Artigo publicado originalmente na edição de Janeiro/Fevereiro de 2025 da Edifícios e Energia.

Numa altura em que a palavra de ordem é a descarbonização dos edifícios e todas as estratégias apontam para essa ambição, é importante reflectir sobre formas inovadoras de tornar os edifícios menos “pesados” para o planeta e para as cidades onde vivemos. As microalgas podem ser um bom exemplo.

Investigadores da Universidade de Waterloo, no Canadá, aliaram a integração da inteligência artificial com fachadas de pele dupla com microalgas como fontes de energia. Desta forma, as microalgas ajudam a capturar carbono e a melhorar a qualidade do ar e, além disso, as próprias fachadas podem tornar-se espaços multifuncionais, criando também um “buffer” térmico, reduzindo as necessidades energéticas para aquecimento ou arrefecimento, especialmente em climas extremos.

COMO DEVERÃO SER OS EDIFÍCIOS DO FUTURO?

Os edifícios do futuro não devem ser vistos apenas como estruturas passivas, mas como ecossistemas vivos que interajam com o ambiente, funcionem como fontes energéticas, melhorem a qualidade do ar e façam a gestão dos recursos de forma eficiente.

Instalação experimental de fachada de dupla pele com fotobiorreactor integrado

A grande questão para Mohamad T. Araji, investigador e professor na Escola de Arquitectura da Universidade de Waterloo, em Chicago, está em saber “como podemos criar cidades autossustentáveis, através de edifícios de energia zero, integrando fontes de energia renováveis e sistemas altamente eficientes para optimizar a utilização de recursos e minimizar o impacte ambiental”. Este investigador esteve envolvido no projecto do Masdar Headquarters (a sede de Masdar, em português), na cidade de Masdar, nos Emirados Árabes Unidos. “Esta sede foi concebida como o edifício de utilização mista mais ecológico do mundo, atingindo zero emissões de carbono e zero resíduos (líquidos e sólidos), estabelecendo um novo padrão de sustentabilidade para além do LEED Platinum”, afirma. O LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) é um sistema de certificação que avalia o desempenho ambiental e a sustentabilidade dos edifícios.

Explorar ideias sobre energias renováveis e a sua integração em edifícios foi o ponto de partida para pensar na aplicação de fotobiorreactores de microalgas em fachadas de edifícios, mas foi após Mohamad T. Araji se ter mudado para o Canadá que surgiu uma ideia complementar: fachadas de dupla pele que integram fontes renováveis em climas frios. “Isto inspirou-me a explorar novas ideias de investigação, como a integração de fotobiorreactores de microalgas em fachadas de pele dupla para climas mais frios. Esta abordagem ajuda a evitar a acumulação de neve e cria um amortecedor regulador da temperatura dentro da cavidade da fachada, optimizando, em última análise, o desempenho do sistema.”

Um exemplo prático da aplicação de um destes sistemas é a BIQ House em Hamburgo, na Alemanha. Este foi o primeiro edifício do mundo a integrar fotobiorreactores na sua fachada. Este projecto demonstrou como as microalgas podem ser utilizadas como fonte energética e melhorar a eficiência térmica do edifício, além de serem uma solução sustentável. Também em Hamburgo pode encontrar-se outro edifício que utiliza a outra solução explorada pelo investigador da Universidade de Waterloo. O Elbphilharmonie utiliza fachadas de dupla pele para a eficiência energética e controlo acústico, sendo mesmo considerada uma das salas de concertos mais avançadas do mundo em termos acústicos. Estas fachadas mostram assim como o design se pode adaptar a diferentes climas e também a diferentes funções.

EDIFÍCIOS COM VIDA: FOTOBIORREACTORES COM MICROALGAS

Vista de secção sem um lado da instalação

Mas como é que os fotobiorreactores funcionam? Para além de funcionarem como fontes de energia, estes sistemas desempenham várias funções em simultâneo: produzem oxigénio, captam dióxido de carbono e podem integrar sistemas de reutilização de águas residuais que acabam por ser utilizadas no próprio edifício para “alimentar” as algas. Esta integração multifuncional é um marco na arquitectura sustentável, transformando as fachadas em elementos produtivos em vez de meros protectores do clima.

Araji explica que este tipo de solução foi concebido para os centros urbanos, nomeadamente para os edifícios altos e onde existem vários tipos de edifícios de utilização mista, ou seja, sejam eles residenciais, escolares ou comerciais.

