Depois de vários meses e consultas públicas foi divulgado em Diário da República, a 8 de janeiro, a Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2023-2050 (ELPPE).

Com quatro prioridades definidas (sustentabilidade energética e ambiental da habitação, acesso universal a serviços energéticos, acção territorial integrada e promoção do conhecimento e actuação informada), “não vai ser um desafio fácil”, alerta Francisco Ferreira, presidente da ZERO.

Para a Associação Sistema Terrestre Sustentável, “a principal preocupação agora é colocar cá fora, o mais rapidamente possível, o plano de acção e mais indicadores. A outra preocupação é o investimento. Neste momento, na prática, a única medida que temos a funcionar é o Vale Eficiência. Não chega.”

Criado em 2021, o programa Vale Eficiência tem como objectivo entregar, até 2025, 100 mil cheques a famílias carenciadas que vivem em habitações em situação de pobreza energética. Os vales servem para melhorar o conforto térmico, através de obras ou compra de equipamentos.

Porém, investir em aquecedores ou bombas de calor só resolve parte do problema, já que depois muitas famílias não conseguem fazer face às despesas do consumo.

“Neste momento, temos um edificado dramático. Muitas famílias estão com dificuldade em garantir facturas pagas”, explica Francisco Ferreira.

As metas da ELPPE estão traçadas a cada dez anos (2020, 2040, 2050) e incluem identificar, caracterizar e acompanhar (juntamente com o INE, Instituto Nacional de Estatística) os agregados familiares em situação de pobreza energética; encontrar medidas financeiras, fiscais e/ou de financiamento público para esses agregados; e promover campanhas para o aumento da literacia energética. A ideia é também articular sectores de energia, habitação, solidariedade e segurança social, saúde, educação, coesão territorial e finanças, assim como desenvolver acções de capacitação dos agentes nacionais, regionais e locais, públicos e privados.

De acordo com os dados mais recentes, em 2020 havia 17,5% da população a viver sem capacidade para aquecer devidamente a casa. O objectivo é que esse número chegue aos 10% em 2030, descendo para 5% em 2040 e para menos de 1% em 2050.

A meta é “muito ambiciosa”, diz o presidente da ZERO, e são necessários “mais indicadores rapidamente” para que se perceba, na prática, o que pode ser feito para lá chegar.

A associação ressalva ainda outro aspecto: “Enquanto tenho 1,8 milhões de pessoas a não conseguirem o conforto térmico no Inverno, tenho mais de três milhões durante o verão [a não serem capazes de manter casas frescas]”.

Para que esses problemas sejam identificados, caso a caso, e resolvidos, “o INE também tem um papel muito importante, sobretudo num clima em mudança como o que vivemos”.

Para implementar a Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2023-2050 será criado o Observatório Nacional da Pobreza Energética, presidido pela DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia), com o apoio técnico e operacional da ADENE (Agência para a Energia). No entanto, os esforços precisam de ser ainda mais alargados, de forma mais cirúrgica e local.

“Terá de ser feita uma ligação estreita entre os vários agentes e isso ainda não sabemos como vai acontecer”, diz Francisco Ferreira.

Ainda com muita coisa por definir e à espera de novos indicadores, a associação ZERO elogia, contudo, o programa.

“Estamos satisfeitos com esta estratégia dentro do clima de 2023. Já devia estar cá fora há uma série de tempo. Portanto, ainda bem que conseguiu ir à Presidência da República e ser promulgada.” Mas, garante Francisco Ferreira, isto “é apenas o começo”.

O que pode ser feito

Na edição da Edifícios e Energia de Março/Abril de 2023, já Isabel Façanha, analista da ZERO, identificava algumas mudanças que podiam fazer toda a diferença. Abordar a “unidade habitacional, cuja unidade mínima é o edifício, e não apenas o cidadão ou agregado familiar, uma vez que a envolvente do edifício é frequentemente apontada como uma das causas para a pobreza energética” seria um começo.

Aproveitando como exemplo as remodelações feitas na envolvente dos edifícios dos anos 1950 e 1960 na Europa Central, Helder Gonçalves, dirigente do LNEG (Laboratório Nacional de Energia e Geologia), deixava outra sugestão.

“Temos edifícios comuns que têm dezenas, nalguns casos centenas, de apartamentos, mas os avisos do Fundo Ambiental vêem isto de forma individual ou unifamiliar”, lamentava. Para Helder Gonçalves, encarar este desafio em conjunto podia ser uma medida a adoptar sobretudo no caso dos edifícios de habitação social, “que têm um peso muito grande em Portugal”, e podia ser complementada com outras soluções:

“Ao mesmo tempo que se reabilita todo o edifício, pode haver a inclusão de caldeiras comuns ou de um sistema solar comum, por exemplo; e isso, sim, será uma dupla medida não só em termos de melhoria da qualidade de vida dos utentes, mas também nos eventuais consumos energéticos.”

Helder Gonçalves apontava ainda para outra medida que considerava ser merecedora de desagregação das restantes. “Nestas medidas todas, devia haver uma que dissesse respeito à água quente solar – da qual já se falou muito (…). O raciocínio é simples: nós gastamos 20% do consumo energético para aquecer água nas nossas casas; (…) [e] os colectores solares, hoje, têm um preço muito competitivo.”

Lembrando que Portugal é “dos países com maior radiação [solar] que utiliza menos colectores solares”, ficando atrás “da Grécia, da Espanha, da Itália e até da Áustria”, o especialista defendia mesmo que devia haver uma campanha nacional para incentivar a adopção destes equipamentos, cujo impacto é logo sentido. “Aqueles que são identificados com pobreza extrema têm de ser ajudados de modo a terem melhores condições nos seus edifícios, nas suas habitações, e não a comprarem bombas de calor com os Vales Eficiência – isso não diminui o consumo energético porque essas pessoas não podem pagar pela utilização.”