Artigo publicado originalmente na edição de Novembro/Dezembro de 2023 da Edifícios e Energia. 

A transição energética tem ainda um longo caminho a percorrer, muito embora tenha adquirido, nos últimos anos, uma maior relevância, pelo facto de a procura pela independência energética ter em consideração, quer as correspondentes diretivas europeias, quer, em cada país, os inerentes avanços tecnológicos com taxas de implementação com significativa materialidade.

Importa recordar, também, o suporte em algumas das principais iniciativas e dos principais compromissos. Portugal, com a publicação do Decreto-Lei n.º 15/2022, que transpõe a Diretiva (UE) 2019/944 e a Diretiva (UE) 2018/2001, procura estabelecer a organização e o funcionamento do Sistema Elétrico Nacional, reforçando, assim, tanto o seu caminho por via da implementação de fontes de origem renovável, descentralizando e distribuindo a produção de energia elétrica, como os demais diplomas complementares subsequentes.

No entanto, esta descentralização não irá decorrer unicamente pela instalação de grandes parques de geração de energia e de autoconsumo individual, mas também pelo incentivo à implementação de projetos em autoconsumo coletivo (ACC) e de comunidades de energia renovável (CER).

A IMPORTÂNCIA DO AUTOCONSUMO COLETIVO

O autoconsumo é uma das principais vias para conseguir uma transição verde das nossas casas e empresas. Como o nome indica, trata-se de produzir, através de energias renováveis, parte importante da energia que utilizamos diariamente. Atualmente, dado o elevado aumento da fatura energética, olhamos de uma maneira completamente diferente para a energia que utilizamos.

Dada a sua importância, destacaremos, nos pontos infra, as principais vantagens do autoconsumo, em especial no que se refere à oferta para as empresas:
• Menor exposição à variação de preços da eletricidade: as empresas podem deixar de estar expostas ou reduzir a sua exposição à flutuação futura dos preços da eletricidade naquela parcela de energia que passaram a produzir. Com o autoconsumo, garante-se um preço fixo da eletricidade para os 25 anos seguintes à instalação do sistema solar;
• Redução de custos: a produção própria permite que as empresas reduzam os seus custos com a energia elétrica, pois deixam de comprar [energia equivalente à] energia autoproduzida à rede, permitindo um aumento da sua competitividade face aos seus concorrentes;
• Produção de energia 100 % limpa: as empresas que apostem no modelo de autoconsumo passam a integrar um lote de organizações cada vez mais reconhecido pela sua estratégia de sustentabilidade e imagem verde. A energia produzida através do solar fotovoltaico contribui para a redução das emissões de gases que estão associados ao aumento do efeito de estufa;
• Retorno do investimento: o investimento em sistemas solares fotovoltaicos, no enquadramento do autoconsumo, permite um retorno num período de entre seis e nove anos. Este retorno está associado ao ótimo dimensionamento dos sistemas;
• Eficiência energética: altera-se o paradigma relativo ao investimento no solar fotovoltaico, que passa agora a ser visto como uma ferramenta de eficiência energética, afastando-se, assim, do estigma de estar associado a subsídios estatais. Assim sendo, os sistemas deverão ser muito bem dimensionados por forma a maximizar a rentabilidade deste investimento em solar;
• Vantagem para consumidores regulares de eletricidade: as empresas com perfis de consumo de eletricidade mais regulares poderão mais facilmente minimizar os excedentes de energia a vender à rede e terão melhores retornos nos investimentos que fizerem em solar fotovoltaico;
• Rentabilização de ativos parados: empresas com coberturas nos seus edifícios ou com parcelas de terreno sem utilização podem aproveitá-las para produzir energia, rentabilizando ativos que de outra forma não têm utilização.

Sublinha-se a importância de cada empresa analisar de forma estruturada a potência adequada a instalar. “As regras do autoconsumo vão obrigar as empresas do setor a requalificarem-se e vão obrigar a que haja um trabalho muito mais cuidado de dimensionamento dos sistemas solares fotovoltaicos.”

Acresce que cada cliente tem um perfil de consumo específico, e as empresas do setor vão passar a ter de saber aconselhar o cliente e calcular adequadamente a potência a instalar em cada situação.

Sublinha-se ainda que, “no regime anterior, as empresas focavam-se na quantidade da potência, a qual quanto maior mais benefícios daria”. Mas, agora, com o novo modelo, “as empresas do setor devem passar a focar-se mais no consumo do cliente. [Pois] O risco de começarmos a ter situações mal dimensionadas e clientes insatisfeitos é muito elevado. Este é o verdadeiro desafio da nova legislação”.

AS COMUNIDADES DE ENERGIA RENOVÁVEL

As CER são constituídas por um conjunto de consumidores que, através de um sistema de produção de energia e de rede elétrica partilhada, produz parte ou a totalidade da energia elétrica consumida por esses elementos. A energia produzida pode advir através de qualquer recurso renovável, mas, na realidade, a energia solar é a que apresenta a maior potencialidade.

Note-se que, em Portugal, o conceito de comunidades de energia renovável anda lado a lado com o conceito de autoconsumo coletivo. A grande diferença entre os dois assenta no tipo de gestão e de investimento.

Uma CER é uma entidade constituída nos termos do previsto no Artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 15/2022 e que realiza a totalidade do investimento para a criação da comunidade. Um exemplo prático é uma entidade criar um parque de energia solar e partilhar a energia elétrica produzida com uma rede de empresas ao seu redor.

