Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 157 da Edifícios e Energia (Janeiro/Fevereiro 2025).

Autor: Luís Bragança, Universidade do Minho, ISISE, ARISE, Departamento de Engenharia Civil, Guimarães, Portugal

Indicadores e certificações de circularidade na construção são essenciais para medir, monitorizar e promover práticas sustentáveis. Estas ferramentas transformam desafios em oportunidades para um setor mais resiliente e alinhado com a economia circular.

1. INTRODUÇÃO

Na transição para uma economia circular, o setor da construção desempenha um papel central devido ao impacte ambiental significativo associado aos seus materiais e processos. Avaliar a circularidade de produtos e edifícios é essencial para promover práticas sustentáveis e acelerar essa transição. Indicadores e sistemas de certificação são ferramentas-chave, permitindo medir, monitorizar e comparar o desempenho ambiental e circular de materiais, componentes e edifícios ao longo do seu ciclo de vida.

Os indicadores de circularidade fornecem métricas concretas para avaliar aspetos como a eficiência no uso de recursos, a durabilidade, a flexibilidade, a energia incorporada e a reciclabilidade. Paralelamente, os sistemas de avaliação e certificação da sustentabilidade asseguram a qualidade e padronizam práticas, promovendo transparência e confiança entre stakeholders.

Atualmente, sistemas internacionais como LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), BREEAM (Building Research Establishment Environmental Assessment Method), DGNB (Deutsche Gesellschaft für Nachhaltiges Bauen), SBTool (Sustainable Building Tool) e Level(s) integram indicadores de circularidade nos seus critérios. Destes, o SBTool destaca-se pela sua flexibilidade em adaptar critérios a diferentes contextos regionais, enquanto o Level(s), desenvolvido pela Comissão Europeia, alinha-se diretamente com as políticas europeias.

Todos esses sistemas não apenas avaliam a eficiência de materiais e processos, mas também promovem práticas inovadoras, como design modular, reutilização e redução de resíduos, elementos essenciais para uma construção mais sustentável.

Deste modo, este artigo abordará os principais indicadores e sistemas de certificação utilizados para avaliar e certificar a circularidade no setor da construção, apresentando os indicadores e as metodologias aplicáveis a profissionais, formuladores de políticas e educadores interessados em implementar práticas circulares.

2. INDICADORES DE CIRCULARIDADE

2.1 Indicadores de Circularidade para Materiais de Construção

Os materiais de construção têm um papel fundamental na economia circular. Avaliar a sua circularidade exige indicadores que quantifiquem a eficiência de recursos e o impacte ambiental ao longo do ciclo de vida. Destacam-se os seguintes indicadores:

Eficiência no Uso de Recursos: Mede a utilização de matérias recicladas ou reutilizadas em relação às virgens, promovendo materiais como betão reciclado e aço reutilizado;

Energia Incorporada: Avalia a energia usada na produção, transporte e processamento, incentivando materiais de baixo impacto e produção local;

Durabilidade e Vida Útil: Mede a resistência do material, minimizando substituições e prolongando o ciclo de vida útil;

Reutilização e Reciclabilidade: Quantifica o potencial de recuperação e reaproveitamento, com destaque para estratégias como design para desmontagem e uso de materiais recicláveis, como aço e vidro;

Conteúdo Reciclado: Reflete a proporção de material reciclado na composição do produto, promovendo mercados para materiais secundários, como isolamentos reciclados.

Esses indicadores não só medem a circularidade, mas também orientam fabricantes e projetistas na seleção de materiais mais sustentáveis. As Declarações Ambientais de Produto (EPDs) são ferramentas essenciais para fornecer dados confiáveis sobre estas métricas.

2.2 Indicadores de Circularidade e de Desempenho para Edifícios

A avaliação da circularidade de edifícios exige uma abordagem integrada, combinando métricas qualitativas e quantitativas. Entre os critérios gerais, destacam-se:

Flexibilidade e Adaptabilidade: Mede a capacidade de adaptação a novos usos com intervenção mínima;

Capacidade de Desmontagem: Avalia a facilidade de desmontagem para reutilização ou reciclagem;

Eficiência de Recursos: Relaciona os recursos consumidos com a funcionalidade e durabilidade do edifício;

Materiais Reciclados e Reutilizados: Quantifica o uso de materiais reciclados em relação aos virgens;

Extensão do Ciclo de Vida: Promove maior funcionalidade com intervenções mínimas;

Pegada de Carbono Incorporada: Mede emissões associadas à produção e transporte dos materiais.

