Luís Malheiro é um dos projectistas mais conceituados do nosso sector e faz, nesta conversa, um balanço sobre o mercado. Acutilante, identifica o que se faz mal e aponta o dedo às más práticas, ao conflito de interesses, aos preços, à regulamentação e à falta de atenção dada ao tema da energia incorporada nos edifícios. Deixa ainda claro que os selos de qualidade para os projectistas não fazem qualquer sentido. “O mercado é que tem de funcionar”.

Projectar um edifício hoje ou daqui a cinco anos. Quais as diferenças fundamentais, tendo em conta o papel de interface e o protagonismo que os edifícios estão a assumir numa lógica de descentralização de recursos, como a energia, a água, os resíduos ou até a mobilidade?
Considero que vai ser bem diferente, tal como hoje já é muito diferente relativamente ao que fazíamos há alguns anos. Em primeiro lugar, porque cada vez mais os edifícios devem ser equacionados a uma escala diferente, que se preocupe em interagir com as infra-estruturas que o servem, introduzindo novas preocupações relacionadas com o bairro e a cidade onde se inserem, e, indirectamente ao nível global, o que obrigará cada vez mais a integrar nas equipas projectistas outras valências e o diálogo com a urbe. Em segundo lugar, porque temos hoje à nossa disposição ferramentas de optimização poderosas e que, permitindo níveis de informação associada e de compatibilização inter-disciplinar muito elevados (Building Information Models – BIM), asseguram a utilização efectiva do projecto durante o ciclo de vida dos edifícios, reduzindo os custos do investimento inicial (Capex) e os de Exploração (Opex). Em terceiro lugar, porque as novas directivas europeias que têm vindo a ser transpostas para a legislação nacional, bem como os novos regulamentos que têm vindo a ser introduzidos recentemente, exigem do projecto, da construção e da exploração uma atenção e uma responsabilidade maior.

Escala no sentido do alargamento das competências?
Sim, decididamente. Muito recentemente, a UE (União Europeia) lançou um desafio para receber propostas de solução inovadoras para estudar e promover a optimização do comportamento de partes de cidades (bairros) do ponto de vista da sustentabilidade, quer nos aspectos da energia, quer da qualidade do ar, dos transportes, da comunicação, da mobilidade, do bem-estar, etc. Existem hoje certificações ambientais, interessantes na perspectiva comercial (sendo as mais conhecidas o BREEAM e o LEED), mas começa a ser ainda mais interessante a certificação WELL, mais relacionado com a saúde e o “bem-estar”. Estas abordagens não são ainda específicas por integrarem critérios muito gerais que não dependem dos promotores e da geografia, pelo que defendemos abordagens mais técnicas e totalmente viradas para as responsabilidades de quem promove e deve dialogar com a cidade e o bairro, numa perspectiva colaborativa. A IoT (Internet of Things) deve ser também um dado inequívoco na concepção dos projectos. Tudo isto leva a integrar mais competências específicas e também capacidade de coordenação deste novo conjunto de abordagens nas equipas projectistas.

Estamos a falar de vários projectos?
Sim e principalmente de uma capacidade de coordenação competente e sensata.

O projecto vai alargar?
Sim e muito rapidamente passará a ser mais abrangente e ainda mais responsável.

Vamos ter mais especialidades a interagir ou mais competências para o projecto tradicional?
As equipas de projecto vão ter de ter mais valências integradas na arquitectura e na estabilidade, na adopção de sistemas passivos de protecção da envolvente e de aumento da inércia da construção, muito ligadas à física dos materiais, mas também na consideração de soluções exigentes de evacuação, compartimentação corta-fogo e reação ao fogo dos revestimentos, que são indispensáveis, em primeira linha, para a definição de soluções sustentáveis e seguras. Por outro lado, a engenharia de instalações técnicas tem de estar preparada para os novos desafios, quer na área das comunicações, quer da energia eléctrica (iluminação, alimentação em corrente contínua, “discrimination studies”, utilização de energias renováveis fotovoltaica e eólica, etc.), da climatização (sistemas radiactivos e de “displacement”, redução dos Delta T, utilização de energias renováveis solar térmica e freecooling, simulações de conforto, de consumo, etc.), da segurança contra incêndios (análise de risco, simulação de controlo de fumos e de evacuação, física dos materiais, etc.), dos sistemas de transporte vertical (estudos de tráfego, etc.), que assegurem edifícios muito mais eficientes e seguros.

