Quem passa pela nova residência dos Serviços Sociais da PSP na Amadora dificilmente acredita que os 52 apartamentos daquele edifício de cinco pisos foram montados em 22 dias. Dizemos montados e não construídos porque se trata do primeiro projecto a utilizar o SIMBA – Sistema Construtivo em Módulos Autoportantes de Betão Armado, uma solução 100 % portuguesa que se apresenta como “uma nova forma de pensar a construção”.
Este é um sistema altamente industrializado em que 80 % do processo construtivo acontece em fábrica, de onde os módulos já saem preparados com quase todos os elementos, desde a infraestrutura eléctrica, de água e saneamento, aos acabamentos e pinturas, passando pela instalação das janelas. Depois, os diferentes blocos são transportados para o local do estaleiro, onde se fazem a montagem (utilizando gruas) e a interligação quer dos módulos em betão armado quer das estruturas metálicas das escadas e elevadores, também modulares, bem como os trabalhos de carpintaria. Em obra são, necessariamente, efectuadas as fundações do edifício (e as caves com garagens, se for o caso) através do método tradicional de construção, pelo que esta alternativa não dispensa o contributo do empreiteiro.
De acordo com Carlos Oliveira, director-geral da DDN, a empresa portuguesa que desenvolveu o SIMBA, a solução difere de outros sistemas de construção modular já disponíveis no mercado. “Enquanto os outros são em madeira ou metal, o nosso sistema é em betão armado e dispensa mais estruturas. Comparativamente com o metal, o betão armado é mais económico e, em relação à madeira, permite chegar a nove pisos, sem contar com o problema dos incêndios.” Para o responsável, as principais inovações estão relacionadas com o sistema de conexão de todas as infraestruturas de águas, esgotos, electricidade, telefones e águas quentes e, sobretudo, com a solução encontrada para as ligações entre módulos, já patenteada internacionalmente (em 2021), que garante a estabilidade estrutural do edifício. “São cinco ligações em betão e aço com geometrias criteriosamente definidas e posicionadas estrategicamente para que um edifício montado em blocos possa ter um comportamento ao sismo equivalente ao de um edifício com estrutura convencional”, explica.
Estas ligações foram desenvolvidas em conjunto com a Global Engineering, a empresa que apoiou e agora comercializa o SIMBA, e ensaiadas no Instituto Superior Técnico, outro parceiro do projecto desde o início, em 2018. Segundo Fernando Branco, professor catedrático do Departamento de Engenharia Civil, este sistema assenta, em boa parte, nos princípios da linha de montagem industrial, “a exemplo do que acontece numa fábrica de automóveis, mas neste caso cria-se uma linha de montagem para módulos de prédios, com todos os benefícios que daí advêm”. Com muitas décadas ao serviço da engenharia, o antigo presidente do Colégio de Engenharia Civil da Ordem dos Engenheiros diz não conhecer outros “sistemas de construção modular como este, em que se faz quase tudo em fábrica”. “Ao contrário do que acontece noutros, neste não se trata só de alguns elementos, como pilares ou casas de banho, mas de deixar praticamente tudo prontinho para a obra”, acrescenta.
Menos tempo, menos custos, menos resíduos
A rapidez na execução da obra é uma das grandes vantagens do SIMBA, uma vez que poderá durar metade do tempo de uma construção tradicional, estima Carlos Oliveira, sobretudo porque enquanto estão a ser preparados os apoios para assentamento dos módulos já a produção em fábrica decorre há algum tempo, com o benefício adicional de esta produção ser feita em ambiente controlado. A demonstrá-lo está a residência dos Serviços Sociais da PSP na Amadora, para a qual se “demorou quatro meses e meio a construir duas caves de estacionamento e, depois, 22 dias a montar 120 blocos, correspondentes aos 52 apartamentos, de que resultou um total de oito meses”.
Neste caso concreto, houve também uma redução dos custos finais da obra, cerca de 20 % comparativamente com a construção convencional, bem como poupanças significativas de energia no processo de construção: “estas decorrem do ponto de vista da logística, porque as entregas são 80 % feitas em fábrica através de grandes remessas onde o processo de descarga e armazenamento é muito mais eficiente. Mas a maior poupança deve-se ao facto de termos uma redução de 70 % dos operários em obra e à consequente redução de deslocações diárias”, diz Carlos Oliveira. Além disso, os resíduos “são praticamente inexistentes em fábrica pois tudo é aproveitado, inclusivamente a água das lavagens dos equipamentos de manuseamento de betão. Na obra praticamente não se produzem resíduos”, sublinha o responsável da DDN, empresa nacional que está no mercado há 29 anos.
