Para descarbonizar as cidades, que são cada vez mais impactadas pelas alterações climáticas, é preciso acelerar a transição energética, um processo a que os edifícios não são alheios. Neste caminho cheio de desafios, traçam-se estratégias e planos, mas ainda falta colocá-los em prática, observa Helder Gonçalves, director do Laboratório de Energia do LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia.
A descarbonização passa em grande parte pelas estratégias das cidades?
Sim, sem dúvida. As cidades e principalmente as grandes áreas metropolitanas, pela sua concentração e actividade económica, são grandes responsáveis pelas emissões carbónicas. A matriz energética e ambiental de Lisboa dá-nos essa informação detalhada. Em Lisboa, os transportes e a mobilidade são os grandes responsáveis pelas emissões (43 % do total de emissões), [facto] resultante dos grandes fluxos de entrada de pessoas e veículos a somarem-se aos existentes [internamente]. Este é o problema principal que urge resolver. Na cidade de Lisboa, entram, todos os dias, cerca de 400 mil veículos, aos quais há a somar outros 350 mil veículos existentes, que podem não circular todos os dias, mas que estão presentes. Estes valores são completamente insustentáveis para qualquer estratégia ambiental no futuro. Depois, temos os edifícios com emissões também elevadas – os de serviços com 31 % e os residenciais com 15 %. Os consumos energéticos, sendo importantes, são cada vez mais eléctricos, o que é positivo, pois estes consumos dependem do mix nacional e quanto mais energias renováveis tivermos no sistema energético menos emissões teremos na cidade de Lisboa. O que acontece nas cidades em termos de descarbonização é uma amostra muito próxima da [realidade da] descarbonização no país.
O tema da descarbonização das cidades tem de ser visto de uma forma desagregada?
É inevitável, senão acaba por ser impossível a implementação de medidas concretas. O peso da mobilidade em termos de emissões é muito grande em Lisboa e há planos e cenários para mitigá-lo no “interior” da cidade, mas os fluxos de entrada e saída de veículos na cidade são dominantes e, em consequência disso, as emissões não diminuem. O denominado Plano de Ação Climática da Cidade de Lisboa (PAC 2030), publicado pela câmara municipal de Lisboa e pela agência Lisboa E-Nova, em 2021, é um bom exemplo de identificação sectorial e de medidas sectoriais muito bem delineadas, mas com dificuldades [a nível] de execução, se não tendo mesmo sido “abandonadas” pela nova vereação. Deixando de parte os transportes e a mobilidade e olhando para os edifícios, vemos uma fatia de 46 % das emissões totais. O plano pretende que Lisboa atinja a neutralidade carbónica em 2050, e 70 % dessa meta já em 2030. [Mas] Estas metas, face à situação actual, serão muito difíceis de concretizar se não se verificar uma outra dinâmica de implementação.
E, nos edifícios, como estamos?
No sector dos edifícios de serviços, o consumo energético está a aumentar sobretudo nos edifícios de serviços hoteleiros, de restauração e de natureza comercial, naturalmente, devido ao turismo. Este aumento é sobretudo na electricidade e, felizmente, temos no mix energético mais energias renováveis; no entanto, as emissões não estão a diminuir. Os sinais vão exactamente no sentido contrário. O que vejo na cidade é uma nova construção de edifícios de serviços com muita fachada de vidro, novamente! Podemos argumentar que hoje temos soluções de fachadas envidraçadas muito desenvolvidas em termos de propriedades de transferência de calor, mas esses edifícios vão ter cargas térmicas enormes e sistemas de AVAC e, com certeza, não vão diminuir os consumos energéticos. O sector dos edifícios residenciais está muito bem caracterizado, com necessidades de melhoria ao nível de eficiência energética, com um défice de qualidade térmica; mas, nos últimos anos, tem havido um esforço no [que concerne ao] apoio à sua melhoria com a existência de programas de financiamento de medidas de eficiência energética – por exemplo, o programa Edifícios Mais Sustentáveis, do Fundo Ambiental. Para além disso, temos um Sistema de Certificação Energética dos Edifícios (SCE) a funcionar com normalidade (ADENE), o que garante os requisitos de qualidade nos novos edifícios a serem construídos ou nas grandes reabilitações. Na realidade, nos edifícios residenciais temos as pessoas com menores rendimentos, que consomem o mínimo possível, e o mesmo se passa com a classe média. Na verdade, nós não temos consumos significativos no sector residencial na cidade de Lisboa e no país. Temos hábitos de consumo muito moderados e enraizados, ou seja, passamos frio e calor.