A água, os resíduos…?
Inevitavelmente, sim, quanto ao re-uso de águas ditas cinzentas, recolha e armazenamento de águas pluviais, produção própria de água potável, etc.

O projectista que temos hoje está preparado para esta mudança?
Espero que sim. Já cá andamos, muitos de nós, há muitos anos. Começámos num certo formato, no qual havia um projectista para cada especialidade. O projectista para a electricidade, para o ar condicionado, para as estruturas… Cada um para o seu lado. Umas vezes com mais sucesso do que outras, tentámos passar o conceito da integração de todas estas áreas, pois é nossa opinião que o projecto deve ser integrado. Iniciámos a nossa actividade como projectistas de ar condicionado e rapidamente estávamos também a fazer as outras especialidades. Acho que se inventou, nessa altura, o conceito de segurança integrada que hoje está estabelecido, concentrando essa responsabilidade num único projecto. No fundo, tratava-se de integrar a segurança electrónica, com a compartimentação corta-fogo e os sistemas de evacuação, a rede de águas de combate a incêndios, e, mais recentemente, os sistemas de controlo de fumos e desenfumagem. Esta foi uma primeira mudança que fizemos há muitos anos, com várias vantagens, sobretudo pela grande melhoria na coordenação com a arquitectura e, depois, com a estrutura, que passaram a ser muito mais eficazes e completas. Posteriormente, foi preciso integrar o controlo, o comando e a monitorização de todos estes sistemas sob o chapéu do Sistema de Gestão Técnica Centralizada, dando mais agilidade, mais segurança e mais eficiência à operação dos edifícios em forte ligação com os projectos de manutenção, as medidas de auto-protecção e a evolução da utilização (uso e densidade de ocupação). Agora, o grande desafio é integrar o bairro e a cidade, respondendo em conjunto ao desafio das “alterações climáticas”. Um olhar mais abrangente e devidamente coordenado e integrado será cada vez mais importante e mesmo indispensável, exigindo das equipas projectistas mais conhecimento e “aggiornamento”, mais organização, mais ferramentas de grande potencial e muita sensatez. Devemos ainda e, desde já, responder aos desafios da inteligência artificial, nomeadamente do self learning e do self healing.

“Os instaladores devem, em absoluto, abster-se de fazer projecto, pois estão a potenciar grandes conflitos de interesse e a desvalorizar o papel das empresas de projecto que obrigatoriamente devem ser independentes e equidistantes”.

Nessa lógica de integração das especialidades, já existem muitas empresas e outras até internacionais a instalarem-se que dão resposta a tudo.
Não tanto ao nível do projecto. Sim, ao nível dos fornecedores e instaladores que seguem a lógica inexorável e que nós próprios defendemos. Mas estas últimas empresas devem, em absoluto, abster-se de fazer projecto, pois estão a potenciar grandes conflitos de interesse e a desvalorizar o papel das empresas de projecto que obrigatoriamente devem ser independentes e equidistantes.

Faz sentido que as várias especialidades estejam hoje no mesmo sítio?
Já não é necessário do ponto de vista geográfico, mas é fundamental que estejam na mesma equipa.

Essa proposta que falou para um bairro é o que vai ser pedido no futuro próximo?
Sim, claramente será esse o futuro próximo. Mas tal como nos edifícios “de per si”, é necessário sempre avaliar e monitorizar o orçamento associado a cada projecto e conhecer o orçamento disponível por parte do promotor, sugerindo-se fortemente que o promotor privado que faz bem feito possa ser compensado fiscalmente pelos extracustos que assume. Naturalmente, para os promotores que pretendem explorar os edifícios no futuro, é mais fácil esta lógica, pois, para os que querem vender após a construção, será sempre mais difícil a assumpção de valores adicionais no Capex, mesmo que largamente compensados na redução do Opex.

Dificuldades actuais?
Sentimos hoje dificuldades relativamente a regulamentos que poderiam ser mais inovadoras e flexíveis, permitindo a opção por soluções menos habituais, desde que devidamente comprovadas. Sentimos também dificuldades na inscrição orçamental de algumas obrigações regulamentares, que consideramos importantes. Tendo em conta a necessidade imperiosa de haver “in-house” núcleos de desenvolvimento, sentimos hoje muita dificuldade de recrutamento de engenheiros de elevado nível, incluindo doutorados, quer pela sua escassez, quer pela rentabilidade deste sector que não deixa margens suficientes.