E que limitações poderá ter um sistema como o SIMBA? Como seria de esperar, um modelo assente em pré-fabricação modular não pressupõe grandes customizações ou diferenciações, por exemplo, para uma moradia que implique muitas alterações ou pedidos de personalização. Isso não significa, no entanto, que não seja uma solução aplicável a moradias de habitação, até porque recentemente ficou concluída uma moradia piloto construída com este sistema, a primeira de um condomínio de dez. Depois desta, a DDN tem já mais 12 projetos contratados, nomeadamente para residências de estudantes, residências para seniores em Almada e na Amadora, um hotel de quatro estrelas em Cascais e edifícios residenciais, bem como muitos mais em negociação, incluindo para unidades de cuidados intensivos e escolas. O mercado estrangeiro também já se mostrou interessado, pelo que a exportação poderá ser uma realidade em breve.
Para que o sistema possa continuar a ser melhorado, a DDN e a Global Engineering continuam a contar com vários projectos de Investigação Desenvolvimento, coordenados pelo Instituto Superior Técnico e com aplicação a vários níveis. Por exemplo, está em estudo a substituição do aço por fibras de vidro na composição do betão armado, “o que ajudaria a aumentar a durabilidade, porque o aço corrói ao longo do tempo e o vidro não tem esse problema, além de este ser reciclável”, explica Fernando Rocha. Outro objectivo passa por aligeirar o peso dos blocos em cerca de 40 % (os módulos actuais pesam entre 20 e 30 toneladas), por exemplo, com betão leve, pois isso facilitaria a movimentação das gruas. Pretende-se ainda aperfeiçoar o sistema de ligações, aumentando a resistência anti-sísmica, bem como fazer crescer o nível de robotização no processo fabril dos módulos.
Dos isolamentos à eficiência energética
Em matéria de isolamentos, o SIMBA pode usar, preferencialmente, a lã de rocha de alta densidade (ou outro), “podendo o isolamento ser aplicado por dentro, permitindo que os paramentos exteriores [do sistema] venham já acabados e pintados, ou por fora com uma solução de capoto, fachada ventilada ou outra”, diz Carlos Oliveira. No entanto, os isolamentos pelo exterior obrigam à instalação de andaimes, o que acaba por tornar a obra mais cara e demorada, contrariando a vocação original deste sistema. Em termos de ar condicionado e ventilação, o SIMBA acomoda qualquer um dos sistemas disponíveis no mercado, havendo apenas que proceder à sua integração no sistema de construção modular. Carlos Oliveira faz ainda questão de lembrar que os projectos são todos executados em BIM, “começando desde o início com uma forte integração da arquitectura modular com a estrutura”. “Depois são integradas as restantes especialidades, que, ficando maioritariamente embebidas nas paredes e lajes de betão, têm de ser estudadas nos seus traçados com todo o rigor, de forma a que, com as acoplagens, fiquem devidamente posicionadas.”
A eficiência energética também não é descurada, tal como acontece no próximo projecto a utilizar este sistema: uma residência de estudantes em Benfica (Lisboa), encomendada no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência pela Junta de Freguesia de Benfica e construída pela empresa Edivisa, do grupo Visabeira, com blocos SIMBA produzidos e comercializados pela Global Engineering. Com quase 2 500 metros quadrados de área de construção coberta e capacidade para 120 camas, este edifício irá integrar um sistema de produção de energia fotovoltaica, o que ajudará a assegurar as necessidades de energia primária e a garantir um desempenho 20 % superior ao nível NZEB (edifícios com necessidades de energia quase nulas). A ele, junta-se um sistema de tratamento, recolha e reutilização de águas cinzentas, para usos sanitários, e outro de recolha das águas da chuva gravítico (sem recurso a bombas), de modo a reaproveitar as águas pluviais para a rega do jardim. Enquanto o primeiro possibilita uma redução de até 50% no consumo de água, o outro pode alcançar uma poupança no consumo de água para rega a rondar a mesma percentagem. As preocupações com a sustentabilidade neste edifício passam ainda pela instalação de postos de carregamento de veículos eléctricos, de uma horta urbana e de um jardim vertical.
Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 150 da Edifícios e Energia (Novembro/Dezembro 2023).