Estes critérios podem ser traduzidos em Indicadores de Desempenho-Chave (KPIs):

Taxa de Reutilização de Materiais: Mede a proporção de recursos reutilizados em relação ao total;

Taxa de Reciclabilidade: Quantifica o potencial de reciclagem de materiais no final do ciclo de vida;

Energia Incorporada Média por Área Construída: Normaliza a energia utilizada por metro quadrado, reduzindo a pegada de carbono;

Materiais Renováveis e Biodegradáveis: Mede a proporção de materiais sustentáveis no edifício;

Resíduos Gerados na Construção: Avalia a quantidade de resíduos por metro quadrado, incentivando a eficiência construtiva;

Custo do Ciclo de Vida: Considera os custos totais, desde a construção até à demolição, em relação à área (€ por metro quadrado).

Ferramentas como o Building Information Modeling (BIM) são fundamentais para calcular e monitorizar esses indicadores, tornando as práticas de circularidade mais transparentes e mensuráveis. Ao integrar KPIs em todas as fases, os edifícios tornam-se mais resilientes e alinhados com os princípios da economia circular, reduzindo impactes ambientais e otimizando o uso de recursos.

3. AVALIAÇÃO E CERTIFICAÇÃO DA CIRCULARIDADE E SUSTENTABILIDADE DE PRODUTOS E EDIFÍCIOS

Embora circularidade e sustentabilidade sejam conceitos complementares, não são sinónimos. Um material como o alumínio, por exemplo, é altamente reciclável, mas a sua produção inicial apresenta elevada energia incorporada, o que pode comprometer a sustentabilidade. Por outro lado, materiais biodegradáveis podem ter baixa pegada de carbono, mas nem sempre são reutilizáveis. Assim, os sistemas de certificação procuram integrar ambos os conceitos, garantindo que práticas circulares também considerem os objetivos ambientais, sociais e económicos mais amplos.

Esses sistemas fornecem critérios claros e mensuráveis para avaliar o desempenho de materiais, componentes e edifícios ao longo do ciclo de vida. Promovem práticas sustentáveis, transparência e confiança entre stakeholders, além de incentivar a inovação e eficiência de recursos. Entre os principais sistemas estão o LEED, BREEAM, DGNB, SBTool e Level(s), cada um com características específicas.

O LEED, desenvolvido pelo U.S. Green Building Council, avalia critérios como eficiência energética, gestão de resíduos e materiais reciclados, destacando-se pela atribuição de créditos para práticas circulares. O BREEAM foca-se na sustentabilidade ao longo do ciclo de vida dos edifícios, promovendo o design adaptável e estratégias de gestão de resíduos. Já o SBTool é conhecido pela sua flexibilidade, permitindo que os critérios sejam adaptados a contextos regionais, com ênfase na eficiência da utilização dos materiais e na reutilização.

O DGNB destaca-se pela integração de critérios como reciclabilidade de componentes e design para desmontagem, considerando ainda aspetos sociais e económicos. Por fim, o Level(s), alinhado com as políticas climáticas da União Europeia, avalia indicadores como eficiência de recursos, pegada de carbono e energia incorporada, sendo particularmente relevante no contexto europeu.

Além de fornecerem padrões de avaliação, esses sistemas oferecem benefícios que vão além da medição de desempenho circular. Promovem padrões elevados de qualidade e eficiência, funcionando como selos amplamente reconhecidos que aumentam a confiança dos stakeholders e fortalecem a competitividade no mercado global. A integração de ferramentas digitais, como Declarações Ambientais de Produto (EPDs) e Building Information Modeling (BIM), facilita a análise e monitorização de dados, contribuindo para avaliações mais robustas e transparentes.

