Uma pandemia e um estado de emergência, como os que estamos a viver, implicam alterações em todos os sectores. As empresas não são excepção e encontraram novas formas de funcionar, através do teletrabalho, quando possível, tendo sido registado um decréscimo considerável do número de pessoas que estão fisicamente no seu local de trabalho habitual. Nesse sentido, o Facility Management (FM), que assegura a gestão integrada dos locais e ambientes de trabalho, assim como de muitos edifícios, está a deparar-se com uma nova realidade à qual se está a adaptar. Miguel Alves Agostinho, director executivo da Associação Portuguesa de Facility Management (APFM), falou à Edifícios e Energia sobre os desafios que a pandemia coloca ao sector e que mudanças poderão acontecer no futuro.
Qual a percepção dos gestores de edifícios perante a pandemia e a situação de estado de emergência em que nos encontramos?
Existem dois planos de análise: o plano humano, em que a situação actual está a ser avassaladora; e o plano técnico, em que temos de ser frios e analíticos. Neste plano técnico, o que se está a passar devia ser algo para o qual estaríamos preparados através de Planos de Contingência, que actuam de imediato e que apoiam as organizações na implementação dos seus Planos de Continuidade de Negócio. Infelizmente, nem todas as organizações têm esses mecanismos – ou, se os tiveram, deixam de ter após a crise ter passado. Além disso, um Facility Manager num país como Portugal, com um contexto político e social bastante calmo e com um clima com raros acontecimentos extremos, à excepção dos incêndios, não está muito habituado a ter de enfrentar situações de crise. Nesse sentido, acabamos por normalmente ser surpreendidos e ter de funcionar em modo de reacção e não de antecipação, o que tem custos associados a perdas que seriam evitáveis. E, por vezes, essas perdas não são só financeiras, são também humanas.

As operações que tinham agendadas mantém-se, apesar de muitas empresas estarem em regime de teletrabalho, ou estão a sentir alterações?
Ressalvando que a nossa visão [da APFM] é de dentro das organizações e não prestamos Facility Services, a reacção à crise tem sido gradual, o que é acertado. E, nesse escalar, tanto da pandemia como dos níveis dos planos de acção, as empresas começaram por reforçar medidas de prevenção e de comunicação muito focadas na limitação de viagens e de reuniões, na limitação do contacto pessoal e na higienização das mãos. Numa segunda fase, começaram a enviar algumas equipas para casa e a limitar o número de pessoas que podiam aceder às suas instalações, bem como a fazê-lo em horários o mais possível desfasados. Houve empresas que, nessa fase, proibiram o uso de zonas comuns, como salas de reuniões e copas, e, pouco depois, começaram a criar salas de isolamento com as devidas rotas. Coincidindo com o fecho das escolas, entre esse momento e a declaração do estado de emergência, vimos mais espaços a fechar e o aumento das equipas em teletrabalho. Tudo isto no prazo de um mês para a maior parte das organizações, e de cerca de dois meses para algumas multinacionais, que se aperceberam do problema e começaram a disseminar para a sua rede de subsidiárias e delegações medidas de forma mais atempada. Essas ganharam um mês às restantes.
“Também do lado das empresas prestadoras de Facility Services, é necessário que sejam mais conhecedoras e pró-activas, que consultem o seu cliente sobre as melhores formas de entregar os serviços e de se prepararem para estas contingências. Mas esta maior preparação e maior número de recursos terão um custo maior.”
E como trabalham agora as equipas de FM?
Agora, o enfoque é assegurar as condições de trabalho para quem está a trabalhar remotamente, nomeadamente enviando equipamento informático para casa dos colaboradores e assegurando os acessos às redes virtuais privadas da organização. No que toca aos prestadores de serviços, o foco é feito em serviços críticos, como a higienização dos espaços, em particular das superfícies de elevado contacto, como botões de elevadores e maçanetas, secretárias e teclados, deixando outros serviços menos críticos, como a lavagem das janelas. Importante é também assegurar a continuidade da prestação de serviços por parte das equipas de vigilância e de manutenção, para manter a integridade dos activos e das pessoas que estão nos espaços, optando pela monitorização on-line e gestão remota sempre que possível. Tudo isto sempre com muita preocupação pelas pessoas, tanto dos próprios colegas como dos colaboradores dos prestadores de serviços. É claro que todos queremos que as actividades críticas das organizações continuem, pois um colapso económico também custará, a prazo, muitas vidas, mas ninguém quer correr riscos desnecessários e, para isso, é necessário manter uma mente analítica e avaliar os cenários. E isto no meio de telefonemas de pessoas em pânico por não terem máscaras ou luvas e de colegas que estão em casa com os filhos sem se conseguirem organizar, o que só reforça que a falta de planos de contingência torna uma situação grave num desnecessário estado de caos.
Apesar de ser uma pergunta a longo prazo, conseguem ter uma previsão dos impactos que as medidas hoje em vigor e toda esta situação podem vir a ter no FM?
O impacto é tornar óbvia a necessidade de ter departamentos de FM profissionais e com procedimentos. Provavelmente, julga-se aborrecido e uma perda de tempo estar a manter procedimentos e stocks de emergência em períodos de acalmia, em que tudo está bem e nada urge, mas, quando chegamos à crise seguinte, estamos todos em modo reactivo. É fundamental ter recursos e conhecimento para implementar Planos de Acção, Planos de Contingência e Planos de Continuidade de Negócio. Também do lado das empresas prestadoras de Facility Services, é necessário que sejam mais conhecedoras e pró-activas, que consultem o seu cliente sobre as melhores formas de entregar os serviços e de se prepararem para estas contingências. Mas esta maior preparação e maior número de recursos terão um custo maior.
E as empresas estarão dispostas a aceitar esse custo?
Para contrariar esta visão, as empresas como um todo terão de olhar para a área dos Facilities não como um custo, mas como um investimento. Um investimento para garantirem que conseguem contratar e reter as melhores pessoas, ter os espaços funcionais, agradáveis e seguros, ter uma operação ambientalmente sustentável e dar ao seu core business não só produtividade em tempos normais, mas também uma maior capacidade de resiliência em tempos extremos.






