Artigo publicado originalmente na edição de Maio/Junho de 2024 da Edifícios e Energia

Chamou-me a atenção uma curta notícia recente de que o mercado das bombas de calor se lamentava devido a uma forte redução de vendas na Europa em 2023. Mesmo antes de ler a notícia, só com base no título, eu perguntei-me logo: qual a surpresa? Acham que toda a população é rica e está motivada e disposta a esbanjar dinheiro, que muitas vezes não tem, para contribuir proativamente para facilitar a transição energética? Isto tem alguma diferença em relação à posição dos consumidores no que respeita a veículos elétricos, onde a resistência à mudança também é grande, onde alguns fabricantes já admitem que a indústria está a produzir veículos que os consumidores não conseguem comprar, porque são demasiado caros, ou que tornam as deslocações de longa distância um pesadelo por falta de uma infraestrutura adequada de postos de alimentação nos sítios certos onde poderiam ser precisos, obrigando a perdas de tempo desagradáveis? Ou…? A lista poderia continuar com muitos mais exemplos de opções semelhantes a que os consumidores estão relutantes em aderir.

Já discuti esta temática há algum tempo nesta minha coluna. As bombas de calor para climatização e/ou preparação de águas quentes sanitárias (AQS) nos edifícios são a solução lógica, quase inultrapassável (a não ser por caldeiras a biomassa, ou pellets, por exemplo), se se quiser abandonar os combustíveis fósseis (caldeiras a gás natural, ou propano, etc.) no setor dos edifícios. As bombas de calor são também fortemente encorajadas na diretiva europeia (EPBD) e na regulamentação nacional, tendo sido alvo de posições e referências favoráveis desde a primeira versão da EPBD de 2002. E, desde então, a indústria das bombas de calor tem feito um lobby constante para o estabelecimento de cenários e políticas que as favoreçam. Mas, não esqueçamos, estes equipamentos incluem também os vulgares equipamentos de ar condicionado usados em muitos espaços (os velhinhos splits, por exemplo) e que muita gente tem instalado para ter arrefecimento no verão ou, já que o equipamento é do tipo bomba de calor, aquecimento ambiente no inverno.

Mas quem quer aquecimento barato e está habituado à caldeira a gás natural, tendo este tipo de instalação no seu edifício, fica perante um dilema enorme quando pensa em fazer a mudança de caldeira para bomba de calor: estará disposto a fazer um investimento numa solução
com custo inicial mais elevado (muito mais caro!), e em que o kWh térmico é também mais caro ou, se for mais barato, tem um custo apenas marginalmente mais baixo? Com os atuais preços comerciais de eletricidade e de gás natural, os preços do kWh térmico produzido por ambas as formas são tipicamente da mesma ordem de grandeza, conforme o tipo de contrato de fornecimento de energia e do equipamento utilizado. Portanto, o consumidor médio irá mesmo investir numa solução sem retorno financeiro, pelo menos no presente?

Em trocas de impressões com colegas especialistas de climatização que tiveram que lidar com este tipo de situações no passado recente, quer a nível de recomendações a clientes, quer no contexto de uso próprio, [concluo que] o padrão é sempre o mesmo. Por razões meramente economicistas, todos optaram por passar para uma solução baseada em caldeira de condensação a gás natural de alta eficiência em desfavor da substituição por uma bomba de calor. Só encontrei uma situação em que foi adotada a bomba de calor porque o cliente queria uma, independentemente do custo, por convicção ligada à responsabilidade ambiental.

