Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 153 da Edifícios e Energia (Maio/Junho 2024).
Autor: Luís Bragança, Universidade do Minho, ISISE, ARISE, Departamento de Engenharia Civil, Guimarães, Portugal
A transição para a economia circular na construção é uma das alavancas para o desenvolvimento sustentável, tanto a nível ambiental como económico. Acelerar este processo implica, entre outros aspetos, desenvolver e promover políticas concretas e adequadas e análises de custo benefício que considerem as perspectivas dos diferentes stakeholders.
INTRODUÇÃO
Na União Europeia (UE), o setor da construção não é apenas um pilar económico, contribuindo com aproximadamente 11,5 % do valor acrescentado bruto e empregando quase 25 milhões de pessoas em mais de cinco milhões de empresas. É também uma área primordial para a inovação sustentável e para a transformação ecológica. Sendo a maioria dessas empresas PMEs, o impacto e a oportunidade para a adoção de práticas de economia circular são imensos, prometendo não apenas reduzir significativamente os impactos ambientais, mas também impulsionar a inovação e a eficiência em toda a indústria.
Em consonância com o Plano de Ação para a Economia Circular (CEAP) da UE, a transição para uma economia circular na construção emerge como uma força motriz para reter mais valor dentro das cadeias de valor da indústria, enquanto simultaneamente indica o caminho para reduzir a pegada ambiental de uma das indústrias mais materialmente intensivas e de alto impacto do mundo.
Na sequência da implementação do CEAP, têm sido realizados vários esforços para aplicar o pensamento circular às práticas de construção e incluir a circularidade de recursos em quadros de sustentabilidade. No âmbito deste movimento encontra-se a Ação COST CircularB, uma iniciativa pioneira destinada a estabelecer uma metodologia comum europeia para avaliar a circularidade no ambiente construído. Apresentada na edição n.º 149 da revista Edifícios e Energia, esta iniciativa tem por objetivo desenvolver um quadro comum e uma ferramenta de classificação de circularidade com indicadores-chave de desempenho (KPIs) baseados nas melhores práticas atuais da construção, do estado da arte e do CEAP. A estrutura da ferramenta permitirá a aplicação local e a sua adaptação aos diferentes países
e regiões do programa COST. Ao desenvolver uma base de dados de referência, baseada nas condições, cultura e tradições de cada país/região, é possível a utilização direta da ferramenta, apoiando tanto os projetistas no desenvolvimento de edifícios mais sustentáveis como os governos nacionais/locais na avaliação e promoção dos seus objetivos de economia circular. Além disso, a Ação CircularB proporá diretrizes de construção, montagem, adaptabilidade, desconstrução e modelos de negócios para edifícios novos e existentes para melhorar a implementação da economia circular no ambiente construído e promover o conhecimento dos diversos stakeholders.
Um ano e meio após o início da atividade da Ação COST CircularB, de entre as múltiplas atividades de investigação e desenvolvimento realizadas, destacam-se duas atividades principais: i) o levantamento de normas, regulamentos e políticas existentes para a implementação
da economia circular no ambiente construído, e ii) a análise do custo-benefício da implementação de práticas de economia circular no setor da construção, baseada nas perspetivas dos diversos stakeholders.
“Em consonância com o Plano de Ação para a Economia Circular da UE, a transição para uma economia circular na construção emerge como uma força motriz para reter mais valor dentro das cadeias de valor da indústria, enquanto simultaneamente indica o caminho para reduzir a pegada ambiental de uma das indústrias mais materialmente intensivas e de alto impacto do mundo.”
LEVANTAMENTO DE NORMAS, REGULAMENTOS E POLÍTICAS
Uma das principais atividades realizadas foi o levantamento de normas, regulamentos e políticas existentes nos países-membros do programa COST. Este levantamento forneceu uma visão abrangente das abordagens adotadas para incorporar a economia circular no ambiente construído. Identificou-se que, embora haja uma base comum de entendimento resultante do plano de ação europeu e um compromisso com a economia circular, há diferenças na implementação e exemplos importantes de países líderes em práticas de economia circular.