O denominado Plano de Ação Climática da Cidade de Lisboa, publicado pela câmara municipal de Lisboa e pela agência Lisboa E-Nova, em 2021, é um bom exemplo de identificação sectorial e de medidas sectoriais muito bem delineadas, mas com dificuldades [a nível] de execução, se não tendo mesmo sido “abandonadas” pela nova vereação.
O residencial é o menor dos nossos problemas pelas piores razões?
Os edifícios residenciais são um grande problema, pois impactam a qualidade ou falta de qualidade de vida dos seus habitantes. Estamos a falar de outros problemas com o residencial. Podemos estar a falar de pobreza energética, população mais idosa e frágil e problemas de saúde a vários níveis. São muitas as questões que surgem com a ausência de condições de conforto térmico nos edifícios residenciais devido à fraca qualidade térmica dos edifícios e à dificuldade financeira das famílias de aquecerem as casas no Inverno – casas mal isoladas, sem ventilação conveniente e com problemas de humidade, infiltrações e temperaturas interiores impróprias para uma qualidade de vida desejável.
Acrescem ainda questões culturais. Estamos habituados a ter casas frias no Inverno e quentes no Verão.
Pois, é uma “cultura” de pobreza, que agora claramente denominamos de “pobreza energética”. É um problema nacional, não somente da cidade de Lisboa, e deve ser visto de forma global de modo a encontrarem-se soluções graduais para minimizar o seu impacto e melhorar os edifícios mais vulneráveis e as suas condições. E, em primeiro lugar, devemos actuar na melhoria da envolvente dos edifícios (com isolamento térmico e melhores vãos envidraçados). Este é o primeiro passo. E claro que são soluções de reabilitação, e são caras e não há disponibilidade financeira para soluções rápidas… Creio que temos de priorizar as intervenções mais urgentes, ou seja, [as intervenções] naqueles edifícios de menor qualidade térmica. Aliás, a nova EPBD [Directiva sobre o Desempenho Energético dos Edifícios, em português] vai exigir essa abordagem. Creio que há uma primeira responsabilidade dos municípios de reabilitarem os bairros sociais e criarem condições para a reabilitação gradual do seu património. Só assim iremos melhorar as condições térmicas nos edifícios. Em segundo lugar, devemos incidir a nossa atenção sobre a eficiência energética dos equipamentos. Isso é fundamental, mas não é esse investimento que é prioritário para os edifícios mais vulneráveis.
Falta uma estratégia de base?
Não creio [que falte]. Nós temos estratégias e planos para tudo, só que não os concretizamos. Falta uma coordenação em termos práticos de tudo isto, e por isso é que os municípios e as freguesias, em conjunto com os cidadãos, têm um papel muito importante. Falta-nos ser uma sociedade comunitária. Nas cidades, não temos uma cultura de comunidade. Nos municípios mais pequenos, as pessoas facilmente se juntam para a resolução de um problema, o que não acontece num centro urbano como Lisboa. Este aspecto pode ter importância no desenvolvimento das comunidades de energia renovável (CER) ou até dos PED [Positive Energy Districts, ou bairros de energia positiva], por exemplo.
A tendência para a colectividade pode resolver parte dos problemas energéticos dentro das cidades?
Não creio que se verifique essa tendência, senão as CER já se tinham desenvolvido muito mais. As questões energéticas vão seguir um padrão misto. A maior parte da produção de electricidade vai ser centralizada e uma pequena parte descentralizada (autoconsumo, CER, etc.). Depois, os municípios irão gerindo o seu património municipal, com integração de renováveis e medidas de eficiência energética, e promovendo projectos que podem ter impacto mais global, como [acontece] no PAC 2030. Foi identificada uma medida (“Energia e Produção Local”) que pretendia desenvolver uma comunidade de energias renováveis denominada de Lisboa Cidade Solar. A área é grande, o estudo foi bastante detalhado, e é um daqueles exemplos que se tivesse ido para a frente seria emblemático, com grande impacto na cidade.
Nós temos estratégias e planos para tudo, só que não os concretizamos. Falta uma coordenação em termos práticos de tudo isto, e por isso é que os municípios e as freguesias, em conjunto com os cidadãos, têm um papel muito importante.
Por que razão não foi para a frente?
Na verdade, não sei. Temos de perguntar à câmara municipal de Lisboa ou ao presidente, coisa que faço habitualmente. Tenho sempre resposta – a dizer que a minha questão foi enviada para o respectivo departamento, e ponto final! Ficamos assim, na incapacidade de discussão e de coordenação com os vários actores, para além das dificuldades técnicas e económicas de todo o processo. Na baixa de Lisboa, com uma arquitectura típica em altura, de três a cinco andares, não é simples criar as CER. Parte dessa dificuldade está também do lado dos condomínios. Os novos edifícios com coberturas planas podem mais facilmente constituir CER, mas não temos uma cultura que facilite esta dinâmica, nem grandes vantagens económicas evidentes.
