A cidade de Guimarães vai ser uma das cidades piloto a nível europeu a testarem soluções para a neutralidade climática e, no berço português, este trajecto inclui a reabilitação de edifícios, com foco na eficiência energética da envolvente, as comunidades de energia renovável, a digitalização e a sensibilização e mobilização do cidadão.
Depois de integrar a Missão Cidades Inteligentes e com Impacto Neutro no Clima, da Comissão Europeia, a cidade de Guimarães foi seleccionada para uma outra lista ainda mais restrita de cidades que, durante dois anos, vão ser palco de experimentação de novas e inovadoras formas de acelerar a descarbonização. Trata-se do programa Pilot Cities, do consórcio europeu NetZeroCities, que complementa a Missão europeia ao criar test beds em 53 cidades que se candidataram, de forma individual ou em cluster, a assistência técnica e financeira. A verba total para apoiar as 25 candidaturas elegidas ascende aos 32 milhões de euros, de que um milhão será dedicado exclusivamente à candidatura independente de Guimarães.
A cidade berço é a única portuguesa a participar neste programa Pilot Cities, e apresenta como proposta para a neutralidade climática o desenvolvimento do Distrito C: Compromisso de Carbono Zero, mobilizando três agentes – a câmara municipal (CM) de Guimarães, responsável pela coordenação, o Laboratório da Paisagem, ligado a processos de sensibilização e co-criação, e a empresa RdA Climate Solutions, envolvida no processo de desenhar estratégias de financiamento, observando e tentando replicar exemplos doutros países, e no desenvolvimento de uma one-stop-shop.
Este Distrito C aparece com uma abordagem integrada que inclui o tema da energia, da mobilidade, dos resíduos e do uso do solo, aproveitando e desenvolvendo tecnologias verdes, novos modelos de negócio, finanças sustentáveis e inovação social, cultural e política. Tem um objectivo: alavancar a mudança comportamental e, por isso, a ideia é envolver o cidadão, através de um um conjunto de actividades em todas estas dimensões.
Entre as várias dimensões, os edifícios desempenham um papel fundamental na generalidade das cidades, de que Guimarães não é excepção. “Olhando para a matriz de emissões de gases com efeito de estufa, constata-se que o edificado é responsável por cerca de 20 % do total de emissões do concelho”, indica a CM Guimarães, acrescentando que 13 % das emissões provêm do sector residencial e 7 % dos edifícios de serviços. Este cenário implica, assim, um trabalho a vários níveis para se atingir a descarbonização.
“Em primeiro lugar, e atendendo ao facto de 40 % dos edifícios terem uma classificação energética inferior ao nível B-, terá de ser [realizada] uma aposta clara na reabilitação do edificado com intervenções que conduzam à diminuição das necessidades energéticas e [ao] consequente aumento da eficácia nestas áreas”, refere a autarquia. E o caminho não termina aí. Sublinhando que Guimarães é “o concelho com o maior número de unidades de produção para autoconsumo instaladas”, a autarquia aponta para a promoção de comunidades de energia renovável com recurso a fontes endógenas como um “factor crítico para o sucesso da ambição do município”.
As soluções para os edifícios visam, ainda, de modo mais indirecto, “as ligações com as questões de mobilidade e resíduos”, procurando-se a promoção da mobilidade eléctrica e a perspectiva de todo o ciclo de vida das estruturas, e a criação de um cordão verde que irá ajudar a diminuir o efeito ilha de calor. A digitalização também é incontornável, sendo que, nessa esfera, “será apoiada a digitalização da energia, em particular com os operadores da rede de distribuição, possibilitando aos munícipes o acesso em tempo real aos seus consumos e às emissões de gases com efeito de estufa associadas, promovendo, dessa forma, uma consciencialização dos cidadãos”.
Edifícios públicos como exemplo
Num projecto que envolve a autarquia e em que o objectivo é mobilizar a sociedade para a neutralidade climática, parte do caminho terá de passar pelo exemplo público. Esta é a ideia defendida por Jorge Rodrigues de Almeida, fundador e director da Rda Climate Solutions, que declara que “existem edifícios públicos que terão que ser intervencionados e utilizados como meio de promoção porque se percebe que o município tem que funcionar como dinamizador, tem que dar o exemplo – o seu exemplo”. Quanto a isto, o responsável dá conta de uma série de actividades que o município tem a decorrer, apontando para o projecto Desporto Carbono Zero, em que as entidades desportivas do concelho promovem planos de Carbono Zero nas suas instalações ajudando a “transmitir a mensagem” às pessoas que acarinham os clubes e às “crianças que [neles] praticam futebol ou ginástica”. “São outros caminhos alternativos que estamos a utilizar para chegar ao cidadão neste território em específico.”
