1. INTRODUÇÃO

O ponto de partida para a análise deste tema prende-se com a necessidade de perceber de que forma é que a atual mudança de paradigma no setor da construção em Portugal, nomeadamente o recente incremento das intervenções em reabilitação urbana, estão a atender a fatores de sustentabilidade ambiental, em particular, com a integração de medidas que concorram para promover a eficiência energética nos edifícios de habitação e, com isso, a contribuir para a redução da fatura energética do consumo doméstico, assim como das emissões de dióxido de carbono (CO2), resultando na melhoria da saúde, bem-estar e conforto das populações.

Desde logo, importa ter presente que, nos anos mais recentes, tornou-se evidente que o tema da reabilitação urbana se tem assumido como uma nova dimensão das políticas urbanas, alcançando uma preponderância sem paralelo em períodos anteriores, muito em resultado da crise no sector da construção e, em particular, da construção nova. Para isso, contribuiu, também, o seu papel enquanto instrumento de política pública que pretende dar resposta ao declínio urbano e que envolve muitos outros aspetos além da reabilitação física, como a requalificação ambiental, a revitalização económica e a integração social e cultural.

Existe também uma consciência generalizada de que um dos maiores problemas que a sociedade contemporânea enfrenta é o excessivo consumo de energia. Tal deve-se, principalmente, ao aumento dos padrões de conforto e de qualidade de vida, do qual decorre uma utilização massificada de produtos e equipamentos com elevado consumo de energia, tais como automóveis, equipamentos de climatização, eletrodomésticos, entre outros.

Nesta perspetiva, urge sublinhar que um dos sectores com maior peso no consumo de energia é o sector dos edifícios, que é responsável pelo consumo de aproximadamente 40 % da energia final, na Europa, e cerca de 30 %, em Portugal, sendo que mais de 50 % deste consumo pode ser reduzido através da introdução de medidas de melhoria de eficiência energética (ADENE, 2013).

Numa altura em que as preocupações com a reabilitação urbana estão na ordem do dia, o que está em causa nesta reflexão é, então, saber o que será necessário para se conseguir uma relação mais consistente entre a reabilitação urbana e a eficiência energética. É a este nível que a investigação realizada pretende dar um contributo.

2. A REABILITAÇÃO URBANA E A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA EM PORTUGAL
2.1. A Sustentabilidade Ambiental e Energética na Reabilitação Urbana

Nos anos mais recentes, na Europa e em Portugal, tem surgido uma vaga de produção legislativa com níveis crescentes de exigência relativamente à melhoria do desempenho energético e das condições de conforto dos edifícios. Exemplo disso é a criação, em 2006, do Sistema Nacional de Certificação Energética e da Qualidade do Ar Interior nos Edifícios (SCE), assim como a aprovação do Regulamento dos Sistemas Energéticos de Climatização em Edifícios e do Regulamento das Caraterísticas de Comportamento Térmico dos Edifícios. Já em 2013, e como resultado da transposição de um diretiva comunitária, gerou-se a oportunidade de se proceder a uma revisão da legislação nacional, consubstanciando-se na introdução de melhorias ao nível da sistematização e âmbito de aplicação ao incluir, num único diploma, o Sistema de Certificação Energética dos Edifícios, o Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Habitação e o Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Comércio e Serviços, visando o reforço do quadro de promoção do desempenho energético nos edifícios, à luz das metas e dos desafios acordados pelos Estados-Membros para 2020.

Toda esta vaga legislativa tem motivado, também, num conjunto muito significativo de estudos e projetos de investigação que tem sublinhado a importância dos edifícios para a redução do consumo de energia e das emissões de gases com efeito de estufa, ao mesmo tempo que identificam a existência de grandes oportunidades para diminuir a utilização de energia dos edifícios com menores custos e maiores retornos do que noutros sectores.