As CER vão ter um grande impacto nos próximos anos?
As CER são um bom exemplo, mas não creio que vão ter impacto significativo, embora sejam formas desejáveis de geração de energia renovável e capazes de dinamizar sectores da população em novas zonas quer da cidade quer sobretudo em pequenos aglomerados urbanos. A electrificação do sistema energético cada vez com maior incorporação de renováveis é um processo que, tal como está no PNEC [Plano Nacional de Energia e Clima], vai ser dominado pelos centros electroprodutores centralizados ou em áreas artificializadas localizadas um pouco por todo o país, em zonas industriais, campos universitários, espaços municipais, etc. O PAC 2030 na cidade de Lisboa apresentava como objectivos garantir 100 % do consumo de electricidade [sustentado por electricidade] produzida por fontes de energias renováveis nos edifícios municipais e a já referida acção de Lisboa Cidade Solar, e o impacto [destas metas] seria importante como exemplo a seguir noutras cidades. No âmbito da eficiência energética nos edifícios, pretende-se uma intervenção em todos os edifícios municipais e nos bairros municipais, visando a melhoria da envolvente dos edifícios que correspondem a cerca de mais de 20 mil fogos (a cidade terá à volta de 300 mil fogos). Em síntese, podemos verificar que finalmente está a ser posto em prática um conjunto de projectos que visam melhorar a vida das pessoas em oito bairros municipais na cidade de Lisboa. Temos de ter em conta que as pessoas não vão consumir mais energia nas suas casas; essa é uma falsa questão porque as pessoas não têm dinheiro. E a questão da pobreza energética tem de ser vista de forma dissociada. Há quem defenda que se tem de consumir para reduzir a pobreza. Ou que o não consumo é um sinal de pobreza. Claro que é, mas é preciso ir à causa do problema e a causa é a deficiente qualidade dos edifícios construídos antes de 2006, ou seja, aquando do início do SCE.
Contabilizar aquilo que são renováveis ou não dentro das cidades vai continuar a depender do mix nacional? Ou seja, a produção ou a auto-suficiência local ainda não têm expressão?
As cidades vão ser fundamentalmente abastecidas por centros electroprodutores do mix nacional e não há volta a dar. Nós temos, neste momento, um sistema que, em termos nacionais, tem cerca de 22 GW de potência na sua globalidade. A estratégia delineada no PNEC 2030 pretende aumentar o fotovoltaico e também a energia eólica, e estão a nascer várias centrais. Prevê-se um acréscimo de 7 GW em termos de solar fotovoltaico centralizado por todo o país até 2030 e um de cerca de 2 GW do descentralizado. Hoje falamos de centrais grandes, superiores a 100 MW, mas temos os pequenos sistemas a crescerem por todo o lado, evidentemente numa escala muito menor, em áreas ditas artificializadas (telhados de edifícios particulares, industriais, de serviços, etc.). Quando o sistema energético nacional cresce com base nas renováveis, estamos a descarbonizar globalmente, e isso impacta obviamente as cidades. Vamos ter mais energias renováveis nos edifícios, quer em termos individuais, quer em termos comunitários, e as CER são úteis a vários níveis, nomeadamente em termos de uma melhor gestão e autonomia por parte do consumidor. [As CER] Necessitam é de ganhar uma dimensão que seja competitiva.
O investimento que estamos a fazer na descentralização não chega, mas, por outro lado, existe uma aposta enorme em soluções centralizadas, mesmo que via renováveis…
Isso é inevitável, e são estratégias que precisam de conviver uma com a outra. Todos os investimentos quer nas CER quer nos grandes centros electroprodutores renováveis são o mercado a funcionar. O Governo traça planos macroeconómicos do país e planos e compromissos sobre o sistema energético. O PNEC 2030, e mesmo o novo que está a ser aprovado pela União Europeia, aponta para que Portugal, em 2030, tenha um sistema maioritariamente renovável – cerca de 90 %, o que é extraordinário. Para isso, temos de crescer em novos GW e isso é um convite à economia e ao investimento, mas é um desafio gigantesco.
Como é que se lida com a questão do “ambiente urbano”?
