Nunca como hoje se colocaram à Europa e ao mundo os desafios da sustentabilidade ambiental que decorrem da evidência científica quanto ao aquecimento do planeta e às consequentes alterações climáticas e que suscitam uma consciência alargada que suporta (não considerando os negacionistas) o tremendo esforço que todos os governantes, promotores, projectistas, urbanistas, arquitectos e engenheiros, construtores e cidadãos em geral devem incluir nas suas missões como uma responsabilidade incontornável.

Tem vindo a falar-se muito em edifícios NZEB(1) (4), conceito fundamental já transposto para a legislação nacional(2) no enquadramento da estratégia que a Comissão Europeia (CE)(3) tem vindo, ao longo dos anos, a liderar quanto às preocupações sobre o ambiente construído, designadamente através da emissão de Directivas Europeias que os diferentes países da UE têm vindo a transpor para as respectivas legislações.

A presidente da CE, Ursula von der Leyen, lançou, no discurso do Estado da União 2020, The New European Bauhaus, que configura um projecto ambiental, económico e cultural de esperança que pretende combinar o desenho do ambiente construído com critérios de sustentabilidade, acessibilidade, custo controlado e investimento, inscrevendo-se nos objectivos do European Green Deal.

No entanto, no cenário da aposta digital e da proximidade das pessoas e dos mercados, é certamente este o momento de podermos ser mais ousados, de ir para além de, acrescentando à eficiência energética, tão fundamental e onde se inscreve, como ambição maior, o conceito de NZEB, outras preocupações e desafios que, sendo quase sempre convergentes, poderão vir a acelerar a transformação de comportamentos, preparando-nos para um convivência em que todos dependemos de todos, mas todos temos de fazer melhor.

Refiro-me, para além dos aspectos sociológicos, às condições de saúde e bem-estar que os edifícios devem assegurar aos seus ocupantes, designadamente quanto a taxas de risco relativo de infecção por transmissão via aerossol de agentes patogénicos(5), a uma clara redefinição e aplicação dos conceitos de temperatura resultante e, preferencialmente, de temperatura efectiva, permitindo uma melhor definição de conforto termo higrométrico, à incorporação nos balanços energéticos da energia incorporada nos materiais, ao aumento da inércia e da resiliência quer a ondas de calor, quer a tempestades e fenómenos da natureza com velocidades de vento elevadíssimas, etc.

Refiro-me também às preocupações com o ciclo de vida, suportando a absoluta necessidade de monitorização das condições de desempenho e exploração operacional dos edifícios, e de inspecção periódica, agora introduzidas na legislação em Portugal, permitindo evitar a degradação do valor dos activos e das condições iniciais de projecto e de classificação, em termos de energia, qualidade do ar, saúde e conforto, tornando-se habitual a discriminação prévia de custos de exploração (consumos e manutenção), aos potenciais ocupantes.

Sugere-se, assim, a evolução para um conceito e uma denominação mais abrangente: Buildings For the Future (BFF) – considerando uma matriz de avaliação alargada e exigente que possa corresponder, para além de um valor de mercado, a um patamar de qualidade global abrangente e exequível técnica e financeiramente.

Sugerimos ainda, fortemente, que os promotores, pelo menos, durante um período de transição, sejam premiados com o reembolso de custos adicionais elegíveis para quem faz bem, em linha com o “State of the Art” acima apresentado (a exemplo dos programas Thermie e Siure, que permitiram, nos anos 90 do século XX, construir edifícios energeticamente excelentes em Portugal).

Assim, parece-nos inevitável concluir que, de forma convergente:

O sector do Imobiliário (promotores, projectistas e construtores) assuma de vez que o paradigma já mudou e que as vantagens competitivas têm de se basear obviamente na qualidade dos projectos de arquitectura e das Instalações Técnicas, onde se passará a incluir definitivamente a Qualidade Ambiental;

Os estados e os governos que os representam compreendam que, neste período, é indispensável criar um conjunto de incentivos que, durante um período transitório de, pelo menos, cinco anos, assegurem o financiamento a fundo perdido de custos elegíveis, escrutinados com o maior rigor, relativos a melhoramentos na qualidade do ar interior, do comportamento térmico da envolvente, da eficiência dos sistemas, da eficiência da ventilação, etc.;

As universidades e as ordens profissionais assegurem a formação e a qualificação dos profissionais envolvidos, perspectivando este novo desafio;

As classificações dos edifícios refiram sempre o ano a que se referem, por forma a que se possam comparar os edifícios relativamente à regulamentação em vigor à data dos respectivos projectos.