Está a falar dos requisitos em termos gerais?
Sim, dos requisitos energéticos e da segurança. As grandes reformas regulamentares foram na segurança em 2008, na eficiência energética e na qualidade do ar interior dos edifícios em 2006 e, depois, em 2013. Colaborei com as várias comissões em representação da Associação Portuguesa de Projectistas e Consultores (APPC) e da Ordem dos Engenheiros (OE) e penso hoje que é preciso alterar/acrescentar mecanismos que permitam distinguir e premiar os projectos melhores, como já referi.

O que faria de diferente? Não dá vontade de começar de novo?
De facto, nesta actividade, estamos sempre a começar de novo, todos os dias. Sem esquecer a grande experiência acumulada, devemos fazer cada vez melhor, talvez mais simples, mitigando sempre que possível a complexidade exagerada que dá origem a uma exploração mais difícil e a custos mais elevados.

Mas o que mudava?
A forma de estar e os recursos necessários vão mudar a uma velocidade enorme no que diz respeito à responsabilidade profissional. Embora entenda que, ao nível dos conceitos base, não será necessário mudar tudo, considero fundamental insistir fortemente em encontrar, no seio do sector, formas de garantir a independência e a equidistância dos projectos, reconhecendo, nos fabricantes e nalguns instaladores, um investimento e um esforço enormes, mas não aceitando que estas empresas possam concorrer na actividade dos projectistas. Considero ainda fundamentais todos os esforços para eliminar a degradação do valor de honorários que hoje, em muitos casos, se praticam e que decorre principalmente do período de profunda crise que atravessámos nos últimos dez anos. Considero também que as associações do sector devem fazer da resolução destes problemas, objectivos de primeira linha, pois ainda temos um sector muito forte, competente e prestigiado, que devemos preservar, dando condições de mercado adequadas, em linha com o que se pratica na Europa e, nomeadamente, apoiar os que conseguem atravessar fronteiras.

Essa é uma realidade muito evidente?
É efectivamente muito real, conforme se pode constatar nos resultados de concursos públicos e privados onde as variações de preço são muitas vezes surpreendentes e pouco sérias.

Há mais áreas onde as coisas se misturam?
Para além da área de construção (projectos, construção e gestão e fiscalização de obras), o mesmo se passa na gestão dos edifícios (operação e manutenção), onde os conflitos de interesse são muito frequentes – quem projecta e especifica, por um lado, e quem executa e fiscaliza, por outro, é, muitas vezes, a mesma empresa.

Isso são más práticas, mas e o modelo dessas empresas?
Eu diria péssimas práticas.

Quem deveria fazer esta actividade da gestão dos edifícios?
Empresas que tenham conhecimentos técnicos e a experiência acumulada na prestação destes serviços profissionais que lhes permitam garantir a sua qualidade. Quando começámos a prestar estes serviços profissionais, foi a partir da área de projecto onde dispunhamos dos referidos conhecimentos pluridisciplinares. Mais tarde, este departamento cresceu muito e criou o seu próprio know-how, o que permitiu a sua separação como empresa. Foi interessante verificar que, quando a crise começou, deixou de haver investimento em novos edifícios, mas passou a haver maior investimento na preservação do património existente.

Quem são os seus concorrentes nessa área da gestão dos edifícios?
A maior parte dos nossos concorrentes não são empresas de projecto e não dispõem desse conhecimento in-house.

Quer explicar um pouco melhor?
Nós fazemos a gestão da manutenção e da operação dos edifícios, o que significa que elaboramos os projectos de manutenção (aqueles mapas de antigamente que eram feitos pelo instalador e que definiam as periodicidades das intervenções, etc., não eram um projecto de manutenção, mas sim um calendário de manutenção). O que nós fazemos, até para os promotores poderem escolher a empresa de manutenção, é um projecto que, para além da periodicidade das intervenções, desenvolve o conteúdo e o tempo previstos para cada acção, a formação e a capacidade dos técnicos, os “spares” que devem ser levados para cada intervenção, a definição das grandezas que devem ser medidas, etc. Deve ainda garantir-se o tratamento da informação obtida, o retorno de cada acção no sentido de constituir uma base de dados que optimize o conhecimento do que é aquela instalação e naturalmente uma peça fundamental na manutenção preditiva. A seguir, prestamos serviços de operação que fundamentalmente asseguram a optimização da exploração dos edifícios quer nos aspectos do conforto global, quer no que diz respeito a consumos de energia e fluídos.

