Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 155 da Edifícios e Energia (Setembro/Outubro 2024).

Filipe Araújo, vice-presidente da câmara municipal do Porto não tem dúvidas: para a descarbonização da Cidade Invicta e para “reduzirmos as emissões é fundamental actuarmos decisivamente nos edifícios de serviços e habitação”. 160 milhões de euros é o valor já investido, só na habitação municipal, nos últimos dez anos. Apesar do esforço financeiro envolvido, Filipe Araújo não esconde as dificuldades ao nível do financiamento que considera serem “incontornáveis”.

“Rumo a uma cidade neutra em carbono, resiliente, competitiva, justa e participativa”, assim é o lema do Pacto do Porto para o Clima, desenvolvido e lançado em 2022 pelo município do Porto. O documento é um compromisso da cidade com a sua descarbonização. A ambição: tornar-se neutra em carbono em 2030, reduzindo em 85 % as suas emissões de gases com efeito de estufa em relação a 2019.

Desde 2008 que o município do Porto tem monitorizado a origem das emissões de gases com efeito de estufa da cidade. No referido Pacto do Porto para o Clima, é mencionado que a cidade está mais próxima de atingir a meta definida para 2030 pelo facto de o Porto ter conseguido uma redução de emissões estimada na ordem dos 52 % em 2020, relativamente ao ano base de 2004.

Se a Cidade Invicta está cada vez mais perto de conseguir alcançar o seu compromisso, em que frentes é que se deverá actuar para já? O sector dos edifícios parece ser visto como uma das chaves para o sucesso. “Para reduzirmos as emissões é fundamental actuarmos decisivamente nos edifícios de serviços e habitação, que representam cerca de 50 % das emissões”, refere Filipe Araújo, vice-presidente da câmara municipal do Porto, em entrevista à Edifícios e Energia. “Esta é uma das frentes que irá exigir um esforço de descarbonização mais intenso.”

O CENÁRIO DA CIDADE

Segundo o Relatório Anual de Energia e Emissões, divulgado pela AdEPorto – Agência de Energia do Porto, em 2020, os edifícios residenciais foram responsáveis por cerca de 27 % das emissões de gases com efeito de estufa e os edifícios de serviços por cerca de 32 %. Responsáveis do BUILT CoLAB – Laboratório Colaborativo para o Futuro Ambiente Construído explicam à Edifícios e Energia que tem havido uma “melhoria significativa do parque edificado no Porto nas últimas décadas, anteriormente muito degradado tanto a nível do edificado como da população”. A reabilitação de grande parte do parque existente, a alteração de usos, o dinamismo no turismo, na restauração e no sector dos serviços especializados são apontados como alguns dos factores associados a essa melhoria. Também esta ideia é partilhada pelo vice-presidente da câmara municipal do Porto, que, no entanto, caracteriza o parque habitacional da cidade como “envelhecido, com a idade média dos edifícios perto dos 60 anos, bastante superior à registada no Grande Porto (42 anos) e no país (38 anos)”. Filipe Araújo acrescenta que a maioria dos edifícios (60 %) foi construída no início da década de 60 e que 83 % dos edifícios foram mesmo construídos antes da década de 80.

“A reabilitação energética, que é necessária e exigida pela nova Directiva sobre o Desempenho Energético dos Edifícios, obriga a um conjunto «vasto e pesado» de investimentos. «Esta nova directiva é muito exigente e tem objectivos ambiciosos no que se refere à renovação dos edifícios com pior desempenho energético e à construção nova onde se promovem as emissões nulas. Este é um enorme desafio, cuja exigência só é possível implementar se existir informação adequada, o devido apoio técnico especializado e linhas de financiamento dedicado».”

Filipe Araújo

À data dos Censos 2021, o parque edificado do Porto era constituído por pouco mais de 39 mil edifícios. 2 124 é o número de edifícios que necessitam de uma reabilitação profunda. Além disso, mais de 4 800 têm necessidades médias de reparação. Perto de dez mil carecem de ligeiras manutenções e cerca de 22 mil não evidenciam necessidades de reabilitação.

Consoante as necessidades de intervenção evidenciadas nos edifícios do Porto, a vulnerabilidade climática em termos de conforto térmico dos respectivos ocupantes é, naturalmente, distinta. Na Estratégia Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas, publicada em 2016 e em processo de revisão e actualização, é referido um estudo efectuado para as diversas habitações nas freguesias do Porto quanto à sua vulnerabilidade climática em termos de conforto térmico dos residentes numa escala de um (pouco vulnerável) a vinte (muito vulnerável). Considerando o impacto que as alterações climáticas têm no município, “em termos de vulnerabilidade ao conforto térmico ao longo de toda a estação de arrefecimento, prevê-se que as freguesias do Porto passem de uma classe de vulnerabilidade actual entre sete e nove (sendo praticamente metade das freguesias com a menor vulnerabilidade Bonfim, Cedofeita, Massarelos, Paranhos, São Nicolau e Sé, e com Aldoar e Nevogilde no extremo superior) para uma vulnerabilidade futura máxima que poderá variar entre oito e dez (também com São Nicolau, Sé e Vitória na classe de menor vulnerabilidade no município, e com, além de Aldoar e Nevogilde, ainda Lordelo do Ouro, Miragaia e Ramalde como as freguesias mais vulneráveis)”.

