Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 156 da Edifícios e Energia (Novembro/Dezembro 2024).
Num local densamente povoado e com espaço limitado, torna-se difícil preparar uma cidade para ser climaticamente resiliente, mas a solução parece estar mesmo acima das nossas cabeças: nos telhados. Em Paris, há um projecto-piloto que está a dar que falar pela sua inovação e resultados – já há registos de diminuição de temperatura até 17 ºC, em comparação com os anteriores telhados de zinco.
O foco está na reabilitação de telhados subutilizados e a Roofscapes tem como missão transformar essas superfícies em espaços multifuncionais, beneficiando tanto o meio ambiente como a comunidade. É esta a missão de três estudantes da Escola de Arquitectura e Planeamento do MIT. Eytan Levi, Oliver Faber e Tim Cousin juntaram-se para criar a Roofscapes, em 2020, uma start-up que olha para os telhados de uma forma inovadora e promissora.
Os efeitos das alterações climáticas são sentidos em todo o mundo. As cidades tentam preparar-se da melhor forma para as combater, mas não é um processo fácil. Nos últimos 10 anos, Paris plantou 155 mil árvores, incluindo duas florestas urbanas em 2024, e foram criados os chamados “telhados refrescantes”, como forma de combater as ondas de calor e as ilhas de calor que se vão formando por toda a cidade. Em Junho de 2022, Paris registou uma temperatura máxima de 41 graus Celsius (41 ºC), cinco graus acima da média máxima habitual deste mês, aproximando-se, assim, de valores de 2019, ano em que foi registada uma temperatura de 42,9 ºC, durante uma onda de calor. É, por isso, essencial reflectir sobre as cidades e perceber de que forma o espaço urbano se pode preparar para o presente e para um futuro que se adivinha cada vez mais instável em relação ao clima. As cidades estão a aquecer também pela densidade da população, do edificado e pela ausência de estratégias de arrefecimento que passam pela existência de água ou espaços verdes.
A capital de França é a sétima cidade mais povoada do mundo e importa perceber como pode Paris dar um passo em frente no combate às alterações climáticas. A solução parece estar mesmo acima das nossas cabeças: nos telhados. Os telhados parisienses tipicamente de zinco, e por isso responsáveis pelo aumento das temperaturas, começam agora a ganhar uma nova vida. Além disso, era necessário trabalhar em telhados inclinados. “Estima-se que haja cerca de quatro milhões de edifícios com telhados inclinados em áreas urbanas densas na Europa, sem contar com os subúrbios e zonas rurais. É nessas áreas urbanas centrais que se concentram fenómenos como as ilhas de calor e a perda de biodiversidade”, refere Eytan Levi, co-fundador da Roofscapes.
MODERNIZAR, RESPEITANDO O PATRIMÓNIO
“Adaptar os edifícios às alterações climáticas, respeitando o seu valor patrimonial, foi o cerne da nossa abordagem. É fundamental equilibrar a preservação do património com a adaptação às alterações climáticas, garantindo que os habitantes desses edifícios possam continuar a viver neles nas próximas décadas, apesar das condições climáticas extremas, como ondas de calor”, afirma Eytan.
Tentar modernizar edifícios numa cidade com tanta história foi um desafio. Existe regulamentação apertada e regras urbanísticas rigorosas em relação a edifícios históricos, de forma a preservar a identidade. Foi necessário trabalhar em prol da preservação do património para garantir que as intervenções fossem compatíveis com a legislação local.
A Académie du Climat, em Paris, uma instituição dedicada à ecologia e que trabalha para uma transição climática justa, foi o local elegido para o projecto-piloto da Roofscapes. Esta Academia nasceu num prédio, propriedade da Câmara Municipal, que foi reaproveitado para se tornar num local onde o tema das alterações climáticas está sempre em cima da mesa.
Este projecto envolveu a instalação de um sistema de “telhado verde” para monitorizar os impactos reflectidos neste novo telhado de 100 metros quadrados. Alguns factores analisados são a redução da temperatura, um dos pontos-chave do projecto, o desenvolvimento e aumento da biodiversidade, a retenção de água da chuva e ainda a autonomia de irrigação de plantas, que acaba por funcionar como uma reserva na ocorrência de fenómenos climáticos extremos. “Em termos de impacto, é crucial entender que, na Europa Central, onde a França está localizada, os climas mais quentes estão a mover-se de sul para norte, ano após ano, enquanto as cidades e edifícios permanecem fixos, construídos para climas diferentes dos de hoje”. É, por isso, necessário e fulcral trabalhar para uma sustentabilidade urbana.
Mesmo sendo um projecto recente, já são visíveis algumas mudanças, como a redução da temperatura: “o que conseguimos ao sombrear o telhado com o nosso sistema é que a temperatura na superfície do zinco não sobreaquece. Antes, como é um condutor térmico, a temperatura subia cada vez mais, actuando como um radiador em escala urbana”. Também já houve desafios climáticos (neste caso, calor extremo e mesmo seca) que permitiram testar o sistema em relação à irrigação das plantas. Estas são irrigadas pela raiz, através de reservatórios de retenção de água da chuva localizados sob as áreas plantadas, o que garante várias semanas de autonomia hídrica durante ondas de calor. Os resultados foram positivos, já que, “embora estivesse calor, o solo permaneceu húmido e as plantas prosperam”. Eytan conta até que conseguiram colher framboesas em Outubro, vindas directamente do topo do edifício: “após alguns meses, a plataforma está bastante verde e estamos muito contentes com isso. Inclusive, colhemos framboesas esta tarde, o que é bastante tardio para framboesas em França, mas, por estarmos no telhado, isso é possível”.
