Reduzir 55 % das emissões de CO2 até 2030 é o novo compromisso assumido pelos países membros da União Europeia (UE) em dezembro de 2020. É imperativo desenvolver todos os esforços para atingir as metas da descarbonização. O desafio a curto prazo é colossal e, por isso, cada Estado-Membro deve encarar realisticamente, etapa a etapa, este objetivo, contudo, a pobreza energética afeta aproximadamente 25 % da população portuguesa, o que faz com que esta situação tenha uma abordagem prioritária. Afinal, é da saúde dos ocupantes dos edifícios que estamos a falar.

O parque imobiliário da Europa é antigo e muda muito lentamente. Cerca de 85 % do parque imobiliário da UE foi construído antes de 2001. Segundo a UE, aproximadamente 95 % dos edifícios que existem hoje ainda existirão em 2030. A maioria dos edifícios existentes depende de combustíveis fósseis para aquecimento e arrefecimento, além de utilizarem equipamentos energeticamente ineficientes. No geral, os edifícios são responsáveis por cerca de 40 % do consumo total de energia da UE e por 36 % das emissões de gases com efeito de estufa. Aos quais temos de acrescentar a pobreza energética do parque imobiliário. Esta continua a ser uma dura realidade para milhões de europeus, especialmente para os portugueses.

A pobreza energética é uma incapacidade na qual as pessoas têm dificuldades em adquirir/comprar a energia necessária para atender às necessidades básicas nas suas habitações. Esta situação tem geralmente origem nas parcas condições e recursos da população. Muitos de nós têm conhecimento da existência passada de invernos com condensações nos vidros das janelas e das diferenças de temperaturas entre os vários compartimentos das habitações, assim como das noites sufocantes de verão no interior das casas.

Sabemos que há mais de 30 anos que se combate a pobreza energética nos edifícios em Portugal, nomeadamente nas habitações. Este combate tem tido êxito devido à imposição de adequadas soluções construtivas, através da publicação contínua de legislação que tem aumentando a qualidade térmica da envolvente e promovido a utilização de equipamentos energeticamente eficientes. Contudo, com o clima temperado que temos em Portugal e com o conhecimento científico e técnico que fomos adquirindo e atualizando desde a publicação do primeiro regulamento português dedicado ao comportamento térmico dos edifícios (RCCTE), parece-nos incompreensível que a pobreza energética atinja ainda 80 % dos portugueses.

Quem anda no terreno e estuda a situação do parque edificado nacional sabe que grande parte dos agentes envolvidos ainda não se conscientizou do papel reformulador que introduz na reabilitação habitacional. Além das questões do âmbito social, económico e ambiental, a reabilitação do parque edificado é uma forma de preservar a identidade dos valores culturais e tradicionais das próprias cidades. A somar a esta iliteracia patrimonial, temos a não existência de uma base de dados concreta sobre a dimensão e o estado do parque edificado. Se queremos atuar para melhorar as condições de conforto das habitações em Portugal, é necessário um diagnóstico completo e estruturado dos materiais e dos processos construtivos por tipologias, por exemplo. Só depois de ter esta e outras informações, se pode elaborar soluções técnicas concretas, claras e de custos baixos. É claro que o património edificado nacional é único e heterogêneo na expressão da diversidade cultural do nosso país, mas, precisamente por isto, devemos ter estudos que traduzam a realidade para que a ação dos agentes seja mais assertiva na renovação do nosso parque edificado.

Para ultrapassar estas barreiras, é necessário atuar em diferentes frentes para promover uma melhor utilização dos fundos públicos comunitários e nacionais e mobilizar os agentes envolvidos.

O ponto de partida de uma renovação sustentável de um edifício é sempre uma decisão onde se pondera os custos e os benefícios espectados. No entanto, esta renovação pode ser muito demorada ou mesmo travada em diferentes pontos da cadeia de valor, isto é, desde a tomada de decisão inicial até aos custos de investimento e concretização da solução técnica estudada. São vários os possíveis obstáculos apontados à lentidão da renovação do parque edificado português, para lá dos já mencionados anteriormente, indico alguns de ordem técnica:

  • • A inadequação da indústria da construção para o sector da reabilitação, com a consequente falta de empresas certificadas, nomeadamente no interior do país;
  • A falta de capacitação dos profissionais envolvidos e consequente falta de qualidade das intervenções, ou seja, insuficiente preparação técnica dos projetistas, empreiteiros e fiscalização;
  • Dificuldade de encontrar mão-de-obra tecnicamente adequada, devido ao abandono das técnicas tradicionais nos últimos 40 anos;
  • A ideia pré-concebida de que a reabilitação é muito cara e impraticável, devido à incerteza e variação dos custos das matérias;
  • Dificuldade em assegurar as aproximações às exigências, ao nível de conforto, qualidade e salubridade comparativamente a um edifício novo.

Também não menos importante é a falta de incentivos e produtos financeiro simples, atraentes e facilmente acessíveis para a renovação. Mesmo quando o financiamento se encontra disponível, a escassez de informações e o baixo conhecimento dos recursos disponíveis, assim como procedimentos complexos e restrições regulamentares, são obstáculos na cadeia de valor.

Para ultrapassar estas barreiras, é necessário atuar em diferentes frentes para promover uma melhor utilização dos fundos públicos comunitários e nacionais e mobilizar os agentes envolvidos. Uma melhor comunicação e informação sobre os apoios públicos e privados pode ajudar a canalizar o financiamento até aos utilizadores finais de uma forma mais eficaz. Da mesma forma, aligeirar os processos para promover sinergias e dinâmica no mercado da reabilitação, é um esforço prioritário que, com certeza, irá resultar numa maior intensificação do apoio e desenvolvimento de projetos a curto prazo. Actualmente, a complexidade do processo para obter um financiamento que melhore a qualidade da envolvente dos edifícios e a aquisição de equipamentos que utilizam energia renováveis, como painéis fotovoltaicos e coletores térmicos, é grande e, por isso, desmotivante para o público em geral.

A renovação habitacional nem sempre é possível de uma só vez. Portanto, é importante criar condições para que a renovação se faça por etapas e adaptadas à realidade socioeconómica de Portugal. Por isso, a renovação deve ser um projeto assumido pelas autoridades e sociedade portuguesa. A mobilização da população das cidades, autoridades locais e governamentais, partes interessadas e Estado português são fundamentais para a sustentar.

A Renonation Wave, anunciada em outubro de 2020 pela Comissão Europeia como estratégia para atingir as metas de descarbonização do parque edificado na Europa, é mais um mecanismo que, trabalhado de forma holística, contribuirá para a redução dos consumos energéticos nos edifícios, tornando-os ao mesmo tempo mais habitáveis e mais saudáveis para os seus ocupantes. Paralelamente, da indústria da construção espera-se que prospere com as oportunidades proporcionadas pela procura da reabilitação sustentada, reduzindo agressivamente a demanda de energia e as emissões de carbono dos edifícios e da construção civil.

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Edifícios e Energia.