E o que acontece com essas empresas?
Quem executa os trabalhos não pode em simultâneo “receitar” e fiscalizar o que executa, o que configura, desde logo, um conflito de interesses.

Mas faz fiscalização.
Fazemos fiscalização (controlo da qualidade, controlo do planeamento e do custo da obra) e também fazemos, em fase posterior, a fiscalização da manutenção. Fazemos ainda o comissionamento das instalações técnicas, assumindo então uma responsabilidade transversal sobre o desempenho dos edifícios.

E faz a fiscalização do projecto em que modelo?
Não fazemos, por razões óbvias, naturalmente, a fiscalização dos nossos projectos. Fazemos, sim, a fiscalização de projectos de outros. Pensamos que é extremamente positivo que isso aconteça nos dois sentidos.

Esse não é um ponto crítico para o mercado em geral?
Para nós, tem sido tranquilo e sempre positivo. As experiências que temos tido é que aprendemos sempre e normalmente corre bem porque há entendimento.

“Existem hoje certificações ambientais, interessantes na perspectiva comercial (sendo as mais conhecidas o BREEAM e o LEED), mas começa a ser ainda mais interessante a certificação WELL, mais relacionado com a saúde e o ‘bem-estar”.

O que mudava na legislação?
Exactamente este ponto: criar condições para que todos os projectos fossem revistos, naturalmente por técnicos com competência e experiência comprovada.

A tabela de honorários devia ser obrigatória de forma a nivelar os valores?
Esse é um grande problema actual que decorre de uma interpretação simplificada da lei da concorrência, pois, embora definidos o conteúdo e a forma na Portaria 701H, estes não são transparentizados na negociação do preço, por manifesto desconhecimento de grande parte dos donos de obra. Quando eu comecei a trabalhar, havia uma tabela de honorários que todos respeitávamos. Há uns anos, um promotor pediu-me para organizar um concurso para vários projectos em vários edifícios. A primeira condição que coloquei foi a de não ser consultado e o que combinei foi que convidássemos cinco ou seis empresas equipas. Depois de apresentados os projectos, uma delas ganhava e os outros recebiam um valor pela proposta apresentada. E o preço éramos nós que o apresentávamos, tendo em consideração todas as variáveis, pelo que os honorários eram assim definidos à partida. É muito mais vantajoso pagar mais na fase do projecto do que, depois, ter de pagar em erros e omissões e correcções de obra e os promotores têm de entender isto. Depois, quem ganhasse fazia o projecto, mas era obrigado também a fazer o controlo de qualidade da execução, assumindo uma responsabilidade inteira pelo desempenho.

Tal como se faz em vários outros sectores de actividade.
Não sei, mas raramente se faz nesta nossa actividade. Esta perspectiva só poderá ser ganhadora quando as empresas de projecto assumirem de corpo inteiro a responsabilidade pelo desempenho dos edifícios, quer técnica, quer profissional, o que passa pela redefinição dos seguros de projecto. Isso passa também por haver fiscalizações mais competentes e mais polivalentes, que não sejam meros gestores de e-mails que não são interpretados e vão sendo reencaminhados para o projectista ou para o instalador, sem acrescentar valor.

O projectista deve acompanhar a obra?
Sim, em absoluto. O controlo da qualidade da execução é também um direito do projectista, por forma a que possa ser responsabilizado pelo desempenho.

Agora esse problema é mais evidente?
Esse é um dos problemas. O outro é que a qualidade e o detalhe dos projectos estão também em risco de ser reduzidos, em muitos casos por necessidade de contenção de custos.

E quando não há qualidade no projecto, essa qualidade reflecte-se em obra?
Naturalmente que sim e a consequência acaba por ser, para além da qualidade, o aumento do prazo e do custo da obra.