Isto é particularmente grave quando o aquecimento ambiente é feito com água quente, normalmente a 60 ºC, numa rede de radiadores tradicionais. Neste caso, só o recurso a bombas de calor de alta temperatura permite uma solução eficaz. E os números são terríveis. O custo da bomba de calor está na ordem dos dez mil euros ou mesmo mais, enquanto uma caldeira de condensação de alta eficiência tem um custo inferior a mil euros. E o kWh térmico? Com a eletricidade a um custo típico acima de 20 c/kWh, mesmo com um COP médio sazonal de quatro (só mesmo com bombas de calor muito boas!), o kWh térmico sai a 5 c/kWh – normalmente terá um custo maior do que o custo do kWh térmico produzido com gás natural. A queima de gás natural numa boa caldeira de condensação tem um custo de kWh térmico muito semelhante, mesmo com o prometido aumento de quase 7 % que a tarifa regulada de gás natural anuncia para setembro de 2024 (não para pagar um aumento do custo do gás natural, mas para pagar o custo de manutenção da infraestrutura… E, se muitos consumidores domésticos de gás natural saíssem do mercado, quem pagaria a infraestrutura existente se, agora, os industriais não a pagam? É suposto que a rede de gás natural esteja em funcionamento – PNEC – ainda durante mais duas décadas, pelo que quem instalar agora uma caldeira terá gás natural disponível, porventura com hidrogénio verde à mistura, durante a vida útil dessa caldeira).

“Por razões meramente economicistas, todos optaram por passar para uma solução baseada em caldeira de condensação a gás natural de alta eficiência em desfavor da substituição por uma bomba de calor. Só encontrei uma situação em que foi adotada a bomba de calor porque o cliente queria uma, independentemente do custo, por convicção ligada à responsabilidade ambiental.”

O ridículo ainda é maior para uma bomba de calor ar-água só para aquecimento ambiente (um circuito!), pois esta é geralmente ainda mais cara do que uma bomba de calor dupla para aquecimento ambiente e AQS (dois circuitos e mais controlos, eletrónica, etc.). Fica mais barato comprar uma bomba de calor de dupla função e desativar a função de AQS (por exemplo, se houver um coletor solar térmico). Será um problema de volume de vendas? Menor procura? É, pelo menos, um contrassenso – e um enorme desperdício – que um produto mais simples seja mais caro. Pensemos, por exemplo, no carbono embebido na produção dos dois modelos e na ótica que se vai impor de minimização do carbono embebido nos edifícios.

Há outro aspeto ridículo na oferta existente no mercado, quer para bombas de calor, quer para caldeiras. Promove-se a colocação de controlos remotos, termostatizados, mas o módulo de controlo remoto é caríssimo. No caso de uma caldeira, custa quase tanto quanto a caldeira, quase duplicando o custo global do investimento. Os próprios representantes reconhecem que este módulo de controlo, com elevado potencial de melhoria de desempenho e poupança de necessidades de energia de funcionamento, para além do conforto que oferece ao consumidor, incluindo o controlo remoto por app através do telemóvel, tem um custo não justificado. Parece que os fabricantes preferem não vender. É caro, vende pouco; cada unidade, de uma série pequena, será mais cara! E cada vez se vende menos… Isto exige uma mudança radical de postura comercial para tornar o produto mais atrativo (mais barato!), sem tentar recuperar todo o custo de desenvolvimento do produto num número reduzido de unidades para clientes que procuram o luxo, diluindo-o, sim, por um número de série muito maior, que um custo mais acessível não deixaria de tornar uma realidade.

No contexto nacional, mesmo com o “generoso” apoio de até 3,5 mil euros que o Fundo Ambiental oferece a quem mudar para uma “bomba de calor” (ou seja, a quem quiser instalar ar condicionado em sua casa), ficamos muito longe do retorno económico do investimento na bomba de calor. Só aproveita quem quiser ter o benefício do ar condicionado no verão. Claro que quem quiser instalar ar condicionado aproveita a oportunidade e manda instalar este equipamento. Porque quer! Quer conforto e paga. Está disposto a pagar pelo conforto, especialmente com o desconto oferecido pelo Estado. A isto as pessoas dão valor, claro. Mas o mercado deste tipo tem limites. A percentagem da população interessada e capaz de pagar, quer a instalação, quer, depois, a energia de funcionamento, é relativamente pequena.

“Há outro aspeto ridículo na oferta existente no mercado, quer para bombas de calor, quer para caldeiras. Promove-se a colocação de controlos remotos, termostatizados, mas o módulo de controlo remoto é caríssimo. No caso de uma caldeira, custa quase tanto quanto a caldeira, quase duplicando o custo global do investimento.”

