Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 156 da Edifícios e Energia (Novembro/Dezembro 2024).

“Os edifícios são um reservatório de materiais significativo, constituindo depósitos de recursos ao longo de muitas décadas e as opções de conceção e a escolha de materiais influenciam de sobremaneira as emissões de todo o ciclo de vida dos edifícios novos e dos edifícios renovados”, lê-se na nova Directiva sobre o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD). Numa conversa com Manuel Reis Campos, presidente da CPCI – Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário – e da AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, fomos conhecer a forma como o sector da construção está a olhar para estas mudanças.

Estamos preparados para adoptar a EPBD como um farol para a construção sustentável?

A nova Directiva sobre o Desempenho Energético dos Edifícios, conhecida como EPBD, representa um avanço significativo rumo à construção sustentável. A directiva estabelece metas ambiciosas, introduzindo conceitos e métricas inovadoras, como a contabilidade das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) ao longo de todo o ciclo de vida dos edifícios e o Potencial de Aquecimento Global (PAG). Estas são mudanças que vão orientar o sector da construção em direcção a prácticas mais sustentáveis e à descarbonização do parque edificado até 2050.

A eficiência energética e a construção estão dependentes uma da outra neste caminho para a descarbonização dos edifícios. A importância da energia incorporada neste processo também é uma boa notícia?

A descarbonização dos edifícios vai depender, fundamentalmente, da implementação de medidas de eficiência energética que, além de reduzirem o consumo de energia operacional, promovem uma construção mais sustentável. No entanto, este progresso exige que tanto os materiais utilizados quanto os processos construtivos considerem a energia incorporada — a energia consumida desde a extração dos materiais até à sua aplicação e eventual demolição. Esta abordagem abrangente ao ciclo de vida dos edifícios vai exigir uma adaptação significativa do sector, para que as escolhas de materiais e métodos construtivos sejam feitas com o objectivo de minimizar o impacte ambiental.

O PAG (Potencial de Aquecimento Global) vai ser um bom desafio?

O PAG, enquanto indicador que avalia as emissões de CO2 em todas as fases do ciclo de vida dos edifícios, constitui um grande desafio. Este impõe uma maior exigência na selecção de materiais e processos construtivos, com foco em minimizar o impacte ambiental. Para as PMEs, esta transição poderá ser exigente, mas com os apoios e incentivos adequados, o sector da construção estará capacitado para superar as dificuldades e contribuir activamente para as metas de descarbonização do parque edificado estabelecidas pela União Europeia.

Estará, de facto, o sector da construção preparado para as mudanças impostas pela nova EPBD?

O sector da construção enfrenta, efectivamente, um desafio significativo com as mudanças impostas pela nova EPBD, mas, com a preparação adequada e os apoios necessários, estará, como sempre esteve, pronto para responder às exigências do mercado. A adaptação a uma visão que inclui a contabilização das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e o ciclo de vida completo dos edifícios exigirá uma transformação profunda em práticas e processos estabelecidos. As pequenas e médias empresas (PMEs), em particular, vão precisar de realizar um esforço significativo na capacitação dos seus recursos humanos, e para os quais defendemos ser necessária a criação de apoios e incentivos específicos por forma a minimizar os custos da transição verde. Estou convicto de que, com uma abordagem estratégica, o sector poderá aproveitar estas mudanças como uma oportunidade para inovar e contribuir de forma significativa para a sustentabilidade.

A digitalização, com a adopção obrigatória de ferramentas como o Passaporte de Renovação dos Edifícios e o BIM, também traz desafios significativos. A implementação dessas tecnologias requer um investimento inicial considerável, além de formação especializada, o que pode ser oneroso para as empresas de menor dimensão.

O Sistema de Certificação Energética vai enfrentar dificuldades na adaptação a novos conceitos?

O sistema de Certificação Energética também irá enfrentar desafios na adaptação aos novos conceitos introduzidos pela EPBD, como o Potencial de Aquecimento Global (PAG) e a incorporação da energia nos materiais. A complexidade adicional trazida pela análise de todo o ciclo de vida dos edifícios implica que o sistema actual terá de ser revisto e actualizado para incluir métricas mais rigorosas. Este processo pode ser desafiante, mas é fundamental para garantir que a certificação energética reflete com precisão o impacte ambiental dos edifícios.

As empresas e o sector estão prontos para gerir mudanças como o passaporte de renovação?