Porque tentam recuperar nas instalações as margens que não conseguiram na proposta?
Antes, os empreiteiros tinham margens que hoje não têm. Está tudo mais apertado. E antes os empreiteiros tinham competências e directores de obras muito bons que dificilmente encontramos actualmente. Também é verdade que muitos empreiteiros já têm boas e novas ferramentas e já avaliam os projectos em BIM. É um passo positivo, mas a realidade é que, tal como para os projectos, não há margem nos instaladores e não há margem nos empreiteiros em geral. Quem ainda poderá ter alguma margem são os fabricantes de equipamentos. Os instaladores aceitam enquadramentos contratuais muito duros, perdem dinheiro e já vi muitos a falirem no meio da obra.

Mais coisas a mudar?
Penso que já referi, quase todas, mas certamente devemos estar atentos a um sector muito desregulado no essencial, mas, ironicamente, cheio de regulamentos.

O Sistema de Certificação Energética (SCE) tem sido um bom sistema?
Eu sou Perito Qualificado (PQ) e fui formador de peritos. Do ponto de vista geral, é um bom sistema e a modificação que foi feita em 2013 é excelente. Antes, eram apontados valores de referência que não sabemos bem como eram obtidos e agora o sistema é mais inteligente. Aponta-se o edifício em análise para os valores de referência obtidos com os requisitos mínimos e, depois, comparamos com o projecto real que o promotor quer e pode construir. A diferença obtida no consumo é a mais-valia que vai ser considerada. Se a diferença for zero, o edifício tem a classificação mínima indispensável para ser regulamentar e por aí acima. Há outra questão fundamental que, na altura em que fiz parte das Comissões que desenhavam a legislação, referi e insisti, sem êxito, que pudesse ser considerada. Tratava-se de incluir neste balanço a energia incorporada na construção e que se traduz a energia gasta até à inauguração do edifício. Isto reflecte-se fundamentalmente na selecção de materiais (é diferente ter caixilharia em alumínio ou caixilharia em aço), pois a energia gasta na obtenção da matéria-prima, na transformação, no transporte e na montagem e aplicação, etc., será bem diferente em função do tipo e origem dos materiais.

Estamos a começar com o quê? É esse o ponto?
Temos de conhecer o nosso ponto de partida se queremos falar em sustentabilidade. A energia incorporada tem, em nossa opinião, de ser tida em conta nesta avaliação.

Não será difícil chegar a essa contabilidade?
Há hoje dados disponíveis que permitem obter esta informação para a esmagadora maioria dos materiais.

Um dia mais tarde, é inevitável que esse ponto venha a ser incorporado.
Penso que sim e ando a lutar por isso desde 2005.

O recurso a materiais produzidos nas proximidades é um caminho que se vai ter de fazer mais tarde ou mais cedo. Concorda?
Absolutamente. Veja o que aconteceu na Casa da Música. Segundo me explicaram na altura, o pladur veio da Finlândia e a pedra da Jordânia. Há dois anos, fiz um projecto para o Instituto Superior Técnico, e esse edifício foi feito com uma grande preocupação de sustentabilidade. Fiz um documento de avaliação de sustentabilidade estritamente técnico e considerou-se o tema da energia incorporada. Por se tratar de um edifício existente, o facto de se reciclar a estrutura antiga que lá estava, de não se colocar alumínio, mas sim aço e de outras opções que a arquitectura veio a integrar, fez com que este edifício venha a renascer com 19 anos de consumo futuro poupado.

Como chega a esse valor de poupança? Qual a base de comparação?
Os valores tabelados para edifícios escolares. A nossa proposta hoje, tendo em conta a diversidade e singularidade dos edifícios, é considerar, como se faz na regulamentação térmica em vigor (RECS), a comparação com o próprio edifício com outros materiais mais comuns.

Hoje ainda se sente o impacto da crise no mercado?
Pagámos todos um preço caríssimo. Desapareceu uma parte importante das empresas do sector (muitos empreiteiros, muitos projectistas e muitos instaladores). O aparecimento de pequenas empresas de projecto ainda praticando preços extraordinariamente baixos, sendo um factor negativo para o sector, é um fenómeno transitório que se compreende e até promove, desde que a qualidade do conceito, do cálculo e do produto em geral não seja prejudicada. Os promotores não devem, no entanto, dar o mesmo valor a um projecto com 80 desenhos e que normalmente teria 800.