No ACC, são os consumidores finais que produzem energia renovável para consumo próprio, sendo que podem partilhar o excesso produzido com outros consumidores. Aqui, entram também as entidades gestoras de autoconsumo (EGAC), que representam os autoconsumidores coletivos. Exemplo prático: donos de uma habitação instalam um sistema de autoconsumo e partilham o excesso produzido com os vizinhos.
Vejamos as vantagens que as CER oferecem, enquanto entidades que proporcionam benefícios económicos, sociais e ambientais aos seus membros ou à área ou às áreas locais em que estão inseridas e ativas, em vez de terem um objetivo meramente lucrativo.
As comunidades energéticas são uma peça-chave na reorganização dos sistemas de produção e distribuição de energia. Permitem aproveitar os recursos renováveis onde se inserem e são uma porta aberta à participação ativa dos cidadãos no sistema energético. As suas vantagens podem resumir-se ao seguinte:
• Abandono das energias fósseis e redução da pegada de carbono local.
• Maior eficiência no consumo, em especial, nas comunidades que tenham como objetivo melhorar a distribuição e reduzir o custo ao nível da residência e do transporte;
• Alternativas de investimento coletivo para o desenvolvimento das energias renováveis;
• Implantação de renováveis como respeito e compromisso da comunidade em vez de se apostar nos grandes projetos desenvolvidos sem a participação dos cidadãos;
• Possível contribuição para minorar a pobreza energética, já que as comunidades de energia podem oferecer preços mais baixos aos vizinhos com menos recursos;
• Desenvolvimento da economia local;
• Fortalecimento dos laços da comunidade;
• Redistribuição dos benefícios, que revertem na sua maioria para a comunidade local.

Nas comunidades locais de energia, temos de lidar com a forma como nos abastecemos a nós próprios ou ao resto dos membros com energia elétrica e/ou térmica.

A figura do agregador da procura proporciona uma nova forma de satisfazer a procura de energia e de distribuir a energia excedentária na produção distribuída que não pode ser introduzida na rede elétrica.

As comunidades energéticas são, em suma, uma nova forma de abordar a produção e a distribuição de eletricidade, bem como uma multiplicidade de serviços energéticos. Desenvolvidas a nível local, colocam no centro o benefício da comunidade e a sua sustentabilidade ambiental, social e económica.

AS CER EXISTENTES EM PORTUGAL

A primeira CER em Portugal surgiu em Miranda do Douro em 2021, lançada pela Cleanwatts, num investimento feito pela Santa Casa da Misericórdia da cidade transmontana. Nesta CER, a energia solar é utilizada para alimentar os vários edifícios da Santa Casa e o excesso de energia, quando existe, é partilhado com a autarquia e com os bombeiros.

Entretanto, surgiram mais iniciativas, mas as CER estão ainda a crescer timidamente, pois os projetos têm saído do papel a um ritmo lento. Segundo informação do Ministério do Ambiente e da Ação Climática (MAAC), veiculada pelo jornal Público, até ao dia 20 de janeiro, Portugal tinha quatro CER ou ACC a funcionar em pleno e “já tinham sido submetidos 372 projetos de licenciamento” destes projetos de produção comunitária e de autoconsumo de energia.

Destes 372 processos, 95 já obtiveram aprovação da DGEG – Direção-Geral de Energia e Geologia e [o parecer] de ‘viabilidade técnica’ por parte da distribuidora de energia E-Redes. “Dos 95 registos aprovados, solicitaram certificação quatro autoconsumos coletivos, que se encontram em exploração”, segundo relata o MAAC. Mas muito há ainda por concretizar!

FOTOVOLTAICO SIM, MAS NÃO A QUALQUER PREÇO

O desafio é enorme, pois, para a implementação de uma certa e determinada solução, há que se ter uma visão holística, pugnar pela eficiência energética e desejavelmente privilegiar a produção descentralizada de energia com aproveitamento de fontes locais disponíveis e também os edificados – telhados, coberturas, empresas – para instalação de painéis fotovoltaicos. Esta produção em pequena escala, para a qual o país tem imenso potencial, é mais eficiente porque acarreta menos perdas e é mais geradora de valores socioambientais porque fomenta atitudes comunitárias de transição energética.

As energias renováveis devem crescer de um modo sustentável. Para atingirmos o objetivo não será necessário cobrir todo o planeta com painéis fotovoltaicos! Temos consciência de que não existem soluções imediatas, nem fáceis, daí ser preciso estudar e avaliar, de forma integrada, as possíveis alterações ambientais pela inserção de painéis fotovoltaicos no local e os impactes, diretos e indiretos, significativos no presente e no futuro. Os estudos a realizar permitirão suportar a decisão sobre a viabilidade ambiental, ou não, e deverão ser desejavelmente acompanhados de auscultação à população como meio de participação pública nas decisões que lhes dizem diretamente respeito. A democracia dinâmica prima pelos atos de participação alargada e de transparência de atitudes e intentos, como legitimidade social das decisões e garantia dos direitos.

O DIFÍCIL EQUILÍBRIO PLANETÁRIO E O FACILITISMO

Apesar da generosidade das vontades e da obrigatoriedade imposta pela legislação nacional vigente, ainda estão a acontecer abates de espécies florestais protegidas, autóctones e, eventualmente, também exóticas existentes há muito tempo em Portugal, invocando-se por parte de entidades públicas a “imprescindível utilidade pública”. Oh, gente! Tanta disfuncionalidade. Assim não dá! Haja bom senso e decoro, ou mais bem dito, integridade!

As conclusões expressas são da responsabilidade do autor.