Buildings For the Future (BFF) – considerando uma matriz de avaliação alargada e exigente que possa corresponder, para além de um valor de mercado, a um patamar de qualidade global abrangente e exequível técnica e financeiramente.

Enquadramento técnico

(1) Entende-se por NZEB um edifício cujo balanço entre a energia primária importada e a energia produzida no próprio edifício (ou na sua vizinhança associada) é nulo ou muito próximo de zero, preferencialmente produzindo mais do que aquilo que importa, devendo estabelecer-se com rigor as fronteiras do que se refere acima como vizinhança, assegurando não haver posteriormente, venda e aproveitamento destes recursos para outros “vizinhos”.

(2) A publicação do DL 101-D/2020 de 8 de Dezembro, que transpõe as Directivas Europeias 2018/844 e parcialmente a 2019/944, constitui um momento notável que marca o princípio de uma nova abordagem que se configura fundamentalmente por:

• A imposição da realização de inspecções periódicas para avaliação do desempenho e identificação de oportunidades do seu melhoramento;

• A definição de regras para instalação de infraestruturas e de pontos de carregamento de veículos eléctricos;

• A obrigação de que os sistemas de Gestão Técnica Centralizada (GTC) assegurem a monitorização, o registo e análise contínua e comparativa dos consumos dos consumos e da eficiência energética dos edifícios.

Nesta publicação, refere-se ainda a incentivos ao financiamento da reformulação apenas de edifícios existentes, sem os definir e aborda ainda o tema do conforto dos ocupantes, que devem ser adequados ao contexto local e climático, sem, no entanto, detalhar estes (novos??) conceitos.

Adia para 01 de Julho de 2021, a produção dos efeitos do estabelecido nos capítulos II, III e IV, referentes a Metodologias de Cálculo e requisitos dos edifícios, Certificação Energética de Edifícios e Obrigações das Entidades Intervenientes, respectivamente. Refere também que os edifícios, cujo procedimento de licenciamento se tenha iniciado e não tenha sido concluído em data anterior à de entrada em vigor do presente DL e sem prejuízo da obrigação de inclusão, no respectivo processo, da demonstração do cumprimento da legislação aplicável ao tempo, estão dispensados da aplicação dos requisitos previstos nos artigos 6º a 8º, não se tendo identificado alterações significativas em geral e em particular no que diz respeito à definição de edifícios NZEB.

(3) A CE tem vindo ao longo dos anos a liderar as preocupações ambientais sobre o ambiente construído designadamente através da emissão de Directivas Europeias que os diferentes países da UE têm vindo a transpor para as respectivas legislações.

The New European Bauhaus e o European Green Deal (Dezembro de 2019) são documentos onde se redefine e confirma o empenhamento da CE em assumir os desafios do clima (aquecimento global e alterações climáticas) e do ambiente como os desafios urgentes desta geração.

A CE pretende, entre outros aspectos, assegurar uma economia competitiva sem emissão de gases de estufa em 2050 com um crescimento não dependente do uso de recursos naturais não renováveis, bem como proteger a saúde e bem-estar dos cidadãos dos impactos e riscos ambientais, assegurando a biodiversidade e os ecossistemas.

De uma avaliação em curso no âmbito de um conjunto de empresas de que fazemos parte, de engenharia de edifícios de 12 países europeus, para a elaboração de um “White Paper” que permita estabelecer o “State of the Art” identificando, por um lado, as diferenças significativas entre as diferentes legislações em vigor e, por outro, assegurando alguma uniformidade na abordagem metodológica e consequentemente nos resultados obtidos em países diferentes, constatamos que, em termos gerais, as preocupações e as dúvidas são comuns, mas também que os modelos de cálculo e simulação são vários, o que, independentemente da sua adequação caso a caso, sugere também algum esforço de alinhamento.

A REHVA e a ASHRAE têm vindo a publicar inúmeros documentos sobre este assunto, que são considerados na Europa, nos EUA e em grande parte do mundo, pela sua consistência e qualidade e que, em termos gerais, estão em linha com a evolução na Europa.

(4) A partir de 01 de Janeiro de 2021, para que um edifício possa ser considerado NZEB, deve inscrever-se nas condições fundamentais, estabelecidas em 2019, quanto aos requisitos de qualidade térmica da envolvente e de eficiência dos sistemas técnicos.

