Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 152 da Edifícios e Energia (Março/Abril 2024).

A aprovação da Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2023-2050 (ELPPE) foi publicada em Diário da República em Janeiro. As medidas práticas a aplicar estarão plasmadas num Plano de Acção para 2030. Uma das principais preocupações é saber que novos apoios haverá para além do programa Vale Eficiência ou da Tarifa Social de Energia.

Em Portugal, entre 1,8 e três milhões de pes­soas encontram-se em situação de pobreza energética. Dessas, estima-se que entre 609 mil e 660 mil vivam em pobreza energéti­ca severa. Para que estes números mudem drasticamente, é necessária uma alteração estrutural que se traduza na erradicação da pobreza energética. O Governo português quer que esta meta seja uma realidade até 2050 e, por isso, aprovou a Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2023-2050, publicada em Diário da República no dia 8 de Janeiro deste ano.

“Há um caminho a fazer, mas estamos comprometidos [com ele]”, afirmou a secretária de Estado da Energia e [do] Clima, Ana Fontoura Gouveia, durante a apre­sentação do projecto. Os objectivos são ambiciosos. A ideia é que, em 2050, a percentagem de população sem capacidade para manter a sua habitação adequadamente aquecida seja menos de 1 % e que tanto a percentagem de população a viver em habitações não confortavel­mente frescas durante o Verão como a de população a viver em habitações com problemas de infiltrações, humidade ou elementos apodrecidos sejam menos de 5 %. Além disso, a estratégia aponta para a meta de eliminar as situações em que a despesa com energia representa mais de 10 % do total de rendimentos dos agregados familiares. Até lá, são exigidas várias metas intermédias, como se pode observar na Tabela 1.

Para lá chegar, a ELPPE divide-se nos seguintes quatro eixos estratégicos: promover a sustentabilidade ener­gética e ambiental da habitação; promover o acesso universal a serviços energéticos essenciais; promover a acção territorial integrada; promover o conhecimento e a actuação informada. A tarefa cabe à Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), apoiada pela ADENE – Agência para a Energia. “No total, estão previstos 84 instrumentos de acção, divididos pelos quatro eixos, que, correspondendo às actividades no terreno, vão assegurar o cumprimento das metas e dos objectivos previstos para 2030”, explica Bruno Veloso, vice-presidente da ADENE, à Edifícios e Energia.

“Nesta fase, é prioritário garantir o integral cumpri­mento dos instrumentos de acção que se encontram em execução no âmbito do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], como sejam os programas Vale Eficiência, Edifícios Mais Sustentáveis 2023, e [o relativo às] Co­munidades de Energia [Renovável e ao Autoconsumo Colectivo], garantir as actividades que asseguram a acção territorial integrada, com instrumentos de acção como os Espaços Cidadão Energia, que visam potenciar a proximidade local com as autarquias e freguesias, chegando mais próximo das pessoas”, diz.

Parte do trabalho da ADENE passa por “garantir o acompanhamento da ELPPE de uma forma global, mas também em cada um dos seus instrumentos de acção”. Para tal, conta com “as ferramentas e colaboração da entidade nacional que coordena toda essa área, o INE [Instituto Nacional de Estatística].” Esses instrumentos de acção, os respectivos timings e os responsáveis pela sua execução estarão detalhados no Plano de Acção para 2030.

QUAL É O PLANO?

Muita coisa pode ser feita, começando logo por melho­rias na construção, no que diz respeito, por exemplo, aos materiais utilizados e aos métodos de isolamento. Mas há mais. Outras melhorias podem estar relacio­nadas com o financiamento para o recurso a energias renováveis, como a energia solar fotovoltaica e a solar térmica, com o incentivo à redução do consumo de energia e à colocação de bombas de calor. Nada disto pode funcionar se não houver sensibilização e infor­mação disponível para todos. Tudo será dissecado de forma mais concreta no Plano de Acção para 2030. A ideia é que no segundo trimestre deste ano as medidas comecem já a ser implementadas, com um programa pensado para o período de 2024 a 2030.

Calendarização dos objectivos a que a ELPPE se propõe. Além destes, a estratégia também aponta para a ambição de conseguir que a fracção de edifícios habitacionais com classe energética C ou inferior seja de 30 % em 2050 (em 2020, era de 69,6 %), alcançando metas intermédias de 50 % e 40 % em 2030 e 2040, respectivamente.

Sobre esta calendarização, a ADENE faz um ponto da situação. “O Plano de Acção para 2030 encontra-se em avançado estado de desenvolvimento, sob a coordenação da ADENE, envolvendo a participação de diversas entidades. Conforme previsto, no início de Março o ONPE-PT [Observatório Nacional da Pobreza Energética] apresentará a sua proposta à Comissão Estratégica, composta por vários ministérios e presidida pela Secretaria de Estado da Energia e Clima”, revela Bruno Veloso.

Para a ZERO, o Plano tem ideias “simultaneamente muito boas, mas extremamente ambiciosas”, alerta Francisco Ferreira, presidente da Associação Sistema Terrestre Sustentável. “O facto de haver metas não apenas para 2050, mas também para 2030 e 2040 torna-o muito mais exigente.”

