Dentro de alguns anos, a adopção do BIM – Building Information Modeling vai passar a ser obrigatória. Este modelo, que já é uma prática em muitos mercados internacionais, está a mudar o sector. Claúdia Antunes, arquitecta e Executive Director & BIM Consultant na StratBIM, bem como Regional Lead da iniciativa Women in BIM Portugal, fala-nos das dificuldades e vantagens desta transição para a digitalização dos processos.

A iniciativa Women in BIM Portugal é uma novidade. Como surgiu o seu interesse em trazer esta organização para o nosso país?

Foi tudo muito natural. Voltando um pouco atrás, tirei o meu curso de Arquitectura muito focada na área do projecto e no papel da arquitectura nas cidades. Foi uma aprendizagem muito tradicional, mas quando fui estudar para Madrid e na fase final do curso tive a oportunidade de ter um maior contacto com softwares de modulação, renderização e visualização – ferramentas que ainda não estavam exploradas no nosso país. Mais tarde, comecei a trabalhar numa câmara municipal onde ainda dominava o analógico e, então, comecei a explorar a temática do BIM, um método inovador na altura. Surgiu a oportunidade de fazer uma pós-graduação em Lisboa nesta área e, com isso, deu-se uma grande mudança. Soube que o caminho era por aí. Começámos por criar a StratBIM, uma marca dedicada à consultoria e ao desenvolvimento de soluções em BIM, com o objectivo de apoiar os profissionais na transição para a adopção desta metodologia. Em 2019, no âmbito das comemorações do Dia da Mulher, por parte da [iniciativa global] Women in BIM, achei que poderia fazer sentido trazer o projecto para Portugal, até porque a nossa comunidade já começava a crescer e merecia esta rede de apoio regional. Demonstrei esta vontade e, mais tarde, surgiu o convite do grupo internacional para o fazer.

Quer falar-nos um pouco da actividade internacional do grupo Women in BIM?

O Women in BIM está em 47 países actualmente, incluindo países em África, e essencialmente trata-se de uma rede de apoio, principalmente entre mulheres, através da qual trocamos conhecimento e experiências neste processo de transição para a digitalização do sector da construção.

Sentiam que havia menos mulheres a trabalhar no sector?

Exactamente. Havia poucas mulheres e ainda há. E sentimos que é uma oportunidade para estas profissionais se destacarem na área do digital, o que tem acontecido com muita facilidade sobretudo nas áreas da coordenação e gestão BIM. A Rebecca De Cicco iniciou o Women in BIM em 2012 porque sentiu que estava perdida num mundo de homens e não tinha ninguém com quem partilhar as dúvidas e dificuldades que tinha. Foi nessa altura que começou a ser criada uma rede informal que veio dar origem ao grupo Women in BIM.

Nestes últimos anos, temos assistido a uma maior aceleração do sector da construção. Há mais sensibilização e entendimento a propósito da importância da digitalização?

Sem dúvida de que sim. A nível mundial, as metas são sempre de construir mais e mais rápido. A nossa população cresce de uma forma acelerada e há que encontrar estratégias para conseguir apoiar essa rapidez, que é necessária, e dar resposta à necessidade de mais habitação. Depois, temos as questões associadas ao clima, nomeadamente às metas que existem quanto à descarbonização. Aqui, o digital tem tido um papel muito importante ao permitir simular e controlar os consumos e gastos energéticos. A metodologia BIM tem provado ser uma aliada na construção para que se cumpram as metas de descarbonização.

É justo afirmar que Portugal está mais atrasado do que a generalidade dos países europeus na transição para o digital?

Em Portugal, temos duas realidades muito assimétricas. Temos empresas e profissionais do lado da arquitectura ou da engenharia que estão num nível muito elevado de maturidade digital, nomeadamente na adopção do BIM, porque tiveram de se tornar competitivos ao posicionarem-se em mercados onde é obrigatória a utilização da metodologia do BIM. Os fabricantes de produtos têm de ter os seus “objectos” BIM para não deixarem também de integrar estas obras. Os construtores estão a acelerar este processo de transição com o objectivo de inovarem, mas também para alargarem a sua área de actuação para fora de Portugal. Estes mercados internacionais estão maduros. Por outro lado, temos pessoas, entidades e empresas que nunca ouviram falar do BIM e isso tem gerado muitas dificuldades na definição das estratégias para a sua adopção a nível nacional. É um desafio nivelar estes diferentes patamares de maturidade. Se pensarmos nas pequenas e médias empresas com as dificuldades do dia-a-dia, vocacionadas para as pequenas obras e que usam ferramentas tradicionais de desenho como o 2D ou o AutoCAD, as dificuldades são muito grandes no que diz respeito a entender as vantagens do BIM e a conseguir investir em formação ou mudança de processos.

O investimento financeiro exigido nessa transição é apontado como elevado. É mesmo assim?  Quais as vantagens que uma pequena organização pode retirar da digitalização dos seus processos?