Critérios rigorosos de avaliação do desempenho também incentivam a inovação, fomentando o desenvolvimento de soluções construtivas mais eficientes e economicamente vantajosas. Sistemas como o Level(s) podem relacionar os projetos com as políticas públicas, permitindo acesso a incentivos fiscais e financiamentos, reforçando a relevância estratégica dessas certificações. Em síntese, os sistemas de certificação não apenas avaliam a sustentabilidade e a circularidade, mas também impulsionam mudanças transformadoras, promovendo um setor da construção mais eficiente, resiliente e sustentável.

4. DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA IMPLEMENTAÇÃO DE INDICADORES E CERTIFICAÇÕES

A implementação de indicadores e sistemas de certificação de circularidade no setor da construção é um passo essencial para práticas mais sustentáveis, mas apresenta dificuldades significativas. A falta de harmonização entre diferentes sistemas de certificação, como LEED, BREEAM e Level(s), cria dificuldades para a comparabilidade de projetos e aumenta a complexidade na escolha do sistema mais adequado. Além disso, a ausência de dados confiáveis e padronizados sobre materiais e processos ao longo do ciclo de vida dos edifícios limita a precisão na medição de indicadores como a pegada de carbono ou taxa de reutilização. Esse problema é agravado pela inexistência de bases de dados acessíveis e metodologias harmonizadas, resultando frequentemente em estimativas imprecisas.

Os custos elevados associados a auditorias e formação técnica também representam um obstáculo, particularmente para pequenas e médias empresas, que frequentemente enfrentam limitações financeiras. Outro desafio relevante é a resistência à mudança entre profissionais do setor, onde práticas circulares ainda são muitas vezes vistas como exigências legais, em vez de oportunidades estratégicas para inovação e competitividade.

Por outro lado, o contexto global oferece oportunidades promissoras. A crescente valorização da sustentabilidade tem levado governos, empresas e consumidores a adotar práticas circulares como parte das estratégias para atingir metas de neutralidade carbónica. Políticas públicas e diretivas, como o Pacto Ecológico Europeu, criam incentivos para integrar sistemas como o Level(s) em projetos de construção, facilitando o acesso a benefícios fiscais e financiamento.

Além disso, a necessidade de cumprir critérios rigorosos de certificação tem impulsionado a inovação em materiais e tecnologias, permitindo que empresas certificadas se destaquem no mercado global. Ao promover práticas como a reutilização e eficiência de recursos, os sistemas de certificação fortalecem economias locais, criam empregos e fomentam a inovação tecnológica, contribuindo para um modelo de negócio mais resiliente e sustentável.

Com uma abordagem colaborativa e estratégica, o setor da construção tem a oportunidade de liderar a transição para uma economia circular, superando barreiras existentes e explorando as vantagens oferecidas por indicadores e certificações. Mais do que ferramentas técnicas, estes instrumentos representam alavancas para transformar o setor, alinhando-o com os objetivos globais de sustentabilidade e resiliência.

5. CONCLUSÃO

Os indicadores e sistemas de certificação são fundamentais para promover a economia circular no setor da construção. Este artigo destacou a importância desses instrumentos para medir e incentivar práticas sustentáveis, considerando o ciclo de vida de materiais, componentes e edifícios. Indicadores como eficiência de recursos, energia incorporada e durabilidade são cruciais para avaliar o desempenho circular, enquanto sistemas como LEED, BREEAM, DGNB, SBTool e Level(s) oferecem um enquadramento padronizado que fomenta a comparabilidade e a confiança entre stakeholders.

Apesar de existirem dificuldades como a harmonização de critérios, a recolha de dados e os custos de implementação, as oportunidades para transformar o setor são vastas. A ligação com políticas públicas, a inovação tecnológica e o fortalecimento de economias locais destacam-se como benefícios significativos da adoção de práticas circulares.

Para acelerar esta transição, é essencial investir em formação profissional, adoção de ferramentas digitais como o BIM e as EPDs, harmonização de critérios entre sistemas, incentivos para PMEs e divulgação de casos de sucesso. Estas ações podem impulsionar o setor a liderar a transição para um modelo mais sustentável, onde indicadores e certificações não apenas medem, mas transformam objetivos de circularidade em ações concretas, criando um impacto positivo e duradouro.

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