Abordagem comum nos diversos países
Em toda a UE, uma estratégia universal é o desenvolvimento de instrumentos nacionais que tentam promover a integração da economia circular no setor da construção. Os principais instrumentos são os seguintes:
- Quadros regulamentares: Os países europeus estão a reformular os regulamentos para darem prioridade à minimização de resíduos, à reciclagem de materiais e a metodologias de construção sustentáveis. Estes quadros são a espinha dorsal dos esforços nacionais para
incorporar a circularidade nos processos de construção. - Planos estratégicos de ação nacional: Países como a Finlândia lideraram a adoção de guias detalhados e planos de ação que delineiam objetivos e medidas de forma clara para integrar os princípios da economia circular na indústria da construção. Estes planos apresentam frequentemente metas ambiciosas para a redução de resíduos em aterros e para o aumento da utilização de materiais reciclados.
- Colaboração dos stakeholders: Um tema recorrente é o papel central da colaboração entre órgãos governamentais, stakeholders da indústria e o público. Este esforço concertado é crucial para promover um compromisso partilhado com os princípios da economia circular e garantir a implementação bem-sucedida das estratégias nacionais.
Estratégias divergentes e inovações nacionais
Apesar dos pontos em comum anteriormente referidos, algumas estratégias nacionais revelam-se como abordagens únicas adaptadas para ultrapassarem desafios e oportunidades locais específicos. Algumas dessas abordagens são as seguintes:
- Práticas inovadoras: A iniciativa Material Passport da Alemanha exemplifica a inovação, fornecendo dados abrangentes sobre a reciclabilidade e a recuperabilidade dos materiais de construção. Este sistema aumenta a transparência e a eficiência da reutilização de materiais em projetos de construção.
- Avanços tecnológicos: O investimento da Suécia na digitalização e em técnicas de construção sustentável sublinha o papel crítico das tecnologias de informação no avanço da circularidade no setor. O programa Smart Built Environment exemplifica como as ferramentas digitais podem otimizar o uso de recursos e minimizar o desperdício.
- Desafios da força de trabalho: Os Países Baixos tentam superar os desafios demográficos através da promoção da construção inteligente e da inovação dos materiais, com o objetivo de aliviarem a escassez de mão de obra e de se adaptarem a uma força de trabalho envelhecida. Esta abordagem sublinha os benefícios multifacetados das práticas de economia circular, que vão além da sustentabilidade ambiental para abordar questões sociais e económicas.
Práticas exemplares de países líderes
Certos países distinguem-se através de implementações abrangentes e eficazes da economia circular. Alguns desses exemplos são os seguintes:
- Lei AGEC de França: A França promulgou a ambiciosa Lei Antirresíduos para uma Economia Circular, estabelecendo um modelo com medidas amplas que incluem todo o ciclo de vida do produto, incluindo resíduos de construção e demolição. Esta lei ilustra o potencial da ação legislativa para impulsionar a mudança sistémica no sentido da circularidade.
- A estratégia colaborativa de Espanha: España Circular 2030 mostra o foco de Espanha nas parcerias público-privadas para alcançar os objetivos da economia circular. A ênfase da estratégia nos contratos públicos ecológicos e no desenvolvimento de clusters de economia circular demonstra a importância de uma ação coesa em todos os setores da sociedade.
- Estratégia holística: Portugal adota uma estratégia holística com a sua iniciativa Portugal + Verde, reduzindo significativamente os resíduos e melhorando a recuperação de materiais na construção. A adoção de tecnologias inovadoras de reciclagem e a colaboração entre os setores público e privado destacam o compromisso de Portugal na integração dos princípios da economia circular.
