Diogo Correia, engenheiro mecânico, é senior partner da EMTEP – Engineering Consultants. Para este projectista, face à situação actual, o cancelamento, a suspensão e o adiamento de alguns trabalhos eram esperados. Para os próximos tempos, em cima da mesa estão uma nova estratégia de investimentos, a convicção de que esta situação é “transitória”, mas o receio de uma nova quebra nos honorários do projecto.

 

Um mês depois da declaração do estado de emergência em Portugal, qual o impacto mais imediato desta pandemia no nosso sector?

O impacto mais imediato para o sector do projecto passa, em alguns casos, por uma diminuição do trabalho e pela redefinição do investimento. Uma situação que já se faz sentir desde o início do segundo trimestre de 2020 e que, certamente, se arrastará para o segundo semestre do ano. Esta incerteza no futuro e no pós-Covid 19 tem levado, naturalmente, à suspensão e até a alguns cancelamentos de obras e projectos, assim como uma revisão dos cronogramas e redefinição da estratégia de investimentos.

Quais estão a ser os segmentos mais afectados?

Do lado do projecto, o que temos sentido é que existem sectores mais afectados do que outros, e que investimentos ligados, por exemplo, ao segmento do retalho e da hotelaria (hotéis, alojamento local, turismo rural), que, neste momento, seriam possivelmente a grande fatia de trabalho de grande parte das empresas, estão a ser os mais afectados pelo surto, assim como investimentos ligados à habitação unifamiliar e alguma multifamiliar de gama média/baixa, muito pela situação de layoff e incerteza do mercado de trabalho e consequentes fontes de rendimento. Havendo restrições à livre movimentação de pessoas, não existem turistas, e como tal, há menos dinheiro a circular, o que torna os investimentos para um futuro próximo uma incerteza, com alguns processos em carteira suspensos até novas indicações. No segmento do retalho e pelo facto de muito de este sector estar ligado à restauração, e consequentemente, também ao turismo, verifica-se um abrandamento em novas obras e projectos. Há ordens de suspensão de obras e projectos, redefinição de investimentos, bem como cancelamentos.

Dentro de portas, foi também necessário alterar métodos de trabalho. As empresas de projecto funcionam bem em teletrabalho? Como está a ser a vossa experiência?

Numa componente mais operacional e sendo o projecto uma actividade que requer discussão, estudo conjunto, troca de ideias e um trabalho colectivo com uma forte componente presencial, este surto lançou um desafio enorme às empresas, levando-as a terem de se reinventar e adoptar métodos e procedimentos, até então, supostamente difíceis de concretizar em tempo recorde, como é o caso do teletrabalho, das reuniões não presenciais. Isto torna tudo mais difícil, não apenas em termos de planeamento, como, inclusivamente, pelo próprio desenvolvimento do trabalho em si. Pela qualidade das ligações, necessidade de equipamento e documentação em servidores próprios, entre outros. Um verdadeiro desafio que, no nosso caso, tem sido superado com engenho, persistência e uma entrega bastante pró-activa de todos os colaboradores da empresa.

“O grande desafio é transversal a todos os intervenientes nos processos de concepção (desde Arquitectura às Engenharias), construção, instalação e manutenção, sendo imperativo olharem para os edifícios como espaços de concentração de pessoas, de contacto e de vivências. Como tal, o edifício deve ser visto com um espaço confortável, saudável e dinâmico, devendo ser pensado, estudado com rigor e analisado para ser o mais natural e sustentável possível, garantindo, sempre numa óptica multidisciplinar, uma boa qualidade no seu interior.”

Qual a perspectiva para os próximos meses?

Os próximos meses vão apresentar desafios enormes às várias empresas do sector, quer aos projectistas, quer aos instaladores, consultores, arquitectos, etc. As empresas e os seus profissionais vão ter de se reinventar, mudar hábitos e estilos de vida e trabalho, de modo a readaptarem-se às novas exigências. Tendo em linha de conta o passado recente, há um interesse bastante elevado por parte do investimento estrangeiro em Portugal e creio que isso não mudará, o que poderá apresentar alguma esperança ao sector.