Como também já referi em tempos, no Reino Unido, onde, nos Certificados Energéticos, só podem ser feitas recomendações de melhoria de desempenho que tenham viabilidade económica, não há até agora uma única recomendação de substituição de caldeira por bomba de calor. Solução: o governo britânico acaba de aumentar o subsídio a fundo perdido para esta substituição para 7,5 mil libras, mais de oito mil euros (mesmo assim, haverá muito poucas situações em que esta alternativa tenha retorno económico positivo, mas aumentará, provavelmente, o universo dos potenciais compradores de bombas de calor – aguardemos os resultados). A crítica que tem sido feita é a de que a oferta deste apoio não está condicionada sequer por uma melhoria da envolvente, medida muito mais rentável e que deveria preceder a instalação da bomba de calor, então com menores necessidades e, portanto, de menor potência (e, em teoria, mas nem sempre a realidade, também mais barata).

Só se consegue convencer a população a alinhar na transição energética se isso não for visto como um peso injusto, com despesas incomportáveis. Ora, todos os estudos publicados por todo o mundo mostram precisamente o contrário: mais de 60 % da população diz que estas medidas são injustas, muito dispendiosas, e que não tem meios financeiros para as pagar. Esta transição é classificada como um pesadelo. Em resposta, os governos têm vindo a aliviar a transição energética, dilatando os prazos para atingirem metas e reduzindo os requisitos para os anos mais próximos (quem vier mais tarde que aguente…). O melhor exemplo é a nova diretiva EPBD, que foi significativamente aligeirada face ao proposto inicialmente pela Comissão Europeia e que demorou mais de dois anos a ser aprovada pois os Estados-Membros, uns mais do que outros, colocaram uma enorme resistência a exigir tanto quanto a Comissão Europeia pretendia.

Neste contexto, e voltando ao tema em título, o que faz a indústria das bombas de calor? Baixa os preços para uma ordem de grandeza que a população possa comprar e que tenha vantagens económicas para o consumidor? Não! Atribui a culpa pela quebra nas vendas à não publicação do anunciado Plano de Ação para as Bombas de Calor, que, tal como a EPBD, está com um largo par de anos de atraso, provavelmente pelas mesmas razões atrás descritas – será politicamente difícil fazer sair um plano que acarrete custos enormes para os consumidores, que agrave a sensação de pesadelo que pende sobre o comum cidadão nas medidas para a transição energética. Foi a Itália quem mais recusou a EPBD tal como prevista pela Comissão Europeia em 2022, argumentando que traria um custo incomportável para a população, aumentando o tal sentimento de pesadelo referido pelos estudos de opinião.

E onde foi maior a redução das vendas de bombas de calor no mercado europeu em 2023? Pois, foi precisamente em Itália e, em menor grau, na Finlândia e na Polónia. Dados da própria indústria mostram essa redução (de notar que em Portugal as vendas de bombas de calor em 2023 até aumentaram, ligeiramente, relativamente a 2022!). A Alemanha foi o país onde as vendas mais aumentaram. Estamos perante situações de mercado muito distintas na Europa, mas querer vender bombas de calor à custa de legislação que obrigue a instalá-las (até por proibição de alternativas mais económicas) não me parece a posição correta nem sequer uma que tenha grandes hipóteses de sucesso.

Num recente manifesto publicado pela EHPA – Associação Europeia de Bombas de Calor, a indústria traça as prioridades para 2024-2029 e a mais importante é precisamente a absoluta necessidade de publicar o tal plano de ação que obrigue a população, pela via regulamentar, a comprar bombas de calor. Para fazer justiça ao manifesto, o documento também diz que é necessário tornar as bombas de calor acessíveis aos consumidores (reconhece, portanto, que hoje não o são!), mas, lendo bem, pede apoios estatais para as famílias com menos recursos, ou seja, que o setor público pague ao consumidor para que este possa pagar bombas de calor com custos elevados; não dá muita ênfase à necessidade de a indústria se otimizar e consolidar, inovando, tornando-se mais eficiente, para que possa, então, produzir as bombas de calor com menor custo para o consumidor.