No que respeita à gestão de mudanças como o passaporte de renovação, é um desafio que exige, não só uma adaptação tecnológica, como também a capacitação das empresas para adoptarem ferramentas como o BIM e processos digitais. Embora o sector já tenha mostrado uma elevada resiliência em outras transições, a gestão eficaz destas mudanças vai depender de um significativo investimento em inovação, em formação e na criação de mecanismos de apoio para que as empresas, especialmente as PMEs, possam implementar estas novas exigências de forma eficaz e atempada.

Quais os maiores desafios para implementar boas práticas na contabilidade das emissões nos materiais e processos?

Um dos maiores desafios para implementar boas práticas virá da contabilidade de CO2 dos materiais e dos processos. Com efeito, embora haja avanços na medição das emissões ao longo do ciclo de vida dos edifícios, muitos dos pequenos fornecedores e construtores, especialmente as PMEs, ainda não têm acesso a ferramentas ou conhecimento técnico suficiente para integrar essas métricas nas suas actividades. Outro obstáculo será o custo e o tempo envolvidos na adaptação a estes novos métodos e tecnologias, especialmente quando se trata de processos de construção mais tradicionais e pouco industrializados.

Para as PMEs, esta transição poderá ser exigente, mas com os apoios e incentivos adequados, o sector da construção estará capacitado para superar as dificuldades e contribuir activamente para as metas de descarbonização do parque edificado estabelecidas pela União Europeia.

A digitalização dos processos, o passaporte de renovação e o BIM vão ser obrigatórios. Que dificuldades serão enfrentadas?

A digitalização, com a adopção obrigatória de ferramentas como o passaporte de renovação e o BIM, também traz desafios significativos. A implementação dessas tecnologias requer um investimento inicial considerável, além de formação especializada, o que pode ser oneroso para as empresas de menor dimensão. Acresce que a integração desses sistemas em projectos de construção existentes, bem como a colaboração entre diferentes stakeholders, pode revelar-se complexa, especialmente em empresas com menor grau de desenvolvimento digital e tecnológico.

Será possível atingir a neutralidade carbónica nos edifícios europeus até 2050 e nos novos até 2030?

Apesar desses desafios, a neutralidade carbónica nos edifícios europeus até 2050, e nos novos até 2030, é uma meta alcançável, desde que se verifique um esforço conjunto entre Governo, Autarquias, Empresas de Construção e do Imobiliário e Sociedade. Acresce que será ainda necessário um grande impulso em termos de financiamento, para acelerar as taxas de renovação e construir edifícios com materiais de baixo impacte ambiental, além de apoiar a transição tecnológica das pequenas e médias empresas.

Como a nova dimensão da sustentabilidade vai mudar a forma de trabalhar das empresas?

A nova dimensão da sustentabilidade, introduzida pela EPBD, vai exigir uma transformação profunda na forma de trabalhar da maioria das empresas no sector da construção. As empresas serão obrigadas a adoptar práticas que considerem todo o ciclo de vida dos edifícios, desde a escolha dos materiais até ao seu impacte ambiental ao longo do tempo. Esta realidade irá exigir uma maior integração de tecnologias digitais, como o BIM, e a implementação de sistemas mais rigorosos de contabilidade de emissões de gases com efeito de estufa (GEE). As empresas terão de se adaptar a novos processos, promovendo a eficiência energética e a escolha de materiais com baixo impacte ambiental, o que requer investimentos em inovação e em capacitação técnica.

Podemos falar de um sector mais alargado quando falamos em construção?

O sector da construção está, de facto, a tornar-se mais alargado e multidisciplinar. A sustentabilidade e a descarbonização exigem a colaboração de várias áreas, como a energia, o ambiente e a tecnologia. Este novo cenário cria uma sinergia entre sectores que, antes, funcionavam de forma mais isolada. A construção agora abrange não só os processos tradicionais, mas também a gestão de recursos, a construção industrializada de segmentos importantes dos edifícios com recurso, designadamente, à construção modular ou off-site e à impressão 3D, a eficiência energética e a inovação tecnológica, o que expande o seu alcance e impacte.

A cooperação entre empresas e indústria será essencial neste caminho?

A cooperação entre empresas e a indústria será fundamental para enfrentar este novo desafio. A partilha de conhecimento, a criação de parcerias estratégicas e o desenvolvimento de redes de colaboração serão essenciais para garantir que as melhores práticas são adoptadas e que o sector possa evoluir de forma harmonizada, rumo às metas de descarbonização impostas pela UE.

