Autores: Wenjuan WEI (1), Corinne MANDIN(1), Pawel WARGOCKI(2)
(1) Centro Científico e Técnico para a Construção (CSTB), França
(2) Centro Internacional Para a Energia e o Ambiente Interior, Departamento de Engenharia Civil, Universidade Técnica da Dinamarca (DTU)
Em que medida a inexistência de uma métrica padrão afecta a forma como a qualidade do ambiente interior é abordada durante uma reabilitação energética? O projecto ALDREN tentou responder a essa questão e propôs um índice.
Uma das limitações existentes para o avanço da qualidade ambiental interior (IEQ, na sigla em inglês) em edifícios consiste na falta de uma métrica comum ou de um conjunto de indicadores acordados para a IEQ. Wei et al. (2020) demonstrou que são utilizados quase 100 parâmetros distintos para monitorizar e exprimir a IEQ em diferentes padrões e esquemas de certificação a nível mundial. E, ainda assim, não foram ainda desenvolvidos quaisquer padrões, uniformizações e métrica acordada.
A renovação energética profunda (DER, na sigla em inglês) dos edifícios afecta intencionalmente ou não a IEQ. A DER, em consequência disso, poderá ter efeitos adversos resultantes em desconforto, maior risco para saúde ou redução da produtividade, factores esses que deverão ser detectados e imediatamente mitigados. Mas a DER poderá também oferecer benefícios quanto à melhoria do conforto, saúde e produtividade – benefícios que não são tidos em consideração quando são realizadas as análises de custo-benefício das renovações de edifícios. Uma conclusão justa será a de que a IEQ é incorrectamente abordada durante as renovações energéticas devido à falta desta métrica padrão.
O projecto ALDREN, consequentemente, desenvolveu um índice que permite a classificação da IEQ em edifícios em funcionamento que sejam submetidos a uma DER, assim como um método para a previsão da IEQ durante a concepção da DER (Wargocki et al., 2019a, 2019b, 2020). O primeiro chama-se ALDREN-TAIL, ou TAIL, o último chama-se PredicTAIL. Em ambos os casos, o TAIL descreve quatro componentes da IEQ, isto é, o ambiente térmico (T), o ambiente acústico (A), a qualidade do ar interior (I) e o ambiente luminoso (visual) (L), assim como a qualidade geral do ambiente.
Índice TAIL
O índice TAIL consiste em 12 parâmetros que descrevem a IEQ (Tabela 1). Os parâmetros são definidos com base numa análise dos indicadores de IEQ, de última geração, propostos pelos esquemas de Edifício Verde (GB, na sigla em inglês), normas europeias, projectos de investigação e publicações científicas (Wei et al., 2020). São também alinhados com os requisitos das normas que suportam a Directiva Relativa ao Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD).

Para cada parâmetro, são definidos quatro intervalos que descrevem os respectivos quatro níveis de qualidade alinhados com os níveis de qualidade incluídos na norma EN16798-1. Os quatro níveis de qualidade dos 12 parâmetros e os quatro componentes IEQ que definem o índice ALDREN-TAIL são representados por uma das quatro cores: verde, que representa um nível de qualidade alto; amarelo, que indica um nível de qualidade médio; cor de laranja para um nível moderado; e, finalmente, vermelho para um nível de qualidade baixo.

Figura 1. Nível TAIL de um edifício de escritórios.
A numeração romana indica o nível de IEQ geral, isto é, I, II, III e IV, correspondendo respectivamente aos níveis verde, amarelo, cor de laranja e vermelho (Figura 1). Os 12 parâmetros são determinados antes e depois da renovação energética através de medições em edifícios, observações (apenas o bolor visível), ou em simulações (apenas o factor da luz diurna).
Foi desenvolvido o protocolo detalhado para as medições. O nível de qualidade de cada componente do TAIL e o nível geral da IEQ são determinados através da qualidade mais baixa, de maneira a criar incentivos para a melhoria e não comprometer qualquer um dos componentes da IEQ.
Aplicação do TAIL em edifícios antes ou após a renovação energética
Com o projecto ALDREN, o TAIL foi aplicado em seis edifícios antes ou depois de serem reequipados, com o objectivo de ser determinada a qualidade do ambiente interior. Abaixo podemos ver o exemplo de algumas medições de um edifício de escritórios realizadas em Novembro de 2019.
