O tema de capa desta edição leva-nos a pensar em várias coisas e, inevitavelmente, no papel do Estado e naquilo que são as suas obrigações, responsabilidades e competências. Esta dimensão é diferente de país para país e encaixa em culturas económico-sociais de uma forma totalmente diferente. É impossível não recordar Margaret Thatcher e a sua posição tão própria dos países anglo-saxónicos. Goste-se ou não da Dama de Ferro, que governou o país debaixo de fogo, esta mulher revolucionou o Reino Unido e mudou o mundo. “Onde haja discórdia, que reine a harmonia”, dizia a defensora absoluta do mercado livre. Um mercado onde era impossível haver igualdade. “A nossa natureza é desigual” e, por isso, era importante, sim, erradicar a pobreza. Uma posição controversa e que lhe valeu muitos inimigos. A onda excessiva de privatizações e uma regulamentação frágil poderão ter comprometido parte da sua política. Mas na base de todas as suas ideias e acções estava a convicção de que “o Estado tem de ser forte”. E porquê? Porque havia um compromisso inabalável com as pessoas e com as famílias. Para esta primeira-ministra, que bateu os recordes de duração no cargo, “não existe essa coisa de dinheiro público, existe apenas o dinheiro dos contribuintes”. Completamente focada na ideia de que o Estado não produz rigorosamente nada, Thatcher relembrava diariamente que a prosperidade da Administração Pública não acontece por via da capacidade das pessoas em pagarem os seus impostos: “Temos o dever de garantir que cada centavo que arrecadamos com a tributação seja bem gasto. Proteger a carteira do cidadão e os serviços públicos são as nossas duas maiores tarefas e ambas devem ser conciliadas”. Criticada por muitas das suas visões liberais extremas e também por ser mulher, a Dama de Ferro vivia bem com isso. Para ela era muito simples: “é preciso fazer contas. Todas as empresas têm de fazer contas. As famílias têm de fazer contas e o Governo também!”.

E talvez sejam estes dois conceitos que hoje faltam na política e na gestão das coisas públicas. Uma mão invisível, onde o centro de qualquer governação sejam as pessoas, e uma consciência “Thatcheriana” de que temos de prestar contas aos cidadãos e gerir bem um conjunto de activos que não é nosso.

Passados tantos anos, há quem diga que a desregulamentação da Banca começou aqui e, com ela, um neoliberalismo que ajudou a uma nova forma de olhar para a economia e fazer política. As coisas começam a misturar-se, inevitavelmente. Perde-se pelo caminho, porventura, outro conceito. Um desígnio precioso e tão bem definido pelo “pai” da economia moderna. A “mão invisível” de Adam Smith. Uma bússola social que orienta a economia no sentido a prosperidade mas sem esquecer as pessoas. O equilíbrio humanista virtuoso da “liberdade de mercado”. Esse equilíbrio cabe ao Estado. É assim que temos construída a nossa democracia actual. E talvez sejam estes dois conceitos que hoje faltam na política e na gestão das coisas públicas. Uma mão invisível, onde o centro de qualquer governação sejam as pessoas, e uma consciência “Thatcheriana” de que temos de prestar contas aos cidadãos e gerir bem um conjunto de activos que não é nosso. Uma consciência de quem não tem dúvidas de que o dinheiro não é do Estado, mas das pessoas e, por isso, a competência em transformá-lo, duplicá-lo e geri-lo é uma função nobre e exige transparência.

Neste nosso tema de capa sobre o incumprimento do Estado em matéria de eficiência energética, damos a conhecer o que está em causa e o impacto no mercado e no país, mas fica sempre o mais importante por reflectir. Multiplicam-se transposições de directivas, regras de Bruxelas, leis e metas, muitas delas totalmente desajustadas. Começámos a prometer às pessoas aquilo que sabemos que não vamos conseguir dar. Pior, deixamos pelo caminho o mais importante, como o empenho e a causa pública, e gastamos dinheiro, muito dinheiro, a emendar a mão! Tem sido assim nos últimos anos. Tem sido assim especialmente nesta nossa área da energia. Falta-nos sempre o mais importante!

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