As fachadas destes edifícios são recetoras relevantes para este sistema, uma vez que cobrem a maior percentagem da envolvente de um edifício. “As superfícies dos edifícios nas cidades têm um potencial significativo para a produção de energia e a implementação deste sistema foi a chave para explorar esse potencial”. Nem todas as fachadas são ideais para esta solução de integração de biorreactores – as fachadas viradas a norte não recebem luz solar, pelo que não contribuem para a produção de biocombustível, por exemplo.

As fachadas de dupla pele também podem ser vistas como espaços multifuncionais, acrescenta o investigador: “E se concebermos uma fachada de dupla pele com 2 a 2,5 metros de largura? Ao maximizar estes espaços, podemos integrá-los na disposição do edifício, transformando-os em áreas como corredores, salas de espera ou zonas de lazer”. Esta abordagem não só optimiza o espaço, como também aumenta o valor arquitectónico do edifício.

Algo que ainda está a ser trabalhado é a trajectória do ar: “A forma como o ar circula pode influenciar o desempenho do fotobiorreactor e o fluxo de ar do interior do edifício para a cavidade na fachada pode melhorar o conforto térmico nos espaços ocupados”, diz.

O PAPEL DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Cavidade e camada interior da fachada de dupla pele

A monitorização é uma parte crucial do projecto e está a ser feita com a ajuda da inteligência artificial. Através de machine learning, “pretendemos optimizar o tempo de conversão da energia em biocombustível, medir a densidade das microalgas e avaliar factores como os padrões de sombra nas fachadas e a circulação da água no interior do edifício. Tudo isto é feito com base nos padrões de utilização ao longo do dia, da noite e do fim de semana”. Desta forma, o sistema está constantemente a ser “treinado” para que possa atingir o seu potencial máximo de produção de energia. Embora o projecto ainda esteja em fase de investigação, este processo de machine learning é fundamental para optimizar os procedimentos. Por exemplo, algo que tem sido analisado é o ângulo do sol. É importante verificar quais as fachadas que podem ser mais úteis e quais as que trazem mais vantagens. O objectivo é encontrar a melhor forma de aproveitar o sol para que a energia possa ser obtida de forma mais eficiente.

PENSAR A LONGO PRAZO

Quanto aos custos, Mohamad T. Araji diz que ainda estão em fase de investigação, mas que, provavelmente, e numa primeira fase, os custos não serão tão eficientes quando comparados com os de uma construção dita “normal” e típica, uma vez que a introdução de uma fachada de dupla pele implica, à partida, a utilização de mais materiais. No entanto, se pensarmos nos “benefícios que estas soluções podem trazer aos edifícios, talvez haja um maior equilíbrio”, afirma.

Vista da camada exterior a partir do interior da cavidade

Para o investigador, os edifícios são um ponto central para a sustentabilidade urbana e explica que a mudança deve ser feita e pensada desde a construção. “O nosso sistema optimizou a utilização de microalgas para o controlo da temperatura interior e prevemos que, com a infraestrutura de construção adequada, o aumento do volume de biomassa possa ser convertido em biocombustível para a produção de energia no local. Este sistema pode ajudar a estabilizar ou mesmo inverter a perda de calor que os edifícios normalmente registam. Ao estudar várias geometrias de fachada, desde superfícies planas a superfícies curvas, os nossos resultados demonstraram um aumento de 80% no crescimento da biomassa de microalgas, o que melhorará significativamente a eficiência energética do edifício”, explica Araji.

O investigador avança ainda que o fotobiorreactor de microalgas em estado sólido poderá ser o próximo passo. O sistema actual pode ser objecto de apreensão por parte do público, devido a preocupações com o seu funcionamento básico: “Como gerir uma fuga de água no sistema de fotobiorreactores de um edifício e garantir que o sistema é mantido de forma adequada? Pode ser dispendioso, por isso estamos a procurar outras soluções que evitem que a água seja o meio de ligação, como os fotobiorreactores com cultivo de microalgas em estado sólido.”

Fotobiorreactor de microalgas

O futuro das cidades está intrinsecamente ligado à transformação dos edifícios. Tecnologias como os fotobiorreactores, as fachadas multifuncionais e a utilização da inteligência artificial estão a revolucionar a forma como olhamos para os edifícios, tornando-os não só consumidores, mas também produtores de recursos.

Como diz Mohamad T. Araji, “quanto mais eficientes forem os edifícios, maiores serão os resultados que alcançaremos e menor será a nossa pegada de carbono”. O caminho para o futuro urbano passa pela integração destas soluções de uma forma inteligente e inovadora, redefinindo, assim, o papel dos edifícios nas cidades.