A integração de preocupações de sustentabilidade na construção de um edifício implica um processo permanente, constituído por um conjunto de medidas diversificadas que deverão ser integralmente assumidas e compatibilizadas com as diferentes fases do ciclo de vida. Contudo, a realidade demonstra que a envolvente dos edifícios é um dos elementos que mais influencia o consumo de energia para climatização, sendo que este elemento é responsável, em média, por 25 % do total de consumo energético de um edifício residencial (Bragança, Mateus e Gouveia, 2011).

É, pois, neste contexto que se considera que a reabilitação energética de edifícios constitui uma grande oportunidade para a correção de situações de inadequação funcional, proporcionando a melhoria da qualidade térmica e das condições de conforto dos seus ocupantes.

2.2. Eficiência energética nos edifícios de habitação em Portugal
Vejamos agora qual é o cenário em termos de desempenho energético dos edifícios de habitação em Portugal e quais as necessidades de reabilitação existentes, tendo em conta as novas exigências em matéria de eficiência energética.

Com base na informação do SCE, começamos por verificar que, pelo menos, 90 % dos edifícios construídos antes de 2005 apresenta um desempenho energético inferior ao limiar mínimo admissível para edifícios/frações novos, de acordo com os parâmetros definidos pela legislação de 2013. Já os edifícios/frações construídos após 2005 registam um valor de quase 50 % abaixo do limiar mínimo de desempenho energético, o que ainda não pode deixar de ser observado como um valor preocupante em termos de incumprimento dos parâmetros de eficiência energética. Por outras palavras, o parque edificado nacional apresenta um mau desempenho energético, de uma forma generalizada (ver tabela 1).

Tabela 1 – Classificação energética em edifícios de habitação, por período de construção.
Fonte: Sistema de Certificação Energética de Edifícios (SCE)

 

Uma outra conclusão que se pode retirar da análise efetuada prende-se com a evidência reunida sobre o impacto induzido pelos regulamentos de 2006 e 2013, uma vez que se constata que ambos provocaram uma redução significativa das necessidades de energia, designadamente, para aquecimento e arrefecimento, facto este que constitui, sem dúvida, um grande desenvolvimento civilizacional.

De igual modo, e no âmbito do SCE, procurou-se avaliar o impacto da reabilitação na eficiência energética do parque habitacional, recorrendo, para tal, a uma análise comparada entre os valores dos certificados existentes para cada época e a média dos certificados referentes às “grandes intervenções”.

Sem margem para dúvidas, esta avaliação permitiu concluir que as grandes reabilitações produzem um efeito muito significativo na melhoria da eficiência energética do edificado habitacional, tal como se pode comprovar pela classificação energética obtida após essa tipologia de reabilitação. De facto, constatou-se que apenas 13,3 % dos edifícios/frações certificados como existentes apresentam um desempenho energético superior ao limiar mínimo admissível para novos edifícios, de acordo com os parâmetros definidos em 2013, enquanto a percentagem de edifícios/frações certificados após grandes reabilitações que apresenta um desempenho energético superior ao limiar mínimo admissível para edifícios novos é de 86,4 % (ver figura 2).

Figura 2 – Comparação entre o valor total de frações certificadas como existentes e grandes reabilitações, em percentagem de classificação energética.
Fonte: Sistema de Certificação Energética de Edifícios (SCE)

De igual forma, também se constatou que as grandes reabilitações produzem uma redução muito significativa das necessidades de energia, designadamente, para aquecimento, arrefecimento e preparação de águas quentes sanitárias.

3. CONCLUSÃO

A investigação desenvolvida salienta a existência de uma relação biunívoca entre a reabilitação urbana e a eficiência energética. Por um lado, a necessidade de medidas ao nível da eficiência energética é indutora de desenvolvimento da reabilitação urbana. Por outro, a necessidade de reabilitar os tecidos urbanos degradados, unanimemente reconhecida, é promotora da melhoria da eficiência energética de muitos edifícios e, consequentemente, da sustentabilidade das cidades, em termos mais latos.