Já no que toca a futuras ondas de calor, o estudo estima que cerca de 53 700 residentes serão muito vulneráveis ao desconforto térmico nas habitações no Verão. As pessoas mais afectadas serão as “com mais de 65 anos, residentes em freguesias do Porto com vulnerabilidade igual ou superior a dez em cenários de onda de calor”.

QUAL A ESTRATÉGIA EM CURSO PARA O PORTO?

Tendo em conta este cenário e aquilo que se avizinha para a cidade, é importante olhar para a estratégia que o município tem vindo a seguir. A Estratégia Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas frisa a necessidade de manutenção do parque edificado e da aposta na reabilitação urbana, “considerando que o parque residencial apresenta áreas devolutas e habitações degradadas, com importantes falhas em termos energéticos e de conforto térmico para os residentes (com efeitos para a saúde, nomeadamente das populações mais vulneráveis)”.

Painéis fotovoltaicos instalados em edifícios do Bairro de Agra do Amial no âmbito do projecto-piloto Asprela + Sustentável.
© Câmara Municipal do Porto

Neste sentido, o vice-presidente da câmara municipal do Porto conta que foram estabelecidas “metas ambiciosas” de redução de emissões para os edifícios. Relativamente ao edificado sob a alçada do município, tem sido promovida a eficiência energética com obras de requalificação para o melhoramento do desempenho energético e do conforto das pessoas. A mudança de caixilharia e de janelas e a colocação de capoto foram algumas das soluções aplicadas. “[Esta aposta] Representa já um investimento de cerca de 160 milhões de euros nos últimos dez anos e permitiu uma melhoria da eficiência energética, mitigando a pobreza energética na habitação pública municipal”, assegura Filipe Araújo.

O consumo e o armazenamento de energia renovável também estão a ser incentivados pela criação da primeira comunidade de energia renovável. Asprela + Sustentável é o nome da iniciativa, que envolve uma escola e 180 residências no bairro de Agra do Amial. A ideia passou por instalar painéis fotovoltaicos no topo dos edifícios, o que parece estar a dar frutos. “Pela primeira vez em dois anos de projecto, em Junho, conseguimos ter 180 famílias a beneficiarem de uma redução de quase 50 % na sua factura de energia, o que prova que a comunidade funciona”, garantiu Filipe Araújo, em entrevista ao Expresso em Julho último. Numa segunda fase, e após validação deste projecto, o intuito será replicar a solução pelos restantes bairros de habitação municipal, sendo que cerca de 12 % dos telhados do município do Porto são de habitação social. Relativamente ao investimento alocado ao projecto Asprela + Sustentável, Filipe Araújo refere que “os estudos já estão realizados e a verba já está aprovada, cerca de seis milhões de euros”.

A câmara municipal do Porto tem apostado em certificações mais exigentes em termos ambientais, como a norma LEED, nos edifícios municipais, quer na construção nova, como o Terminal Intermodal de Campanhã, quer na reconstrução de edifícios, como no caso da sede das empresas municipais Porto Ambiente e GO Porto.

Apesar do esforço e do investimento em matéria de património municipal, o também responsável pela tutela do Ambiente e Transição Climática frisa que é crucial o envolvimento de todos e que só assim será possível à cidade do Porto atingir as metas de descarbonização a que se propôs. Assim, no sentido de abranger os edifícios particulares, no início deste ano, foi lançado um plano de incentivos à instalação de painéis fotovoltaicos. “O apoio do município materializa-se através da redução do valor de IMI a pagar pelos proprietários que apostem nas energias renováveis, [medida] que estimamos que contribua directamente para a transição energética de cerca de duas mil instalações, capazes de produzir cerca de 23 MW”. Até 2030, o pacote de incentivos destinado a edifícios particulares prevê um investimento na ordem dos oito milhões de euros e conta com o auxílio do balcão único Porto Energy Hub para prestar um aconselhamento personalizado aos cidadãos.