No âmbito do desporto, a CM Guimarães especifica ainda o caso da Academia de Ginástica de Guimarães, um edifício que tem em atenção a eficiência energética, a produção local de energia recuperação de calor e a compatibilidade entre os consumos de energia e o uso do edifício, bem como a orientação solar e o reaproveitamento de águas pluviais e não só. Trata-se de um “edifício carbono zero”, sendo que, actualmente, “o balanço energético do edifício é positivo, produzindo mais energia do que a que consome”, revela a CM de Guimarães. Sobre isto, aliás, a autarquia revela que “os projectos recentes para intervenção nos edifícios da CM têm por base um elevado desempenho energético 20 % mais exigente do que os requisitos NZEB, garantindo, dessa forma, um desempenho de excelência nesta vertente”.
As soluções para os edifícios visam, ainda, de modo mais indirecto, “as ligações com as questões de mobilidade e resíduos”, procurando-se a promoção da mobilidade eléctrica e a perspectiva de todo o ciclo de vida das estruturas, e a criação de um cordão verde que irá ajudar a diminuir o efeito ilha de calor.
A CM Guimarães destaca também, como medidas que já estão a ser implementadas, a intervenção a nível habitacional. Na esfera de residência para estudantes, a construção no Avepark, por exemplo, foi realizada com recurso a construção modular e industrializada e tendo a madeira como elemento estrutural principal. “[Isto] é garante de uma optimização de todo o ciclo de vida do edifício, desde a construção, até à utilização e ao desmonte no final do ciclo de vida do edifício, diminuindo consideravelmente a pegada ecológica associada.”
“O mesmo princípio está preconizado no procedimento para a aquisição de 172 fracções habitacionais a integrar no parque habitacional do município”, acrescenta a CM Guimarães. O órgão autárquico indica ainda que também houve, “na habitação social, a intervenção em mais de 400 fracções [o que] elevou em dois níveis a classificação energética”, sendo que “será uma intervenção a replicar na restante habitação social do concelho municipal e estatal”.
Quebrar barreiras
Dar o exemplo é uma condição necessária, mas não suficiente. O município também tem de ter um papel facilitador porque “as tecnologias já existem, mas não são aplicadas nas cidades ou aplicadas em larga escala por outras razões” e, para quebrar essas barreiras, é preciso envolver o cidadão – a “peça-chave” – na transição climática, argumenta Jorge Rodrigues de Almeida.
É por esse motivo que o piloto na cidade de Guimarães se vai focar em perceber quais são os principais obstáculos e em testar potenciais respostas. Um dos desafios é recorrente e tem a ver com o financiamento, uma vez que a eficiência energética, sobretudo a nível da envolvente dos edifícios existentes (que serão a grande parcela do parque edificado em 2050), é um investimento cujo retorno financeiro é mais longo. “Não é atractivo financeiramente. [Mas] É atractivo em termos de conforto, em termos de saúde, porque deixo de ter bolores, tenho melhor qualidade do ar no meu edifício, etc.”, realça o responsável.
Já outros desafios, também bem conhecidos, relacionam-se com o próprio contexto urbanístico. “Os centros históricos são complexos de trabalhar”, devido às regras arquitectónicas que podem condicionar os isolamentos pelo exterior (por norma, mais eficientes e menos onerosos), menciona Jorge Rodrigues de Almeida, acrescentando que o Distrito C cobre ainda património da UNESCO. De igual modo, o ambiente construído nem sempre dispõe de área suficiente para a colocação de solares térmicos ou solares fotovoltaicos: “já tenho os telhados e, nos apartamentos, a área é muito curta para as necessidades”.
“A isto soma-se ainda um outro desafio fundamental, o da pobreza energética”, realça Jorge Rodrigues de Almeida. De acordo com o especialista, o município consegue atenuá-lo, mas não consegue resolver, sozinho, a incapacidade financeira dos agregados familiares a viverem em situação de pobreza energética, em particular os que não vivem em habitação social, que podem nem estar identificados. “É preciso melhorar o conforto através do isolamento térmico, mas tenho de saber como agir. Ainda não temos a solução. Vamos ter que pensar em como mitigar [o problema], especialmente nos casos de pobreza, porque, infelizmente, é um flagelo com alguma dimensão” e que, lamenta, poderá aumentar com a subida da inflação.
Como parte das respostas a estas condicionantes, alguns caminhos já estão delineados. A ideia é que a autarquia apoie o cidadão, sendo que, descreve o especialista, Guimarães vai, por um lado, rever os pacotes regulamentares para perceber se é possível criar benefícios ou simplificar licenciamentos e, por outro, criar uma one-stop-shop. Esta última irá incluir um espaço físico de atendimento e uma página de internet para auxiliar o cidadão a, munido de apoio técnico especializado e contactos, “perceber a mais-valia” dos investimentos em eficiência energética, esclarecer dúvidas e receber aconselhamento sobre medidas e candidaturas a financiamento.
“O financiamento que vamos obter vai permitir-nos fazer todas as análises e todos os estudos prévios para a implementação das medidas em concreto (…). A tentativa é, depois, partilhar o conhecimento do que correu bem e do que correu mal”, termina Jorge Rodrigues de Almeida, procurando fazer de “Guimarães para o mundo” um exemplo.
Artigo publicado originalmente na edição de Maio/Junho de 2023 da Edifícios e Energia