Todo o ciclo de vida do edifício entrará na contabilidade das emissões de GEE para efeitos de certificação energética. Concorda que o “primeiro traço” já não pode ser feito sem a engenharia?

Com efeito, será imprescindível uma equipa multidisciplinar para projectar edifícios de acordo com as novas exigências de sustentabilidade e descarbonização. A complexidade acrescida, que resulta da necessidade de contabilizar as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) ao longo de todo o ciclo de vida do edifício, implica a colaboração estreita entre arquitectos, engenheiros, especialistas em eficiência energética, peritos em materiais sustentáveis, e entre outros.

A nova directiva vai exigir que cada etapa do processo, desde a conceção inicial até à construção, operação e eventual desmantelamento do edifício, seja cuidadosamente planeada e gerida de modo a garantir que as emissões são minimizadas e que os recursos utilizados têm o menor impacte ambiental possível. Deste modo, considera-se essencial uma abordagem colaborativa para integrar todos os conhecimentos e tecnologias necessárias, assegurando que o edifício final cumpre as metas de sustentabilidade e eficiência energética impostas pelas novas directrizes europeias.

A neutralidade carbónica nos edifícios europeus até 2050, e nos novos até 2030, é uma meta alcançável, desde que se verifique um esforço conjunto entre Governo, Autarquias, Empresas de Construção e do Imobiliário e Sociedade.

As acções já desencadeadas para a descarbonização dos edifícios estão aquém do esperado. O financiamento será suficiente?

As acções até agora desencadeadas para a descarbonização dos edifícios, de facto, estão aquém das expectativas. De acordo com os Censos de 2021, há 1.278.826 edifícios a necessitar de obras de conservação, destes, o número de edifícios a necessitar de obras significativas aumentou 24,5 % em relação a 2011, totalizando cerca de 498 mil. Acresce que, no que diz respeito ao licenciamento municipal, a média anual de licenças para reabilitação de edifícios emitidas nos últimos três anos foi de apenas 6.170, o que revela um ritmo muito inferior ao necessário para inverter a tendência de deterioração do estado de conservação dos edifícios, pelo que grande parte do parque edificado continua a ser energeticamente ineficiente.

As verbas disponíveis no PRR para a eficiência energética totalizam 610 milhões de euros, pelo que se consideram insuficientes para atingir as metas ambiciosas. Neste contexto, importa salientar que a AICCOPN considera essencial a aplicação da taxa reduzida de IVA a todas as obras de reabilitação, independentemente da sua localização. Era o impulso fundamental para se iniciar uma vaga de reabilitação no nosso país. Com efeito, para que estas metas sejam alcançáveis, é necessária uma combinação de financiamento adequado, políticas fiscais de incentivo, formação e capacitação das empresas, bem como um apoio mais robusto do Estado e da União Europeia para facilitar a transição.

Como vê o sector daqui a 10 anos?

O sector da construção nos próximos 10 anos vai passar por uma transformação profunda, tornando-se mais industrializado, tecnológico e sustentável. A crescente pressão para atingir metas de descarbonização e a necessidade de uma cada vez maior eficiência energética farão com que as empresas adoptem processos mais industrializados, com a implementação de métodos de construção modular e off-site, permitindo uma maior rapidez na execução e uma redução significativa de resíduos.

A tecnologia terá um papel central neste processo. Ferramentas como o BIM, a inteligência artificial e a automação estarão integradas em todos os aspectos do ciclo de vida do edifício, desde a conceção até à operação e manutenção. Essa digitalização não só melhorará a eficiência e a precisão dos projectos, mas também facilitará a gestão de recursos, contribuindo para uma construção mais racional e menos dispendiosa.

Além disso, a sustentabilidade será um pilar fundamental do sector. A escolha de materiais com baixa pegada de carbono, a eficiência energética nas construções e a análise do ciclo de vida dos edifícios estarão no centro da actividade das empresas. O conceito de economia circular será amplamente adoptado, promovendo a reutilização e a reciclagem de materiais, e as práticas de construção verde serão, não apenas incentivadas, mas também exigidas. Em suma, o sector da construção estará mais alinhado com as necessidades ambientais e sociais, contribuindo para um futuro mais sustentável e resiliente.