- Plataforma CB’23 dos Países Baixos: Ao estabelecerem normas para a construção circular, os Países Baixos proporcionam um quadro claro para a indústria, facilitando a adoção de práticas circulares e incentivando a inovação no setor.
Com foco no impacto financeiro das estratégias de economia circular, os participantes apontaram para a necessidade de haver mais investigação para quantificar melhor o efeito nos custos e benefícios da construção.
Este exercício destacou áreas potenciais para melhoria e normalização, sugerindo que uma maior harmonização das políticas e regulamentações poderia facilitar uma transição mais suave para práticas de construção circulares em toda a Europa.
ANÁLISE CUSTO-BENEFÍCIO
Outro destaque das atividades da Ação COST CircularB foi a análise do custo-benefício da implementação de práticas de economia circular no setor da construção. Baseando-se num inquérito amplo, que reuniu 382 respostas válidas de um conjunto variado de intervenientes no ambiente construído, esta análise permitiu obter uma visão alargada das perceções dos diversos stakeholders acerca dos desafios e das oportunidades associados à transição para a economia circular.
Os entrevistados desempenhavam diversas funções essenciais na indústria da construção, cada um contribuindo com as suas próprias perceções sobre o cenário da economia circular.
- As empresas de construção relataram as experiências no terreno, partilhando as suas perspetivas sobre os impactos da economia circular nos processos e nos resultados de construção;
- Os gestores de projeto partilharam pontos de vista práticos sobre os desafios e as oportunidades apresentados pela economia circular, refletindo sobre as particularidades da sua implementação em projetos de construção;
- Os projetistas (arquitetos e engenheiros) relataram as perspetivas técnicas e criativas, destacando a integração dos princípios da economia circular no projeto de construção e nos processos de engenharia;
- Os fabricantes e os fornecedores de materiais destacaram a cadeia de fornecimento e as considerações sobre materiais essenciais para o sucesso da economia circular na indústria da construção;
- Os clientes e os investidores contribuíram com preocupações financeiras e estratégicas, enfatizando os aspetos económicos e de investimento da adoção da economia circular em projetos de construção;
- Os investigadores trouxeram uma abordagem holística, enriquecendo o estudo com as perspetivas académicas sobre práticas de economia circular e suas implicações mais amplas.
Este variado leque de participantes mostra o amplo interesse e o potencial impacto das práticas de economia circular em todo o setor da construção. Os principais resultados do estudo efetuado são apresentados de seguida.
Importância do envolvimento dos stakeholders
Reconhecendo a resistência à mudança do setor da construção, o estudo destaca a necessidade de integrar as diversas opiniões dos stakeholders. As barreiras financeiras são uma grande preocupação, com as empresas muitas vezes hesitantes em adotarem novas práticas devido aos potenciais custos associados. Esta hesitação salienta a importância de superar barreiras para promover a inovação e garantir a integração eficaz das práticas de economia circular.
Obstáculos financeiros e como superá-los
Analisando os custos associados à economia circular, o inquérito categoriza-os em desenvolvimento de mercado, métodos de medição, políticas e conhecimento, enfatizando a variação nos custos e benefícios em função das diferenças geográficas. O estudo evidencia que os principais desafios para a adoção de práticas de economia circular estão essencialmente relacionados com os substanciais investimentos iniciais necessários, tais como os associados às fábricas de processamento de resíduos e aos equipamentos de reciclagem.
Vantagens e desafios
Os benefícios da adoção da economia circular são significativos, variando desde a redução de resíduos e menores impactos ambientais até ganhos económicos, como novas oportunidades de negócio. No entanto, o estudo também identifica desafios como a qualidade dos materiais recuperados e a necessidade de novos métodos de conceção de produtos.
Sopesando custos e benefícios
Apesar dos desafios, a maioria dos entrevistados considera que, a médio prazo, os benefícios da economia circular superam significativamente os custos. Envolver os decisores e todas as partes interessadas em discussões transparentes sobre estes custos e benefícios é fundamental para o sucesso da implementação da economia circular.