Como se avalia um projecto?
Em primeira instância, pelo cumprimento dos prazos de execução. Em segunda instância, pela qualidade do conceito, o detalhe da apresentação, a clareza do cálculo, a universalidade das especificações, a clareza e a exactidão dos mapas de quantidades, reduzindo os erros e omissões. Finalmente, pela não existência de trabalhos a mais e de custos adicionais que resultem de fragilidades do projecto, e fundamentalmente pelo desempenho do edifício, em termos de conforto, custos de exploração e flexibilidade no uso.

Que tipo de trabalhos fazem aqui na empresa?
Fazemos grandes edifícios e empreendimentos, mas também gostamos dos pequenos projectos que se concluem, se facturam e se recebem mais depressa. Os projectos grandes têm tendência a arrastar-se, por razões que têm a ver com o licenciamento, o financiamento, etc. Fazemos o conjunto dos projectos de instalações técnicas (não fazemos projectos de arquitectura e de estabilidade) e a coordenação técnica global, fazemos a gestão e fiscalização de obras, o comissionamento e arranque das instalações técnicas e, posteriormente, fazemos a gestão da operação e manutenção dos edifícios, completando o ciclo de vida dos edifícios.

Vamos ter muito trabalho nos próximos anos, ao que parece.
Esperemos que sim. Há uma grande procura no sector da hotelaria e começa a aparecer agora uma boa procura para edifícios de escritórios. Estão a aparecer muitos projectos que pararam há dez anos e que agora estão a ser recuperados pelos promotores. A evolução política e económica em Portugal, na Europa e no mundo é, no entanto, determinante e todos sabemos, infelizmente, as consequências no nosso sector.

Tem-se falado bastante em certificação dos projectos.
Como já referi, defendo que os projectos possam ser revistos por colegas cuja competência e seriedade não ofereça quaisquer dúvidas. Por outro lado, a certificações já em vigor da ANPC, da ADENE, da EPAL, das câmaras municipais, bem como da Anacom e da DGEG (estas últimas só após a conclusão das Obras), são importantes e certificam os aspectos mais importantes.

E certificar os projectistas?
Desde que eu tinha 29 anos que ouço falar e discuto esse tema. Como podemos aceitar que os nossos pares nos avaliem?! Não nos podemos avaliar uns aos outros. Não é um tema.

E quanto ao selo de qualidade voluntário que a EFRIARC está a pensar criar?
A mesma coisa. Ainda há pouco tempo, eu disse, na Assembleia da EFRIARC, que isso não era desejável. O mercado é que tem de funcionar.

Mesmo criando uma comissão específica?
Isso ainda é pior. O que tenho sugerido ao longo dos anos é que qualquer pessoa que acabe o curso tem direito a fazer projectos, mas deve ter duas condições. Só pode fazer projectos até um certo valor (associado ao seguro de projecto que o mercado possa atribuir ao candidato a projectista) e, para cada projecto construído, tem de obter cartas abonatórias do cliente, a depositar na ordem profissional a que pertence (este sistema funciona bem no Brasil através do CREA). Passado algum tempo, em função da actividade ou do trabalho realizado e considerando que obteve os comprovativos acima referidos, ele está apto para mais. Este é o processo que deve existir, negociado entre as ordens profissionais e as companhias de seguro, no estabelecimento dos patamares a considerar.

A tabela de honorários não ajudava a acabar com os projectos a 300 euros?
Talvez sim. Mas o que é importante é que os valores hora dos profissionais de engenharia ou de arquitectura possam ser comparados aos valores hora de outros profissinais de responsabilidade equivalente e não aos valores hora de trabalhadores indiferenciados. Isto deve, mais uma vez, ser tratado pelas ordens profissionais e pelas associações do sector, mas pode ser também uma iniciativa gradual e perseverante do sector.

É uma pessoa muito respeitada no mercado. Como se define?
Como um projectista de engenharia de edifícios que baseia a sua intervenção em princípios muito claros de seriedade e competência, tentando construir uma actividade que cubra o ciclo de vida dos edifícios, não diluindo a responsabilidade pelo seu desempenho. Que tem tentado dar a sua contribuição quer no ensino dos mais jovens, quer em trabalho cívico na OE e nas associações do sector.