E, neste contexto, em que a própria indústria reconhece que as bombas de calor são caras e inacessíveis à generalidade da população sem apoios públicos significativos, a indústria admira-se que, passado o entusiasmo inicial de aquisição de bombas de calor para ar condicionado com um bom desconto oferecido pelo Estado, por aqueles que acabariam por comprá-las de qualquer forma, embora talvez não imediatamente, num calendário mais longo ou pela imposição regulamentar do seu uso nos novos edifícios, as vendas tenham agora diminuído? Em particular, no contexto macroeconómico desfavorável que vivemos atualmente de maior inflação e maiores taxas de juro do que no passado recente, de taxas de juro negativas e de inflação quase nula? Acho que o aumento das vendas tem de passar pela oferta de bombas de calor a preços mais baixos, sem perda de qualidade nem desempenho, para que estas possam ser efetivamente competitivas sem sobrecarregar os Estados com a necessidade de apoios que saiam dos impostos (que podem ser vistos como subsídios que tendem a favorecer quem tem um maior poder económico que permite pagar o diferencial de custo de investimento, ou seja, podem dar a ideia de que os benefícios públicos vão ser dirigidos para as famílias com maior poder económico em vez de apoiarem os mais pobres).

“A indústria das bombas de calor tem de ter alguma paciência e tem, sobretudo, de trabalhar para oferecer um bom produto a custos mais acessíveis. Não podemos esperar nem, muito menos, impor uma transição demasiado rápida, pois seria insustentável e inaceitável para o cidadão comum.”

Finalmente, não queria acabar este texto sem abordar a questão do custo da energia, nomeadamente o custo da eletricidade. Se este descesse, o benefício económico das bombas de calor poderia concretizar-se ao reduzir-se o custo de funcionamento, ou seja, um kWh térmico poderia ter um custo bastante menor do que o do produzido por uma caldeira a queimar gás natural. A Europa (e Portugal) apostou, e bem, nas renováveis, com a promessa de que a energia renovável seria mais barata do que a produzida a partir de combustíveis fosseis. E parece sê-lo, ao ponto de até estarmos agora, nas horas de pico de produção solar fotovoltaica, com o custo da eletricidade a aproximar-se do zero no mercado ibérico.

Por exemplo, em Portugal, temos cada vez mais energia renovável (89 % no primeiro trimestre de 2024, segundo as últimas estatísticas), mas o preço da eletricidade para o consumidor continua a ser elevado. Ainda não se viu o impacto dos enormes investimentos e apoios públicos encaminhados para a promoção da eletricidade renovável, tal como prometido pelos nossos líderes. No início de abril de 2024, as centrais fotovoltaicas foram mesmo proibidas de se ligarem à rede para não fazer baixar ainda mais o preço da eletricidade. Com as tarifas indexadas, há alguma redução dos custos para os consumidores, mas as comparações para consumos-tipo mostram o que não posso deixar de considerar como reduções muito pequenas (a componente de custos de manutenção e melhoria da rede de distribuição de eletricidade também tem de ser paga, e essa até pode tender a encarecer com mais renováveis na rede).

Só faz sentido instalar bombas de calor quando a eletricidade for mais verde e, sobretudo, quando a energia para aquecimento for mais económica do que queimar gás natural. Ainda temos um longo caminho pela frente até chegarmos a este futuro ideal. Por isso, temos um plano europeu para atingir a neutralidade carbónica em 2050 (2045 em Portugal), não já nos próximos anos. A transição tem de ser gradual. A indústria das bombas de calor tem de ter alguma paciência e tem, sobretudo, de trabalhar para oferecer um bom produto a custos mais acessíveis. Não podemos esperar nem, muito menos, impor uma transição demasiado rápida, pois seria insustentável e inaceitável para o cidadão comum. A indústria das bombas de calor devia olhar primeiro para a inovação e para mais eficiência económica internamente, em vez de querer obrigar à imposição de políticas públicas irrealistas e, certamente, altamente impopulares no presente. A população responde sempre com a carteira. Se baixarem os preços das bombas de calor, a indústria verá, com certeza, as vendas a subirem e as notícias poderão então ser mais positivas para ambas as partes, indústria e consumidores. E também para o Planeta!

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.