Estudos futuros e recomendações de políticas
Com foco no impacto financeiro das estratégias de economia circular, os participantes apontaram para a necessidade de haver mais investigação para quantificar melhor o efeito nos custos e benefícios da construção. Além disso, os participantes também apontaram para a necessidade de serem desenvolvidas políticas concretas adaptadas às especificidades regionais, defendendo a produção interna nos países europeus, promovendo a reutilização otimizada de materiais e melhorias na gestão de resíduos.
Este estudo sobre o custo-benefício da implementação de práticas de economia circular no setor da construção, apoiado por dados de uma vasta gama de participantes em países do programa COST (membros e não membros da UE), apresenta argumentos convincentes para a adoção de princípios de economia circular.
Acelerando a Transição da Construção para a Economia Circular não é apenas o título do projeto; é um apelo à ação! É uma chamada para que todos os atores da indústria da construção, bem como da sociedade em geral, colaborem e inovem juntos na busca por um modelo mais sustentável e circular.
CONCLUSÃO
À medida que se avança para 2030, um marco definidor para as ambiciosas metas de desenvolvimento sustentável da ONU, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de ações concretas e imediatas em todos os setores. No setor da construção, esta década representa uma oportunidade crítica para alinhar práticas e políticas com os objetivos globais de sustentabilidade, visando não apenas mitigar os impactos ambientais adversos, mas também promover um desenvolvimento económico que seja inclusivo, resiliente e sustentável. A transição para a economia circular na construção emerge, portanto, não apenas como um imperativo ambiental, mas também como uma oportunidade económica imensa, constituindo-se como uma estratégia essencial para contribuir para esses objetivos globais, impulsionando transformações significativas no modo como se constrói e habita o nosso mundo.
Os esforços empreendidos até agora, destacados neste artigo, ilustram claramente o potencial de transformação da indústria da construção através da adoção de práticas de economia circular. A Ação COST CircularB, juntamente com outras iniciativas internacionais e nacionais em cada país, demonstra que, apesar dos desafios, a mudança é possível e já está em curso.
Acelerar esta transição, contudo, requer uma abordagem multifacetada que envolva a cooperação de todos os stakeholders – governos, indústrias, comunidade científica e sociedade civil. As barreiras financeiras, culturais e tecnológicas, embora significativas, não são intransponíveis. A chave para superá-las reside na inovação, nas políticas públicas incentivadoras, na educação para a sustentabilidade e, sobretudo, na vontade coletiva de agir para [alcançarmos] um futuro mais sustentável.
Os benefícios de uma transição bem-sucedida para a economia circular na construção são claros: redução dos impactos ambientais, maior eficiência e inovação, criação de novos empregos e de novos negócios, e promoção de um desenvolvimento económico mais resiliente e sustentável. No entanto, para que estes benefícios sejam plenamente realizados, é necessário um compromisso renovado e reforçado por parte de todos os envolvidos. É imprescindível que se continue a promover a investigação, a inovação e a colaboração transfronteiriça, bem como a implementação de políticas que apoiem efetivamente a economia circular.
Olhando para o futuro, é essencial que sejam desenvolvidas mais políticas concretas adaptadas às especificidades regionais, promovendo não apenas as melhorias significativas na gestão de resíduos, mas também a reutilização otimizada de materiais. Além disso, a continuação e expansão de estudos sobre o custo-benefício da economia circular na construção ajudarão a ilustrar ainda mais o seu valor e a incentivar a adoção de suas práticas.
Em conclusão, Acelerando a Transição da Construção para a Economia Circular não é apenas o título do projeto; é um apelo à ação! É uma chamada para que todos os atores da indústria da construção, bem como da sociedade em geral, colaborem e inovem juntos na busca por um modelo mais sustentável e circular. O momento para agir é agora e juntos podemos construir um futuro onde a economia circular na construção seja a norma, não a exceção.
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