De acordo com o protocolo de medição e o tamanho do edifício, foram seleccionados oito espaços representativos para as medições. Em cada um dos espaços, os parâmetros que definem o TAIL (Tabela 1) foram determinados; foram realizadas medições durante uma semana utilizando instrumentação on-line e amostras passivas. Para a temperatura, as medições foram realizadas ao longo de um mês. O factor de luz diurna foi modelado. Não existiam sinais visíveis de bolor.
Os valores medidos em cada ponto de medição durante o horário de trabalho foram comparados com os intervalos definidos (Wargocki et al., 2020), sendo depois determinados os seus valores de qualidade. O nível de qualidade de cada parâmetro que define o TAIL foi obtido através do cálculo da classificação interina (Interim rating) de cada um dos oito locais de medição:
no qual R representa a classificação para o nível de qualidade específico k (R = 1 para o nível verde, R = 2 para o nível amarelo, R = 3 para o nível cor de laranja e R = 4 para o nível vermelho); O representa o número de espaços observadas para o nível de qualidade específico k; k é o número de níveis de qualidade (k ≤ 4); n é o número total de espaços nos quais são realizadas as medições.
O nível de qualidade final de cada um dos quatro componentes TAIL ao nível do edifício foi determinado através da pior classificação interina para o ambiente térmico (T), ambiente acústico (A), qualidade do ar interior (I) e o ambiente luminoso (L). A classificação geral da IEQ foi determinada através do pior nível dos quatro componentes TAIL.
A Figura 1 demonstra o nível TAIL do edifício. O ambiente térmico do edifício (T) foi classificado ao nível amarelo já que a temperatura ambiente interior variava entre os 20 e os 24 °C durante mais de 94 % das horas de trabalho em 5 dos espaços. A qualidade ambiental térmica poderia ser melhorada para o nível verde caso a temperatura interior fosse reduzida para os 23 °C ao meio-dia. O ambiente acústico no edifício (A) foi classificado ao nível verde, devido ao facto de a pressão sonora ser inferior a 35 dB(A).
A qualidade do ar interior no edifício (I) foi classificada ao nível cor de laranja, acima de tudo devido ao facto das concentrações de CO2 medidas nos espaços excederem muitas vezes 1200 ppm e às elevadas concentrações de formaldeído. A qualidade do ar interior poderia ser melhorada através do aumento da taxa de renovação de ar nos espaços muito ocupados. O ambiente luminoso no edifício (L) foi classificado ao nível cor de laranja já que os factores de luz diurna média nos espaços seleccionados se situavam entre os 1,7 % e os 3 % e os níveis de iluminância medidos eram muitas vezes superiores a 500 lux à altura de uma mesa. O ambiente visual poderia ser melhorado através da renovação dos sistemas de protecção solar e a redução da iluminação artificial.
Nota:
Este projecto recebeu fundos do programa Horizonte 2020 da União Europeia para a investigação e inovação mediante o acordo de subvenção 754159. Os autores deste documento são exclusivamente responsáveis pelo seu conteúdo, que não reflecte necessariamente a opinião da Comissão Europeia (CE). A CE não é responsável por qualquer uso da informação nele contida.
Análise dos especialistas Francis Allard (FA), professor Emérito da Universidade de La Rochelle (França), e Stylianos Kephalopoulos (SK), Comissão Europeia, Direção-Geral do Centro Comum de Investigação
Existe a necessidade de um indicador IEQ? Se sim, por que motivo?
FA: A iniciativa ALDREN é, sem dúvida, muito promissora. Possuirmos um indicador abrangente da qualidade do ambiente interior corresponde a uma preocupação real de todos os profissionais na procura de uma avaliação completa da qualidade de um edifício. A avaliação completa das condições gerais de conforto e saúde no interior é necessária para avaliar a qualidade de utilização do edifício, a definição de um primeiro indicador agregado ainda que este não integre todos os aspectos da IEQ, é de certa forma um progresso real.
SK: Os indicadores IEQ e outros requisitos e critérios baseados na saúde são destacados em várias políticas e instrumentos legislativos relacionados com a construção (ex. revisão da EPBD, Regulamento dos Produtos de Construção, normas europeias e regulamentos nacionais, etc.). No entanto, um grande obstáculo para a integração de estratégias de IEQ e de energia no design e na optimização dos edifícios consiste na falta de uma métrica quantitativa e comum para a IEQ, apesar de as definições a nível mundial geralmente concordarem com os principais componentes que contribuem para a IEQ dos edifícios e de a IEQ ser considerada nos esquemas de GBC existentes. Como tal, não existe necessidade de um indicador IEQ comummente definido e aceite na UE e no mundo.