Edifícios de Serviços e Comércio (Portaria nº 42/2019)

• Valores máximos para o IEEs (Indicador de Eficiência Energética) e para o RIEE (IEE ratio), conforme tabela seguinte:

Onde:

IEEs – Representa o consumo de (energia primária/m2) que foi efectivamente considerado no cálculo das necessidades de energia do edifício;

IEEs,ref – Indicador obtido na simulação energética, baseada nos valores de referência;

IEES ≤ 75 % IEES,ref Valor máximo a obter para este indicador (envolvente mais Sistemas Técnicos (AVAC, iluminação, elevadores, etc.), sem recurso a contributos de energias renováveis;

RIEE corresponde ao rácio de classe energética, que relaciona o IEE previsto, o IEE renovável e o IEE de referência;

O valor de RIEE ≤ 0,50 representa uma classificação mínima A.

• O sistema de gestão técnica centralizada deve cumprir, como requisito mínimo, a classe B da Norma EN15232;

• O projecto dos sistemas técnicos para edifícios caracterizados por necessidades de aquecimento e de AQS significativas deve considerar a avaliação de soluções de aproveitamento de energias renováveis fotovoltaica, biomassa ou de cogeração a biomassa, se disponível directa ou indirectamente, bem como de energia geotérmica, se disponível com temperatura superior a 40 º C, que serão obrigatórias, salvo demonstração da sua inviabilidade económica.

Figura 1: Risco relativo num escritório em open space de 50 m2 onde uma taxa de ventilação de 2 L/s por pessoa (0,2 L/s por m2 – Cat I) é considerada como um nível de referência para uma ocorrência de grande propagação com um risco relativo de aproximadamente 37 % (ver artigo publicado na revista Edifícios e Energia Nº 132, Dezembro de 2020).

Edifícios Residenciais (Portaria n.º 98/2019)

• O valor nominal anual das necessidades de energia útil para aquecimento (Nic), deve ser menor ou igual a 75 % do valor máximo estabelecido como referência (Ni);

• O valor nominal das necessidades de energia primária (Ntc), para edifícios NZEB deve ser menor ou igual a 50 % do valor máximo de referência (Nt), assegurando uma classificação A;

• Fontes de energia renovável devem assegurar, no mínimo 50 % das necessidades anuais de energia primária

(5) No enquadramento da pandemia mundial (Covid-19) que vivemos, tem vindo a ser emitida informação de diversas entidades (ASHRAE, REHVA, Universidade de Coimbra, APIRAC, AICARR, etc.) que vão, de forma consistente, recomendando um conjunto de modelos probabilísticos de avaliação para quantificação desse mesmo risco, bem como de estratégias a considerar no projecto de novos edifícios de serviço e comércio, no que diz respeito aos Sistemas de Ar Condicionado e Ventilação e de que se destacam:

• Aumento significativo dos caudais de ar novo em relação ao mínimo regulamentar, melhorando a diluição de contaminantes e permitindo caudais de ventilação por pessoa, mesmo para a ocupação máxima do edifício, da ordem dos 50 m3/(h.pessoa), muito superiores ao valores mínimos regulamentares, correspondendo a níveis de qualidade do ar interior (QAI) excelentes;

• Taxas de ventilação (l/(s.m2), preferencialmente da ordem de 4l/(s.m2), superiores à Cat I (2,0 l/(s.m2), correspondente portanto a um risco relativo de infecção próximo de 20 % (ver figura abaixo). Em caso de pandemia, uma ainda maior redução deste risco será facilmente conseguida com uma redução da taxa de ocupação do edifício.

• Incorporação de elementos de tecnologia inteligente para o controlo e gestão das condições ambientais interiores e monitorização das grandezas associadas;

• Maximização do aproveitamento do potencial de “free-cooling” disponível, reduzindo fortemente o consumo de energia, e aumentando o reforço da potência de arrefecimento pelo sub-arrefecimento do ar novo, bem como, no Verão, a utilização sistemática de “night purge”), através da consideração de ventiladores de caudal variável na insuflação e na exaustão para “fine tunning” das condições operacionais e de registos de caudal motorizados e sistemas de controlo;

• Considerar sensores de CO2 para controlo de caudal, em função da ocupação dos espaços;

• Previsão de considerar unidades individuais portáteis de recirculação e purificação do ar, nos diferentes espaços, equipadas com Fontes UV.

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.