Essa denominação corresponde ao conjunto de edifícios e espaços envolventes, num equilíbrio que se quer cada vez mais enquadrado com espaços verdes e sobretudo mais livres de trânsito automóvel. Muitos países da União Europeia têm planos de renovação urbana visando objectivos ambientais e energéticos conjuntos, mas nos quais a reabilitação energética dos edifícios e a integração de energias renováveis são fundamentais, juntamente com um planeamento urbano equilibrado com espaços verdes e azuis. E Lisboa, no seu PAC 2030, também tem planos visando o “Ordenamento Urbano”, o “Reforço da Infraestrutura Verde”, a “Eficiência Hídrica”, etc. O que interessa é saber como é que as cidades vão na realidade implementar esses planos. Não basta haver planos. É necessário [haver] acção e compromisso dos autarcas, empenho do Governo e uma maior pró-actividade dos cidadãos e associações. E é neste ponto que se levantam dúvidas. Quais as prioridades da cidade de Lisboa? É que ficamos preocupados quando olhamos para o projecto da nova feira popular, por exemplo. Os edifícios que vão nascer nesse espaço são edifícios virados a Poente e com enormes fachadas envidraçadas. Há qualquer coisa errada. Não há uma coerência na acção no que diz respeito às orientações municipais contidas no PAC de Lisboa. Exemplos destes impactam negativamente os objectivos ambientais e de eficiência energética. Sectorialmente, o discurso tem de ser bem afinado e fácil [de compreender]. Repare, os edifícios de serviços têm um peso de 31 % no balanço de emissões na cidade de Lisboa. Um edifício de serviços gasta MWh/ano, ao contrário do residencial, que gasta KWh/ano. Isto é tudo muito sério. Tem de haver uma perspectiva séria para estes edifícios, tal como apontam as directivas europeias (a nova EPBD), visando a necessidade de redução de emissões, de planos de racionalidade e de eficiência dos sistemas e dos equipamentos. Sucede que os edifícios antes de terem estes sistemas são construídos por arquitectos que determinam as necessidades energéticas em termos de aquecimento e arrefecimento. E aqui entram as questões do planeamento urbano, decidido pelos municípios, que devem estar de acordo com os planos definidos (PAC 2030), praticando uma influência positiva que devem assumir em defesa dos seus próprios planos de neutralidade carbónica.
Como é que as alterações climáticas impactam as cidades?
Essa pergunta é fundamental para o futuro de todos nós. As alterações climáticas são responsáveis pela tendência crescente do aquecimento em todo o território, sobretudo no Verão, verificando-se uma sucessão de ondas de calor, que começam a ocorrer no início da Primavera, e um sobreaquecimento nas cidades. Independentemente do que acontecer nas políticas sectoriais, com mais ou menos automóveis, as cidades já estão a sobreaquecer globalmente e a formar ilhas de calor em zonas específicas. Temos de preparar as cidades em termos urbanos para resistirem a estas ondas de calor – sobre as quais nos habituámos a ouvir na comunicação social – e para minimizarem os seus impactos.
Quais as razões para esse sobreaquecimento das cidades?
Fundamentalmente, trata-se de um fenómeno provocado por um conjunto de razões. A primeira, macro, relaciona-se com o próprio fenómeno de aquecimento global, ao qual acrescem razões de densidade de construção urbana. A ventilação urbana, em consequência da construção em altura, tem vindo a ser afectada, reduzindo o seu efeito de arrefecimento, o que contribui, juntamente com a actividade humana, para um aumento da temperatura ao nível da rua. Os arquitectos e os engenheiros têm de começar a projectar os nossos edifícios diante do aquecimento global, que já é uma realidade, e, com fenómenos mais recorrentes de ondas de calor, a integrar soluções que minimizem os ganhos e o armazenamento de calor. Os nossos edifícios vão ter de ser preparados para o calor. A questão do arrefecimento vai ser cada vez mais importante, pois já é um facto actual que a cidade de Lisboa e as cidades em geral na região mediterrânica estão a aquecer. Os períodos de Verão são mais longos e a temperatura média na cidade aumentou. Este efeito é muito impactante em edifícios que não estão preparados para estas condições climáticas e numa população que já tem consumos mínimos de energia para o seu conforto térmico. Podemos ler na literatura científica e em relatórios do IPPC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] sobre a situação de crescente preocupação de sobreaquecimento actual em milhares de grandes cidades, e não há consciência deste problema a nível global. Se uma cidade sobreaquece, o ar condicionado começa a ser mais solicitado e os sistemas energéticos passam a ter cargas brutais, o que cria problemas de gestão energética enormes. Estão a acontecer apagões em várias cidades da Ásia e da Austrália. Há cidades que nos períodos de Verão registaram subidas de 5 a 10 ºC em relação às respectivas médias de temperatura.