PRINCIPAIS ENTRAVES E DIFICULDADES

Um plano complexo e ambicioso não existe sem que haja constrangimentos. O BUILT CoLAB considera que “as dificuldades inerentes a práticas mais sustentáveis na construção/reabilitação e gestão de edifícios no Porto são semelhantes às do restante país”. Em particular, o laboratório colaborativo nomeia os seguintes constrangimentos:

• “financeiros, como a falta de disponibilidade para investir na fase de construção e, por exemplo, em materiais mais sustentáveis e duradouros;

• regulamentares, que acabam por desincentivar nomeadamente práticas circulares;

• de mercado, com pouco reconhecimento do valor inerente;

• culturais e tecnológicos, pelas cadeias de valor pouco preparadas para alterarem a forma de projectar e construir edifícios”.

2022 foi a data em que foi lançado o Pacto do Porto para o Clima, que, actualmente, conta com mais de 250 organizações subscritoras e centenas de subscritores individuais. Este compromisso tem como foco principal convidar e mobilizar o sector privado, mas também o sector público e os cidadãos, a assumir compromissos e a participar activamente na acção pela descarbonização da cidade.

O Plano Municipal de Acção Climática do Porto serve como uma espécie de roteiro para aquilo que tem de ser executado de modo a garantir a redução das emissões e a adaptação do território da cidade às alterações climáticas. O documento tem também a virtude de aglutinar as estratégias municipais ao nível das componentes de adaptação às alterações climáticas. Pela óptica do município, a primeira dificuldade encontrada no que diz respeito ao Plano Municipal de Acção Climática do Porto foi a de “harmonizar calendários e compromisso de investimentos, que vão para além dos ciclos políticos, com horizontes temporais, [que,] no caso da adaptação, [se apresentam] com cenários a 50 e a 100 anos – sendo que uma parte substancial destes investimentos nem sequer está na esfera da decisão municipal”, refere o vice-presidente da autarquia portuense.

Ao mesmo tempo, o responsável assegura que todo este planeamento tem de estar em linha com o Contrato Climático do Porto, que, como já vimos, prevê a neutralidade carbónica do território até 2030. A falta de alinhamento de agendas e de prioridades entre o Estado Central e o município do Porto, assim como a burocracia excessiva, é outra problemática que faz com que “seja difícil a implementação das acções capazes de cumprirem a estratégia em tempo útil”. Neste sentido, Filipe Araújo defende que “todos os stakeholders têm de assumir as suas responsabilidades ou, em alternativa, dar ao município as competências e os recursos para que [este] as possa executar”.

Em adição aos bloqueios e atrasos burocráticos, para o vice-presidente da câmara municipal do Porto, existem dificuldades “incontornáveis” ao nível do financiamento. Segundo o representante, a reabilitação energética, que é necessária e exigida pela nova Directiva sobre o Desempenho Energético dos Edifícios, obriga a um conjunto “vasto e pesado” de investimentos. “Esta nova directiva é muito exigente e tem objectivos ambiciosos no que se refere à renovação dos edifícios com pior desempenho energético e à construção nova onde se promovem as emissões nulas. Este é um enorme desafio, cuja exigência só é possível implementar se existir informação adequada, o devido apoio técnico especializado e linhas de financiamento dedicado.”

Filipe Araújo foi nomeado para o Grupo Consultivo de Presidentes de Câmara da Missão das Cidades (Cities Mayors Mission Advisory Group), composto por 15 cidades e cuja missão é prestar aconselhamento estratégico, fazendo a ponte com a Comissão Europeia.

Central fotovoltaica na cobertura dos reservatórios da sede da Águas e Energia do Porto tem reduzido a fatura de consumo energético desta empresa municipal. © Câmara Municipal do Porto

Quanto à aplicação da Directiva sobre o Desempenho Energético dos Edifícios, os responsáveis do BUILT CoLAB mencionam que há dificuldades em calcular os impactes incorporados nos edifícios e o balanço global do seu ciclo de vida pela falta de Declarações Ambientais de Produtos. Para este laboratório, outra dificuldade encontrada é a ausência de “ferramentas que acompanhem e suportem o processo de desenho e construção sem um esforço desajustado [por parte] dos diferentes intervenientes, uma vez que não têm tempo nem conhecimento para fazerem uma avaliação do ciclo de vida”. É difícil avaliar o desempenho de um edifício se o benchmarking ainda não foi definido. Perante estes problemas, o BUILT CoLAB quer oferecer soluções. “Como laboratório colaborativo, procuramos desenvolver ferramentas para apoiar o mercado nestas dificuldades.”

Filipe Araújo considera que todos os esforços são poucos para se atingirem os objectivos à escala nacional. Para este autarca, “os municípios e as entidades públicas têm de tomar a dianteira dos investimentos climáticos, liderando pelo exemplo”. Contudo, no caso do Porto, os serviços e as infraestruturas sob gestão municipal representam apenas 5 % das emissões globais. E, por isso, o vice-presidente da autarquia conclui com a ideia de que “é crucial envolver a mobilização do capital das organizações privadas para que seja efectiva e tangível esta transição [energética e climática] na cidade”.

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