Há um ano, era discutível a oportunidade do hidrogénio. Agora, neste enquadramento, é totalmente ofensiva, sobretudo quando vemos um ministério e um secretário de Estado dedicados a convencerem-nos de um “milagre”.
Numa altura em que as pessoas tentam olhar para a frente e estão assustadas. Numa altura em que as pessoas começam a duvidar de que vai ficar tudo bem. Numa altura em que já se percebeu claramente que esta pandemia e outras que se poderão seguir não dizem apenas respeito às ciências da saúde, mas também a outras ciências, como as engenharias – a energia, a habitação, os edifícios, o conforto térmico e a qualidade do ar interior têm um papel determinante na mitigação destes flagelos. Nesta altura, não!
Sinto desconforto quando vejo o secretário de Estado da Energia esgrimir argumentos, aflorar retóricas e dedicar compulsivamente o seu tempo a defender uma solução que não defende o país, nem as pessoas.
A pobreza energética vai aumentar com o desemprego. Alguma dúvida sobre isto? Sinto desilusão quando oiço imensas teorias e considerações sobre o hidrogénio e zero sobre as pessoas, as suas casas, a qualidade ambiental dos espaços onde trabalham e passam a maioria do seu dia.
É de lamentar que se esteja a aprender muito pouco com esta situação que estamos a viver. Temos pessoas em casas degradadas, sem condições de conforto térmico e de salubridade. Pessoas que não têm capacidade para aquecer a casa no Inverno. Mais de metade da população, segundo dados recentes. Temos um problema de habitação gritante a resolver com políticas também energéticas concretas que têm de ser desencadeadas. Sabemos onde estão essas casas? Quantas pessoas lá vivem? Temos algum plano? Sinto-me espantada quando não vejo nenhum governante na área da energia preocupar-se com este assunto. Temos um problema que se relaciona com o exorbitante preço da factura energética, mas preferimos olhar para a intermitência das renováveis quando fazemos escolhas políticas.
Tivemos a sorte de a pandemia ter começado em Março. E quando começar o Inverno? A pobreza energética vai aumentar com o desemprego. Alguma dúvida sobre isto? Sinto desilusão quando oiço imensas teorias e considerações sobre o hidrogénio e zero sobre as pessoas, as suas casas, a qualidade ambiental dos espaços onde trabalham e passam a maioria do seu dia.

Sinto-me enganada quando a DGS, naturalmente órfã de conhecimento ou de cooperação por parte de outras entidades responsáveis, resolve debitar orientações completamente desajustadas que, num primeiro momento, causaram estragos provavelmente irrecuperáveis. É que a qualidade do ar interior nos edifícios já foi uma preocupação nossa. Sabemos todos o que temos de fazer. Já a implementámos, para, de seguida, a abandonarmos abruptamente em favor de interesses económicos. Era cara. Mas parece que o hidrogénio não é!
Nós, que somos o segundo país da Europa com mais sol por dia. Com um enorme potencial para a energia solar térmica ou fotovoltaica a nível local, descentralizada, que ainda não disparou. Temos bons exemplos de redes urbanas de frio e calor por toda a Europa que nos deviam inspirar pela eficiência e possibilidade de operação…
Estamos cansados de sentir vergonha alheia. Tem sido assim a nossa história em matéria de políticas energéticas e de estratégias para a energia nos edifícios. Só que, agora, o tempo é outro. Antes de olharmos para as soluções energéticas, sejam elas apologéticas do milagre dos pães (ou será das rosas?), ou de nos depararmos com a frustração de não nos aquecermos ou iluminarmos com o nosso sol, devemos olhar para as necessidades sociais. Convém entender esta lição recente. As carências na habitação e a pobreza social ampliaram a pandemia e reflectiram-se esmagadoramente na economia.
Nota de abertura originalmente publicada na edição nº131 da Edifícios e Energia (Setembro/Outubro 2020)
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