O que poderá mudar?

Os últimos anos demonstraram um grande crescimento no sector imobiliário e julgo que essa tendência irá manter-se, porque o apetite dos investidores continua elevado, o dinheiro a investir mantém-se e há a consciência de que a situação actual é temporária. Porém, por um lado, este surto poderá levar também a uma redefinição de investimentos, nomeadamente à mudança de foco para valências que se vêm demonstrado escassas no território nacional, como é o caso de investimento científico, geriatria, etc., poderão aparecer novas oportunidade de investimento. Por outro lado, e este é um dos maiores receios, esta crise poderá resultar num certo aproveitamento do mercado na obtenção de projectos a qualquer preço, à semelhança da crise de 2012, “obrigando” o sector a ceder por questões de sobrevivência (liquidez, manutenção de postos de trabalho, etc.). Tal é ainda mais provável se pensarmos nas pequenas estruturas não sustentadas, com valores deturpados da realidade, e com uma menor qualidade e rigor, em função dos respectivos honorários de projecto. Este factor já se nota na queda, por exemplo, do preço médio do imobiliário.

O sector está perante um grande desafio e com novas exigências também.

Os próximos meses serão muito desafiantes, não apenas sob ponto de vista da sobrevivência, da recuperação económica e social das empresas, como também bastante exigente do ponto de vista técnico e científico para todos os intervenientes no mercado (projecto, instalação e manutenção) dadas as exigências da qualidade do ar, não apenas no interior dos edifícios, como também exterior. São exigências que surgem desta crise sanitária e que têm sido sistematicamente debatidas e enumeradas por inúmeras associações, organismos e especialistas (tais como ASHRAE, REHVA, EFRIARC, WHO, entre outros) no que respeita ao seu impacto nos sistemas de ventilação e ar condicionado dos edifícios, algo que necessita de ser substancialmente melhorado num futuro próximo. Tenho esperança de que, com este surto, se dê mais um passo na afirmação da importância e rigor técnico que os sistemas de ar condicionado e ventilação têm na vida e na saúde dos edifícios e dos seus ocupantes, reduzindo de sobremaneira a síndrome de “sick-buildings”.

Que recomendações deixaria para investidores, promotores ou donos-de-obra?

Esta pandemia veio demonstrar ao mundo o quão volátil e interdependentes somos uns dos outros. Em primeiro lugar, que os investidores, promotores e donos-de-obra continuem a olhar e a acreditar no mercado português como um mercado credível, uma excelente opção para investir e crescer. Aqui, o Governo terá um papel crucial, obviamente, ao ponto de tomar medidas para atrair mais investimento, fazendo com que o país continue a ser uma opção válida para quem quer investir. Depois, que olhem para os edifícios como organismos vivos, que, como todos, devem ser concebidos e estudados com tempo e rigor, mas, acima de tudo, devem ser conduzidos e mantidos ainda com mais rigor. O grande desafio é transversal a todos os intervenientes nos processos de concepção (desde Arquitectura às Engenharias), construção, instalação e manutenção, sendo imperativo olharem para os edifícios como espaços de concentração de pessoas, de contacto e de vivências. Como tal, o edifício deve ser visto com um espaço confortável, saudável e dinâmico, devendo ser pensado, estudado com rigor e analisado para ser o mais natural e sustentável possível, garantindo, sempre numa óptica multidisciplinar, uma boa qualidade no seu interior. Por fim, e para todo o sector, que olhem para esta pandemia como uma oportunidade de reconquistar terreno, mudar hábitos e estilos de vida e de estar, gerar cooperação e discussão entre todos, e elevando e pondo ao serviço da comunidade todo o conhecimento técnico/científico ao patamar que, acima de tudo, a saúde pública exige e merece. Estou certo e confiante de que vamos conseguir resolver e sair desta crise mais fortes e únicos do que nunca, e a olhar para os edifícios como locais confortáveis, saudáveis, sustentáveis, e que olharemos para estes de modo mais rigoroso, sensato e realista a todos os níveis.