Depois de implementado, o Plano de Acção será reavaliado no quarto trimestre de 2027 e, de novo, em 2030. Em 2031 avança o segundo Plano de Acção da ELPPE, cuja implementação está prevista para o período que vai de 2031 a 2040. Para esse documento, estão marcadas revisões em 2042, 2045 e 2048.

“A relação entre a pobreza e a pobreza energética tem de ser encarada. É essencial que as pessoas possam ter rendimentos suficientes para pagarem as facturas da electricidade ou do gás. As medidas que já existem representam pouco. O Vale Eficiência, por exemplo, tem um limite de cinco mil euros, o que é muito curto.” Francisco Ferreira

Enquanto nada disto se materializa, as famílias mais vulneráveis podem ter apoios através do Vale Eficiência ou da Tarifa Social de Energia. Mas “é crucial perceber o quanto se vai fazer além do que já existe”, apela Francisco Ferreira. “Para nós, o que é mais dramático diz respeito ao edificado, ao programa de reabilitação do edificado, principalmente aquele em que as condições são piores em termos de isolamento. A relação entre a pobreza e a pobreza energética tem de ser encarada. É essencial que as pessoas possam ter rendimentos suficientes para pagarem as facturas da electricidade ou do gás. As medidas que já existem representam pouco. O Vale Eficiência, por exemplo, tem um limite de cinco mil euros, o que é muito curto.”

A expectativa de conhecer o documento é, por isso, grande, admite Francisco Ferreira. “Que indicadores vamos usar para, de forma fiável, termos o seguimento da estratégia? Como será feito o acompanhamento? Como é que tudo será mais acelerado? O conteúdo do Plano vai ser um elemento crucial.”

UM OBSERVATÓRIO E UM ESPAÇO CIDADÃO

A ELPPE produziu também duas novas entidades, o Observatório Nacional da Pobreza Energética e o Espaço Cidadão Energia. O primeiro tem pela frente a implementação dos eixos definidos na ELPPE, como promover a sustentabilidade energética e ambiental na habitação, garantir o acesso universal a serviços energéticos essenciais, fomentar a acção territorial integrada e promover o conhecimento informado e a actuação. A sua principal missão é acompanhar a evolução da pobreza energética a nível nacional.

“Temos um problema e temos que o encarar de frente”, afirmou Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e da Acção Climática, em Janeiro de 2024, durante a apresentação do projecto. “A criação deste Observatório é uma peça central para irmos acompanhando com informação e transparência a evolução das respostas a nível local e nacional.”

Este organismo terá de coordenar a execução dos quatro eixos de actuação definidos na ELPPE. Os trabalhos passam ainda por elaborar planos de acção com metas decenais (2030, 2040 e 2050), propô-los ao Governo e sugerir instrumentos financeiros, fiscais e/ou de financiamento, público ou privado, de medidas de eficiência energética adequados ao perfil dos agregados familiares. Promover a literacia energética, recorrendo a mais campanhas e material de divulgação e esclarecimento, é outra das prioridades.
O Observatório Nacional da Pobreza Energética é composto por uma Unidade de Gestão, presidida pela DGEG e apoiada em termos técnicos e operacionais pela ADENE, por uma Comissão Estratégica, constituída pelas áreas governativas relevantes – em particular nos domínios de energia, habitação, solidariedade e segurança social, saúde, educação, coesão territorial e finanças –, e por uma Comissão Consultiva, com re­presentantes de diferentes áreas de conhecimento da sociedade civil, como a DECO.

Para a ADENE, é “fundamental assegurar o cumpri­mento dos prazos e metas definidos, em colaboração com as entidades envolvidas, públicas e privadas”, refere Bruno Veloso. “Temos a obrigação de garantir a execução do Plano, bem como a monitorização de todo o processo”, explica o vice-presidente da agência, acrescentando que está a ser feito um esforço para que os resultados se encontrem disponíveis para consulta, no portal do Observatório, “já em Maio”.

Já o Espaço Cidadão Energia vai traduzir-se em estru­turas locais de apoio ao cidadão. O objectivo é inaugurar 50 balcões até Março de 2025 e formar 300 pessoas para os postos de trabalho necessários. Até esse número ser atingido, estarão a funcionar cinco testes-piloto, que deverão abrir portas no terceiro trimestre deste ano.

De acordo com Ana Fontoura Gouveia, nestes espa­ços, os cidadãos poderão “recolher informações sobre diversas áreas da energia e promover a conscienciali­zação sobre a importância da eficiência energética”. Além disso, estarão disponíveis “soluções de apoios para os cidadãos e as empresas que procurem reduzir o seu impacto ambiental, melhorar o conforto térmico, aceder a incentivos e financiamento, e, em simultâneo, pagar menos na sua factura energética”.

Segundo o Inquérito às Condições de Vida e Rendi­mento, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, em 2021, quase duas em cada dez pessoas não conse­guiam manter a casa aquecida e três em cada dez viviam em casas com necessidades de reparação.

Pessoas idosas, desempregadas e com menores ní­veis de escolaridade eram as principais afectadas, bem como mulheres, famílias numerosas ou monoparentais. Em todo o território nacional, as regiões dos Açores e da Madeira concentravam a maior percentagem de famílias em pobreza energética; considerando apenas o continente português, o problema está mais concen­trado nas regiões do Algarve e do Norte. A Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2023-2050 foi pensada para erradicar todas estas situações.

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