O TAIL dá resposta a esta necessidade? Porquê? Quais benefícios do TAIL?
FA: Na minha opinião, o TAIL dá resposta a esta necessidade. De maneira a ser eficiente e utilizado por profissionais, os indicadores IEQ têm de ser o mais completos possível, construídos sobre uma base científica sólida e simples de compreender. Já dispomos de muitos indicadores de qualidade ambiental utilizados pelos métodos de avaliação de qualidade ambiental em todo o mundo, mas todos eles se baseiam numa longa lista de indicadores individuais, tornando difícil a obtenção de uma visão clara da qualidade geral. Para mim, o método TAIL dá resposta a esta necessidade.
SK: O TAIL encontra-se entre os indicadores de IEQ, índices e ferramentas, recentemente revistos pelos serviços da CE (DG ENER e DG JRC) no que toca ao seu potencial uso no processo de integração de dados da IEQ no Observatório do Edifício da UE. O TAIL foi desenvolvido como resultado de um extenso processo de análise, que pode ser considerado uma referência para a selecção de parâmetros e para o desenvolvimento de indicadores IEQ comummente utilizados em edifícios com desempenho energético. Além disso, cumpre com os principais esquemas de certificação, EN16798-1 e Nível(is). Como tal, o método TAIL pode ser directamente utilizado no processo de definição e aplicação de uma métrica IEQ comum na abordagem os edifícios da UE.
Acredita que o TAIL seria aceite pelos profissionais da construção?
FA: É sempre muito difícil prever a aceitação de um método ou de um conceito. No entanto, o TAIL é bastante apelativo devido à sua aparente simplicidade. É completo, simples de entender e eficiente na abordagem global à avaliação da qualidade ambiental interior. Penso que será facilmente aceite pelos nossos profissionais.
SK: O TAIL tem o potencial de atrair o interesse de investidores na IEQ assim como dos profissionais de construção, já que pode ser determinado com pequenas extensões ao protocolo de medição no decorrer da certificação do edifício utilizando os Esquemas de Certificação de Sustentabilidade e de Edifício Verde. O TAIL encontra-se entre os melhores conceitos e métodos de IEQ revistos pela CE que apresentam um elevado grau de acessibilidade e uso abrangente para os utilizadores finais, no entanto, necessita de validação antes de poder ser efectivamente aplicado para além da finalidade para o qual foi desenvolvido e após uma avaliação de viabilidade e flexibilidade da sua aplicação em variadas escalas (local, nacional, UE), tipologias de edifícios e objectivos de avaliação.
Qual será o próximo passo no desenvolvimento do TAIL?
FA: O TAIL necessita de ser testado em diferentes tipos de edifícios (escritórios, residenciais, escolas, etc.) numa ampla variedade climática. Os protocolos de teste têm de ser cuidadosamente avaliados para fortalecer o método e os limites de um indicador IEQ tão completo têm de ser claramente indicados. Só depois disso é que o indicador poderá ser facilmente utilizado na avaliação de projectos de reabilitação. A maioria destes projectos concentra-se principalmente no desempenho energético e será um verdadeiro benefício a inclusão deste indicador IEQ.
SK: O futuro desenvolvimento do TAIL deverá ser impulsionado pela necessidade de definir e aplicar um indicador IEQ uniforme ao nível da UE a um custo acessível, para avaliar a IEQ em edifícios com desempenho energético através de uma abordagem equilibrada e complementar de uma avaliação objectiva (isto é, via medições) e subjetiva (isto é, IEQ percebido) que considera os seguintes aspectos: variação dos parâmetros de IEQ ao longo do tempo (ex. variação ao longo de um ano, ou em diferentes épocas); flexibilidade de aplicação ao longo de distintas tipologias de edifícios e distintos objectivos de avaliação; a necessidade de ajuste dos parâmetros de IEQ e o seu peso de acordo com os diferentes contextos nacionais e especificidades dos EM da UE.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Rehva Journal, aqui reproduzido com as devidas autorizações e adaptações.
As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.