A ventilação urbana, em consequência da construção em altura, tem vindo a ser afectada, reduzindo o seu efeito de arrefecimento, o que contribui, juntamente com a actividade humana, para um aumento da temperatura ao nível da rua.
Mais população, mais cimento, mais edifícios. É disso que se trata?
Mais edifícios e mais cimento e alcatrão fazem com que haja menos ventilação na cidade e mais acumulação da radiação solar armazenada no alcatrão, que é reemitida no período nocturno ao nível da rua. E, portanto, a resposta é sim, e a solução é aumentar os corredores de ventilação (planeamento urbano), diminuir o alcatrão e as cores escuras e aumentar as zonas verdes e hídricas. A cidade australiana de Sydney fez um decreto municipal a proibir coberturas negras e telhas escuras. Existem 13 mil cidades que estão a ser monitorizadas por causa deste problema. E eu queria chamar a atenção para o facto de que este problema – que já foi estudado no caso da cidade de Lisboa pelo Prof. António Lopes [do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa] – vai aumentar as ondas de calor nas próximas décadas. Essas zonas estão bem identificadas pelo trabalho efectuado em conjunto com a câmara municipal de Lisboa (Ondas de Calor em Lisboa) e apresentado em 2020. O que é que os municípios precisam de fazer? A literatura aponta para o greening ou o blue, o que significa que precisamos de criar parques, plantar árvores num mix de zonas e reduzir o “alcatrão”, porque o alcatrão é negro, é espesso e, por isso, é um storage [‘armazém’] natural – aquece durante o dia e à noite reemite. Verde, Água e Sombreamento, três acções que todos os autarcas devem urgentemente aplicar na sua cidade. Há cidades que têm abrigos de sombras e nas quais há avisos dirigidos à população para que se proteja e arrefeça nos períodos de intenso calor. Lisboa tem ondas de calor que estão a aumentar – e com grande impacto na população mais vulnerável. As pessoas vivem, em muitos casos, em casas quentes e de fraca qualidade. É preciso chamar a atenção para o problema e apresentar soluções para o mitigar. As pessoas têm de saber o que fazer, como ventilar as casas e utilizar os estores evitando ganhos solares em horas indesejadas no período de Verão. Vamos entrar numa fase de maior reabilitação dos edifícios e essas intervenções têm de ter em atenção estas questões que parecem simples, mas que têm de ser bem feitas, no [vector] residencial e nos [edifícios de] serviços. No plano dos serviços, é fundamental que a construção nova tenha um maior cuidado na utilização do vidro em função da sua orientação e das áreas e, sobretudo, que tenha sombreamento exterior.
Ilhas de Calor: existem 13 mil cidades que estão a ser monitorizadas por causa deste problema que já foi estudado para a cidade de Lisboa e que vai aumentar nas próximas décadas. É preciso chamar a atenção para o problema e apresentar soluções para o mitigar.
Lisboa vai conseguir cumprir a ambição até 2030?
Conseguir descarbonizar em 70 %, com os números que estão em cima da mesa? Vai ser difícil.
Poderá haver um desajuste entre aquilo que são as orientações nacionais e as orientações locais? Sabemos que, por vezes, colidem.
Penso que não. Os autarcas portugueses que subscreveram o Pacto dos Autarcas estão conscientes, em termos globais, dos desafios energéticos e ambientais, menos no que diz respeito às alterações climáticas nas suas cidades. Necessitam de conhecer a situação e que medidas [devem] adoptar, em termos da adaptação climática ao nível de planeamento e do espaço público. Sinto que existe pouca informação e que os técnicos locais estão mais focados nos procedimentos e no dia-a-dia e, muitas vezes, se afastam até daquilo que o próprio município já determinou.
Falta agilidade e ambição?
Sim, e essa viragem tem de acontecer. E espero que a simplificação de processos se faça com o desenvolvimento digital e que haja uma boa contribuição da inteligência artificial. Há pedidos de licenciamento para sistemas electroprodutores renováveis com [tempos de] espera de dois a três anos, o que afasta os investidores. Foi aprovada, e bem, no final de Março, por decreto, uma nova entidade que vai fazer esse trabalho. Trata-se de uma Estrutura de Missão, a EMER 2030, que é criada para acelerar o licenciamento dos projectos de energias renováveis. O objectivo é a simplificação processual. E os processos municipais também precisam de ser agilizados. No âmbito do Fundo Ambiental, tivemos 200 mil candidaturas recentemente e foi uma loucura dar resposta atempada. Mas para além da tecnologia precisamos de interagir com o cidadão não só para informar, mas [para interagir] com mecanismos de compromisso e de valorização das suas escolhas.