Na base desta conclusão está a importância concedida à integração de princípios de sustentabilidade nos processos de reabilitação urbana enquanto fator imperativo ao desenvolvimento sustentável, potenciando a adoção e implementação de boas práticas de reabilitação sustentáveis que conduzam ao desempenho ambiental e energético, à melhoria das condições de conforto dos utilizadores, com repercussão direta na redução da fatura energética, tendo em vista uma evolução para a qualificação do meio edificado e, consequentemente, do ambiente urbano (Pires e Bragança, 2011).

Num sentido mais lato, os efeitos do modelo contemporâneo de desenvolvimento no meio ambiente e o contexto atual do mercado da construção justificam uma mudança no modo como se planeia, desenvolve, utiliza e reabilita o parque edificado e, sobretudo, as cidades. O despovoamento dos centros urbanos aliado a periferias que cresceram de forma exponencial e desordenada, com todas as consequências nefastas daí resultantes, tem vindo a revelar o problema da regeneração/reabilitação urbana como um dos mais complexos e urgentes desafios que a sociedade contemporânea tem pela frente e que requer uma mudança de paradigma e de decisões políticas que dinamizem novas abordagens que possibilitem bases sustentáveis para as gerações vindouras (Bragança et al., 2011).

Ora, isto significa a necessidade de sensibilização e mobilização da sociedade contemporânea para este desafio ciclópico. Por um lado, aos decisores políticos, incumbe criar as condições para um ambiente favorável à promoção da eficiência energética na reabilitação urbana. Como? Fundamentalmente, através da adoção de um quadro estratégico e legislativo favorável, assim como, das condições financeiras que possam ser consideradas necessárias para atrair os investidores a desencadearem os processos de reabilitação urbana no parque edificado.

Por outro lado, importa sensibilizar e capacitar os técnicos e profissionais da área para a necessidade da sua imprescindível e permanente qualificação para garantir intervenções com soluções técnica e economicamente otimizadas e suficientemente duradouras. A estes atores (engenheiros, arquitetos, projetistas, etc.), exige-se conhecimento técnico e capacidade de gestão financeira, nunca dissociada de uma visão multidisciplinar, embora especializada, de modo a assegurar qualidade, inovação e sustentabilidade às intervenções em reabilitação urbana (PTPC, 2015).

Por último, e não menos importante, está a necessidade de mudanças comportamentais por parte dos utilizadores, proprietários e investidores individuais. De facto, impõem-se mudanças de comportamento significativas, mas também melhor informação para a criação de uma consciência cívica que permita entender melhor as oportunidades da eficiência energética no edificado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
• ADENE (2013). A importância dos produtos eficientes na Reabilitação Urbana. Seminário da Associação Portuguesa dos Comerciantes de Materiais de Construção, Matosinhos, Outubro de 2013.
• Bragança, L., Mateus, R., Gouveia, M. (2011). Construção sustentável: o novo paradigma do setor da construção. Seminário Paredes Divisórias: Passado, presente e futuro. Porto.
• Bragança, L., Mateus, R., Gouveia, M. (2011). Construção sustentável: o novo paradigma do setor da construção. Seminário Paredes Divisórias: Passado, presente e futuro. Porto.
• Freitas, V. P. (2015). A Eficiência Energética e a Reabilitação Urbana de Edifícios exigem uma abordagem inteligente. 5ª Conferência sobre Patologia e Reabilitação de Edifícios, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Março de 2015.
• Pires, C., Bragança, L. (2011). Reabilitação Urbana Sustentável – Reabilitação e conservação do património habitacional edificado. Livro de atas da conferência nacional “Sustentabilidade da Reabilitação Urbana: O Novo Paradigma do Mercado da Construção”. iiSBE Portugal, Lisboa, 2011.
• PTPC (2015). Caderno de Síntese Tecnológica – Reflexão sobre a Estratégia para a Reabilitação em Portugal. Plataforma Tecnológica Portuguesa da Construção, Lisboa, 2015.
• Santos, A. (2017). O contributo da Reabilitação Urbana para a Sustentabilidade das Cidades: o caso de estudo do Centro Histórico do Porto. Tese de Doutoramento apresentada à Universidade Fernando Pessoa para obtenção do grau de Doutor em Ecologia e Saúde Ambiental.

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.