De 1 a 17 de Junho: é este o intervalo de tempo concedido para a consulta pública dos novos despachos complementares ao Sistema de Certificação Energética de Edifícios (SCE). Com apenas 11 dias úteis, o “curto prazo” previsto no Portal Participa para a submissão de comentários a seis despachos e ao Manual SCE está a causar indignação entre os especialistas do sector, incluindo a Ordem dos Engenheiros (OE), que dizem não ter tempo para estudar os documentos e preparar a adaptação às novas regras. Mas há mais: as associações profissionais estão também contra a forma como os documentos foram elaborados, já que não foram ouvidas ou consultadas, e acusam o processo de “falta de transparência”.
Na consulta pública, promovida pela Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG), estão em causa as peças legislativas que regulamentam o Decreto-Lei 101-D/2020 e cuja entrada em vigor está prevista para Julho: o despacho que estabelece o “restante conteúdo obrigatório que deve constar dos pré-certificados energéticos (PCE), certificados energéticos (CE) e declarações provisórias; o processo de verificação de qualidade da informação de documentos registados no Portal SCE; as condições referentes à manutenção dos sistemas técnicos instalados em edifícios e as inspecções periódicas; os requisitos para a elaboração do Plano de Melhoria do Desempenho Energético dos Edifícios (PDEE), submissão no Portal SCE e implementação; os requisitos mínimos de conforto térmico e de desempenho energético aplicáveis à concepção e renovação dos edifícios. Para além destas, a consulta à sociedade inclui ainda o despacho que aprova o Manual SCE e o próprio Manual SCE.
Numa carta de manifesto publicada na semana passada, a EFRIARC – Associação Portuguesa dos Engenheiros de Frio Industrial e Ar Condicionado mostrou o seu “desagrado e indignação pelos prazos apresentados pelo Governo português para a consulta pública dos diplomas legais”. Para a entidade, o período previsto para a consulta pública constitui um “prazo exíguo e desadequado”, que, “por impedir a mais ampla discussão dos diplomas e o seu enriquecimento com a diversidade de conhecimentos e pontos de vistas das diferentes partes interessadas, compromete os objectivos de promoção do combate à pobreza energética, de aumento da eficiência energética, de redução das emissões dos gases com efeito de estufa e de descarbonização do parque edificado até 2050, conforme delineado pelo Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050)”.
A duração da consulta pública não é a única questão levantada pela EFRIARC, que se diz também contra o procedimento que levou à produção dos diplomas, acusando-o de ter “decorrido sem qualquer transparência, nunca tendo sido divulgado quem redigiu estes documentos, bem o envolvimento das partes interessadas”. “Não se pode presumir a colaboração das associações profissionais do sector na elaboração destes documentos, simplesmente pelo envio dos documentos finais para discussão pública em tão curto prazo”, refere. A EFRIARC considera ainda que o facto de o sector do AVAC, através das suas associações profissionais, não ter sido consultado na transposição da directiva europeia para o desempenho energético dos edifícios (EPBD) vai impedir que “a geração de empregos na economia e o bem-estar e a saúde da população” sejam “amplamente fortificados”, ao contrário do que aconteceu em Espanha, aponta.
O descontentamento é também visível entre os Peritos Qualificados (PQ). “[A ANPQ – Associação Nacional dos Peritos Qualificados] Declara que não vai participar na consulta pública sobre a nova legislação por não acreditarmos nas boas vontades do Sistema SCE”, lê-se em comunicado da entidade. As razões, justificam, prendem-se com o facto de a associação não ser consultada para a elaboração de documentos legislativos importantes para a sua actividade, entre os quais os despachos agora em consulta pública e uma proposta de lei sobre os requisitos de acesso e exercício da actividade enviada em Maio à Assembleia da República. Segundo a mesma fonte, a entidade foi recebida pela ADENE – Agência para a Energia em Outubro de 2020, tendo, na altura sido informada da “disponibilidade e interesse” em estabelecer contactos “regulares” com a ANPQ “no desenvolvimento da nova legislação”, todavia, “até hoje [15 de Junho], nunca aconteceu”.
Os PQ criticam a actuação do “Sistema SCE”, admitindo que esta provoca um sentimento de “humilhação” nos técnicos e contribui para a “descredibilização” da actividade. A “sustentabilidade do SCE num país de pobres” é também posta em causa pelos técnicos, que chamam a atenção para as suas causas recorrentes, entre as quais a simplificação da panóplia legislativa, acabar com a dupla tributação dos Certificados Energéticos (CE), revisão dos prazos de validade dos CE para grandes edifícios de serviços, recuperação do estatuto do TRF para as inspecções periódicas, acompanhamento regular das obras por parte dos PQ, etc.
Por sua vez, a Especialização em Engenharia de Climatização da Ordem dos Engenheiros reclama da proximidade entre o período de consulta pública e a entrada em vigor dos despachos. “A entrada em vigor de um qualquer documento com força de lei tem de ser precedida por um período que permita o seu estudo e a adaptação dos intervenientes às novas exigências. Não faz qualquer sentido que a entrada em vigor seja feita no dia seguinte ao da sua publicação ou 1 de Julho, estando ainda em consulta pública”, apontam Serafín Graña e Isabel Sarmento, coordenador e coordenadora adjunta da entidade, respectivamente. Como justificação, os especialistas recordam que se trata “de várias centenas de páginas afectas a metodologias de aplicação da verificação do SCE, com implicações directas nos projectos em curso, ainda não submetidos a licenciamento, mas que têm meses de preparação, por exemplo, Comunicações Prévias ou Certificações Energéticas de Grandes Edifícios de Comércio e Serviços”.
Recorde-se que o Governo transpôs, para a lei nacional, a mais recente revisão da EPBD em Dezembro do ano passado, no entanto, as regras só produzem efeito a partir de Julho de 2021. A menos de um mês da data prevista pelo diploma, os despachos que regulam o Decreto-lei nº 101- D/2020 foram colocados em consulta pública entre os dias 1 e 17 de Junho de 2021.