COMEÇAR A OLHAR PARA OS TELHADOS DESDE CIMA
Todos os edifícios são impactados de forma diferente pelo clima, mas se olharmos para o topo dos edifícios, “os telhados são, geralmente, os primeiros a serem expostos à radiação solar. As árvores, pátios ou outros espaços podem ser sombreados durante parte do dia, mas os telhados quase nunca têm sombra, logo são directamente impactados pelas alterações climáticas e outros factores, como a chuva e as tempestades”, explica Eytan Levi. “Os telhados são um espaço intenso e exposto, e acredito que esta seja uma grande oportunidade de aproveitá-los e utilizá-los melhor.”
Uma das grandes inovações deste projecto é a sua capacidade de trabalhar com telhados inclinados, um desafio arquitectónico significativo. Tal como é referido pela própria empresa, “embora os telhados representem superfícies promissoras para o verde urbano, cobrindo 38 % da área de uma cidade como Paris, quatro em cada cinco telhados parisienses são inclinados e, na maioria das vezes, feitos de zinco, o que torna impossível a instalação de telhados verdes convencionais.”
O zinco é um excelente condutor térmico, não contribuindo, assim, para diminuir o impacto das ondas de calor na cidade, aliás, faz exatamente o efeito contrário: “em dias de calor extremo, com temperaturas do ar à volta dos 40 °C, a superfície do zinco pode chegar aos 80 °C, tornando-se num ambiente hostil”, refere Eytan Levi. Desta forma, a solução passa por instalar sistemas de sombreamento e melhorar o isolamento térmico. “A nossa solução também passa por utilizar plataformas de madeira local, nomeadamente pinho e larício franceses, e cultivo com sistemas de retenção de água que ajudam a regar as plantas de forma passiva, aproveitando a água da chuva”, descreve.
Com estas intervenções, um dos co-fundadores da Roofscapes revela que é possível reduzir até 17 ºC a temperatura interna dos edifícios durante ondas de calor e “criar ambientes que favorecem o regresso de espécies da fauna e flora, além de oferecer novos espaços para os moradores de áreas urbanas densas como Paris. Em prédios com vários proprietários ou inquilinos, geralmente, não há muitos espaços comuns, e o telhado pode finalmente ser um deles”. A vegetação plantada nos telhados ajuda também a melhorar a qualidade do ar, a reduzir as ilhas de calor urbanas e a promover a biodiversidade nas cidades.
Quanto à eficiência energética dos edifícios, Eytan explica que é algo difícil de medir, uma vez que depende de vários factores, como “se o telhado está isolado ou não, o tipo de sistema de energia e de aquecimento que as pessoas têm no prédio, a localização, a exposição solar, entre outros”. No entanto, adianta que “os grandes benefícios [do projecto] estão relacionados com a redução da temperatura e, consequentemente, com a redução do consumo de energia, já que as pessoas não precisarão de usar ar condicionado ou usarão muito menos do que antes.”
O grande objectivo é dar nova vida aos telhados, transformando-os e tornando-os em espaços funcionais e sustentáveis para o futuro.
CIDADE VERDE, TELHADO VERDE
Eytan Levi refere que é importante “começar a considerar as superfícies sobre as nossas cabeças”, apesar de o processo não ser fácil e de ser preciso “muito planeamento, garantir que a estrutura suporta o peso, entre outros”. São desafios do presente, mas que chegam até ao futuro. Para cada telhado existe uma intervenção específica e trabalhada para que seja possível conseguir um maior impacto positivo na vida de quem ali mora e do próprio bairro e cidade.
Normalmente, os topos dos edifícios passam-nos ao lado, não só por estarem fora do nosso campo de visão, mas também por não os considerarmos espaços de interesse. Projectos como este demonstram o contrário: “é uma pena que estes espaços não estejam a ser utilizados, mas também entendemos que é complicado para as pessoas compreenderem isto antes de realmente vivenciarem um telhado. É uma experiência muito diferente poder estar num telhado em vez de apenas pensar nele de forma abstrata.”
Estes problemas são não só europeus, como mundiais. O clima está a mudar e isso afecta milhões de pessoas diariamente. Pensar nos telhados, que são espaços subaproveitados, como uma forma de combater “o excesso de superfícies artificiais nas cidades e a falta de áreas verdes” nos espaços urbanos pode ser a peça da engrenagem que faltava.
Paris foi apenas o começo. Este projecto mostra que é possível conciliar o desenvolvimento urbano e a preservação do meio ambiente, oferecendo soluções práticas e replicáveis para cidades em todo o mundo. “Estamos agora a colaborar com edifícios residenciais privados, empresas imobiliárias e autoridades locais para adaptar os telhados que sofrem com ondas de calor. Estas adaptações não são voltadas apenas para ondas de calor, mas também para o ano inteiro, como a retenção de água. Estamos a explorar mais cidades e até outros países, mas, por enquanto, tudo vai ser feito a partir de Paris.”
Os edifícios e, neste caso em particular, os telhados têm um papel fundamental nas cidades, uma vez que podem fazer parte da solução, contribuindo para um futuro mais sustentável e verde, não só nos parques e jardins, mas também acima das nossas cabeças.
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