Num primeiro momento, o meu conselho a essas empresas passa pela definição de uma estratégia interna, ou seja, pela elaboração de um plano que diga claramente onde querem chegar, quais os objectivos que alcançam com a introdução da metodologia BIM e como lá conseguem chegar. Passo a passo. O desafio está em saber como é que se consegue lá chegar da forma mais suave possível, sem impacto na actividade diária e sem custos desajustados. O investimento deverá ser adequado àquilo que será o retorno previsto com o BIM. Tudo deverá começar com uma definição de estratégia adaptada à realidade de cada empresa para que se consiga, com isso, controlar os investimentos. Depois, é preciso entender qual o “seu” BIM e qual a sua mais-valia. O universo BIM é muito vasto e é um erro comum ter a ideia de que podemos dar resposta a todo o universo BIM. Se formos bons a modelar ou se formos bons a fazer a coordenação, óptimo. Mas se nos pudermos especializar na parte da fiscalização e transpor isso para o universo BIM é excelente. As empresas podem especializar-se em diferentes áreas de actuação. A área dos custos é também uma possibilidade e aí entramos na dimensão 5D. A ideia é que as empresas consigam encontrar o seu ponto forte e possam focar-se nessa ou noutras áreas. A tendência global vai no sentido da especialização.

Como se cruzam estes conhecimentos na realidade prática, no mercado e nas obras?

É uma questão de posicionamento em relação ao mercado e muitas vezes surge mesmo como uma oportunidade. Se pensarmos nas pequenas empresas, há a possibilidade de estas organizações se juntarem inclusivamente a outras pequenas empresas e conseguirem, assim, ser uma “máquina” de produção eficaz de BIM. Este timing é interessante porque temos obrigatoriedade da adopção do BIM para breve, mas nesta fase são várias as empresas que já se estão a antecipar.

A meta da obrigatoriedade da metodologia BIM foi estendida por mais alguns anos. Uma boa decisão?

Neste momento, temos o ano de 2026 para as câmaras municipais, em que a obrigatoriedade se traduz na utilização de uma plataforma única para o licenciamento. Em 2027, serão já introduzidos requisitos em alguns municípios e projectos de maior dimensão. Depois, temos 2030 como a última data na qual se fixou a obrigatoriedade da utilização do BIM para todos os técnicos que integram uma obra, arquitectos ou engenheiros. A data inicial de 2025 era muito curta e surgiram vários documentos, inclusivamente da Associação BuildingSMART Portugal, uma entidade internacional com espelho no nosso país, com comentários bastante detalhados a desaconselhar essa ambição, sobretudo no nosso país.

Os técnicos têm sete anos para se prepararem?

Sim, o que é um tempo confortável.

Quer explicar-nos as vantagens do BIM para esse futuro próximo e que impacto vai ter no sector da construção e da sustentabilidade?

A grande vantagem do BIM está em conseguirmos, num ambiente totalmente digital, antever, coordenar e perceber colisões ou problemas em obra. Hoje, esses problemas tradicionais que todos conhecemos e que têm um custo muito elevado poderão ser prevenidos e eliminados. A ideia é, numa fase inicial, conseguirmos juntar todas as especialidades e todos os intervenientes numa construção e com isso poupar. Este tem sido o maior sucesso do BIM. Para as equipas, a grande vantagem surge depois de consolidada esta fase de adopção e de transição para um novo método, sendo que estamos a falar de eficiência e de rapidez de produção. Quando falamos em fazer uma alteração num projecto, sabemos que, depois, automaticamente, todas as vistas e todos os desenhos vão ser espelhados no processo, e isso poupa imenso tempo a toda a gente. Em resumo, falamos de eficiência, de rapidez e de redução de custos. Estas são as grandes bandeiras do BIM.

O BIM poderá ajudar a juntar as especialidades e a fazê-las falar na mesma língua para que se entendam mais facilmente?

Claro que sim, porque facilita a comunicação e a interoperabilidade, uma expressão que utilizamos muito no contexto BIM. Essencialmente, estamos a falar de uma ferramenta que facilita a comunicação entre as diferentes fases e os diferentes intervenientes e que reduz os tempos de intervenção. Cada vez que é fechada uma fase e começa outra, com outro interveniente, existem tradicionalmente quebras e o que se pretende é reduzir, e até eliminar, essas quebras e comunicar de uma forma mais ágil. Depois, estamos a normalizar e a standardizar a produção da informação para que todos tenham a mesma informação. Estamos a falar de documentos, de sistemas de classificação de informação e de que todos consigam falar a mesma língua, seja em Portugal, na China ou no Reino Unido. Trata-se de uma linguagem internacional.

Os nossos técnicos vão adaptar-se com facilidade?

Vai existir alguma resistência como acontece em todas as mudanças. Muitas vezes, até pelo desconhecimento ou pela desinformação, porque é recorrente a ideia de que o BIM é caro e também pode ter havido uma má experiência. Existem alguns rótulos que geram resistência, mas é necessário existir formação, formação de base, para aquilo que é a metodologia e as suas vantagens – e não só para os técnicos, mas também para os donos de obra. Quem vai investir em BIM terá de saber o que está a comprar porque o universo BIM é grande e é importante o dono de obra ter conhecimento sobre a suas características, até para definir os requisitos na contratação de serviços.

