando a baixar progressivamente.
Falamos obviamente no contexto da União Europeia. Há países com um impacte no ambiente muito maior do que o conjunto dos países da União Europeia que não subscreveram ou saíram do Acordo de Paris e, como tal, fazem o que entendem nesta matéria…

A escolha de qualquer solução ou equipamento já não depende apenas da eficiência energética, vai passar a incluir a pegada ambiental associada!

Exactamente! Muitos fabricantes já têm um “cartão de identidade” ambiental do produto onde constam algumas destas informações.

À data de hoje, já consegue fazer um projecto tendo em conta as três vertentes?

Sim, é possível! A dificuldade está em saber se é possível atingir as emissões zero. Como referido anteriormente, uma componente está associada ao cálculo das emissões decorrentes do “consumo” de energia e é feito em função do mix energético do país e está relacionada com a eficiência energética.
O contributo das formas renováveis de energia entra com sinal positivo no balanço, sendo por vezes possível equilibrar este balanço. A fatia das emissões relacionadas com a produção dos equipamentos e componentes é da responsabilidade do fabricante e deve ser disponibilizada como parte da informação dos produtos.
Relativamente aos refrigerantes, caso não sejam naturais, deverão ser contabilizados igualmente no balanço de carbono.
À medida que a economia vai sendo menos dependente do carbono, as emissões irão tender para zero, ou seja, a dimensão destes problemas vai ficando mais reduzida. No entanto, o horizonte de 2050 para chegar a uma economia descarbonizada parece utópico.

Mas o projecto já consegue chegar lá perto?

Uma solução totalmente descarbonizada é impossível no curto prazo.

A indústria já está alinhada com estes objectivos em termos de informação?

Ainda não estamos nesse ponto. Nem todos os fabricantes de equipamentos disponibilizam informação sobre energia incorporada e não conheço nenhum fabricante que apresente equipamentos (de climatização) que “reclame” ter atingido “carbono zero” no fabrico. O mesmo se aplica às condutas, tubagens e, em última análise, a todo e qualquer equipamento ou componente de AVAC ou de qualquer outra instalação, passando pelos próprios materiais de construção dos edifícios.

E já existe informação por parte da indústria sobre a pegada carbónica dos seus produtos?

Há fabricantes que já disponibilizam essa informação. Eu diria que os grandes fabricantes já têm todos esses dados. Como projectista, não estou em condições de fazer um projecto com zero emissões directamente, como explicado acima, mas posso encontrar medidas compensatórias através da compra de energia verde, por exemplo.

Quais vão ser as maiores dificuldades do lado do projecto neste contexto da descarbonização?

Repare que os edifícios são compostos por muitos elementos e materiais e essa é uma barreira muito grande neste caminho da descarbonização. Todo o ambiente construído é feito à custa de energia. Essa energia tem de vir de algum lado. Se o ambiente construído não tiver como base a energia renovável, terá de ser energia não renovável e voltamos ao ciclo. Esta é uma equação difícil de resolver, no actual contexto tecnológico e mix energético, do qual não faz parte a energia nuclear (no caso de Portugal), pelo que me parece ser utópico chegarmos à descarbonização da economia no curto ou médio prazo.