A qualidade do ar interior (QAI) é crítica na actual situação de pandemia de covid-19, alerta o especialista em climatização Manuel Gameiro da Silva. Num estudo publicado esta semana na plataforma UC Against Covid-19, o professor catedrático da Universidade de Coimbra alerta que “o papel que pode ser desempenhado pela transmissão através do modo de partículas em suspensão” tem sido menorizado sem que haja uma evidência científica para tal e, por isso mesmo, algumas medidas de protecção estão a ser desaconselhadas.

Tendo em consideração que o novo coronavírus, SARS-Cov-2, se transmite maioritariamente através das partículas exaladas pelos doentes contaminados, Gameiro da Silva explica que os diferentes modos de transmissão das doenças infecciosas estão associados a partículas de dimensões diferentes: as partículas grandes (superiores 50 mícron), que são exaladas e se depositam nas superfícies, são responsáveis pela transmissão por contacto; as partículas intermédias (de 10 a 50 mícron) são responsáveis pela transmissão directa do emissor para o receptor, denominada transmissão por gotas; por fim, as partículas mais pequenas (menos de 10 mícron) são responsáveis pelo modo de transmissão por partículas em suspensão, podendo permanecer no ar por horas, ser transportadas a longas distâncias e inaladas. Para o investigador, o facto de não se estar a considerar a transmissão através do modo de partículas em suspensão está a provocar o “desaconselhamento de algumas medidas de protecção que, provavelmente, estarão na base das taxas de propagação da epidemia mais modestas em alguns países asiáticos”.

Face a isto, suspender a realização de reuniões presenciais e ventilar “fortemente” os espaços interiores com ocupação humana, exclusivamente com ar novo, de modo a diminuir as concentrações de partículas do vírus, no caso de uma eventual contaminação por partículas em suspensão, reduzindo, desta forma, o risco de infecção são algumas das recomendações deixadas pelo especialista em climatização durante esta fase pandémica. Mas não só, o estudo defende a “redefinição do conceito de segurança entre pessoas e a necessidade de uso generalizado de equipamentos de protecção das vias aéreas superiores sempre que se preveja que se vai estar num ambiente com ocupação múltipla”, isto é, o uso de máscaras e viseiras. “As máscaras normais não são completamente eficazes na retenção das partículas de menor dimensão, pelo que o uso combinado com uma viseira aumenta substancialmente a eficácia de retenção”, esclarece.

“As estratégias possíveis para combater uma eventual possibilidade de transmissão pelo modo de partículas em suspensão passam por tentar diminuir a concentração dessas partículas através da diluição em ar novo fornecido pelo processo de ventilação e em minimizar o risco de inalação pelas vias aéreas através do uso de máscaras e viseiras”, lê-se no estudo.

As observações resultam de uma análise realizada pelo cientista face às dúvidas levantadas sobre “a importância que as autoridades de saúde, quer a nível nacional, quer a nível internacional, atribuem ao papel que desempenham os diferentes modos de transmissão na propagação das infecções virais e as consequências que daí podem advir”. O estudo refere também os efeitos da temperatura e da humidade, recordando que, “tipicamente, a persistência dos vírus é mais alta com temperaturas frias do que com temperaturas quentes e, como a humidade desestabiliza a camada protectora de gordura dos vírus do tipo coronavírus”, a sua persistência é “maior” em ambientes secos. “A radiação solar tem uma componente de radiação ultravioleta que prejudica a persistência dos vírus, pelo que, nos ambientes interiores sem luz natural directa, há condições mais favoráveis para a persistência dos vírus como partículas em suspensão”, acrescenta.