Do seu ponto de vista, deveria ser criada uma estrutura própria ou um curriculum próprio do lado da formação ou é vantajoso deixar o mercado funcionar por si?

Tem acontecido um pouco isso. O mercado tem-se regulado com vários tipos de formação, umas mais avulsas e outras mais estruturadas. Algumas entidades estão a fazer formação específica, como é o caso da Ordem dos Arquitectos, onde estou integrada enquanto formadora – e já vamos na 15.ª edição. A própria Ordem dos Engenheiros também criou um curso e algumas universidades também, nomeadamente por via de pós-graduações ou [cursos] especializados. Não existe, até à data, a ideia de uma formação base que seja tutelada pelo Estado, mas, sim, é desejável que exista. Neste momento, a BuildingSMART começa já a certificar profissionais e empresas através daquilo a que nós chamamos capítulo espanhol. Seria bom existir uma entidade do Estado a fazê-lo.

E nas escolas faz sentido começar a incluir já a formação BIM?

Faz todo o sentido, e os próprios alunos que saem neste momento para o mercado de trabalho sentem esta dificuldade. Muitos deles esbarram com ofertas de emprego que têm requisitos obrigatórios em BIM e isso passa-se a nível internacional, mas também nacional. É expectável que um aluno quando sai para o mercado de trabalho procure as melhores oportunidades e isso deixa de ser possível com a sua formação de licenciatura base. A maioria destes alunos nunca teve contacto com esta abordagem nas universidades e se teve foi muito deficiente, embora existam algumas e louváveis iniciativas em universidades pelo nosso país, como é o caso da Universidade do Minho, da Faculdade de Engenharia do Porto ou do Instituto Superior Técnico. Sucede que estes conhecimentos não estão integrados nos currículos formais das universidades. O feedback que nos vai chegando é de que é muito difícil fazer alterações neste curriculum pela forma como estão estruturados os cursos. Qualquer alteração é sempre muito lenta e difícil de se fazer também ao nível da contratação de docentes.

Ainda há um longo caminho para percorrer?

Há, e essa é uma ideia generalizada, mas há muita coisa que já foi feita ao nível de Comissões Técnicas criadas para o efeito, como a CT 197, que produz documentação e estratégias para a adopção do BIM. Trata-se de uma Comissão Técnica que já pensa nestes temas desde 2016, e é constituída por empresas e profissionais que dedicam o seu tempo a esta abordagem. Temos também a Comissão Técnica para a transição BIM da Ordem dos Arquitectos, que eu integro e que também apoia as decisões do Governo para esta mudança. Existem Grupos de Trabalho para a uniformização de procedimentos, para a criação da tal plataforma única, e a própria BuildingSMART. Já existem guias produzidos especificamente para o público, para as autarquias e há muito trabalho disponível.

Existe alguma entidade internacional que agregue o conhecimento e, de alguma forma, oriente os trabalhos?

Existe a BuildingSMART, que está por todo o mundo e tem apoiado os vários governos locais no desenvolvimento de normas. Está muito focada no BIM aberto, um BIM livre de softwares e de barreiras de interoperabilidade, no Open BIM, que é a grande tendência internacional. Esta associação internacional sem fins lucrativos pretende criar estas regras comuns e, no ano passado, chegou a Portugal.

 

O que é o BIM e quais as principais vantagens deste modelo?

A metodologia BIM é uma abordagem de trabalho colaborativa que envolve a criação, a gestão e o uso de informações digitais num projecto de construção ou infraestruturas.  Ao contrário dos métodos tradicionais de projecto baseados em desenhos 2D, o BIM permite que os intervenientes do sector da construção trabalhem num ambiente digital partilhado, onde podem visualizar, analisar e colaborar de forma mais eficiente. Com a utilização do BIM, os profissionais podem criar simulações, realizar análises de desempenho, detectar conflitos e realizar um planeamento mais preciso durante todas as fases do projecto, desde a concepção, até à construção e à operação. Além disso, o BIM permite uma melhor coordenação entre as diferentes disciplinas envolvidas no projecto, como arquitectura, engenharia civil, eléctrica e mecânica, evitando erros e retrabalho. Também facilita a gestão e a manutenção do edifício ao longo do seu ciclo de vida, fornecendo informações precisas e actualizadas sobre os componentes e sistemas da construção, o que resulta em economia de tempo, redução de custos e melhoria da qualidade do projecto e da construção. Assim, o BIM é uma abordagem de trabalho que utiliza modelos 3D inteligentes e informações detalhadas para melhorar estes vários aspectos.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 148 da Edifícios e Energia (Julho/Agosto 2023).

*Entretanto, foi publicada a Portaria n.º 255/2023, que, entre outros aspetos, introduz, pela primeira vez, modelos paramétricos desenvolvidos com recurso à metodologia BIM como suporte à elaboração de projetos de obra pública.