Autores: Jorge Fernandes, Ricardo Mateus, Helena Gervásio, Sandra Monteiro Silva, Manuela Almeida
Universidade do Minho. Doutoramento financiado pela FCT (PD/BD/113641/2015)
Para reduzir as necessidades energéticas dos edifícios é necessário dar primazia aos sistemas passivos. As estratégias de aquecimento passivo da arquitetura vernácula podem ser uma solução.
A construção é um dos maiores e mais ativos setores da economia mundial, tendo um impacte significativo na economia, no uso de energia e nas emissões de gases de efeito de estufa. Assim, é também um setor estratégico para a implementação de medidas de aumento da eficiência energética e de fomento da utilização de energia de fontes renováveis. A União Europeia (UE) está comprometida com estas medidas e em descarbonizar o parque edificado até 2050, entre outras, através da conversão do edificado existente em edifícios com balanço energético quase nulo (nZEB).
Nesse sentido, a Diretiva (UE) 2018/844 (EPBD), relativa ao desempenho energético dos edifícios e à eficiência energética, refere que é importante assegurar que as medidas destinadas a melhorar o desempenho energético dos edifícios não se concentrem apenas na sua envolvente, mas incluam todos os elementos e sistemas técnicos relevantes, nomeadamente as estratégias passivas que visam reduzir as necessidades energéticas para aquecimento/arrefecimento, iluminação e ventilação, e consequentemente melhorar a qualidade do ambiente interior. Na Diretiva, é também realçada a necessidade de promover a investigação de soluções capazes de melhorar o desempenho energético dos edifícios, assegurando concomitantemente a proteção e a conservação do património cultural.
Para melhorar o desempenho dos edifícios, é assim necessário reduzir a importância dos sistemas ativos, que têm uma influência significativa nos impactes de ciclo de vida dos edifícios, e dar primazia à forma arquitetónica (adequada ao clima) e aos sistemas passivos.Neste âmbito, a arquitetura vernácula é um tipo de construção que importa analisar, uma vez que as estratégias desenvolvidas para responder às exigências climáticas locais possuem um funcionamento passivo, baixo índice tecnológico e não dependem de energia fóssil para operar, o que as torna particularmente adequadas para aplicações em edifícios contemporâneos, principalmente no projeto de edifícios passivos. Neste artigo, pretende-se apresentar os resultados preliminares do estudo sobre a influência das varandas envidraçadas, como exemplo de estratégia de aquecimento passivo, no conforto térmico de dois edifícios vernáculos do norte de Portugal.
A IMPORTÂNCIA DAS TÉCNICAS PASSIVAS PARA O CONFORTO TÉRMICO E EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
No passado, devido à carência de tecnologia para usar as diversas fontes de energia disponíveis, os edifícios eram construídos usando estratégias passivas para reduzir o desconforto térmico. Essas estratégias, simples e engenhosas, baseavam-se nos recursos disponíveis decorrentes das características geográficas e climáticas locais (insolação, geologia, materiais, etc.).
A relação entre o ambiente construído e o ambiente natural é de primordial importância no desempenho termo-energético dos edifícios. Diversos estudos quantitativos realizados a nível nacional e internacional têm demonstrado que os edifícios vernáculos podem ter níveis de conforto térmico aceitáveis durante a maior parte do ano, apenas por meios passivos. Em alguns desses estudos, os edifícios vernáculos apresentaram melhor desempenho do que as construções correntes, embora várias das suas soluções construtivas não cumpram os requisitos mínimos regulamentares para a qualidade térmica da envolvente. Estes resultados mostram que as estratégias passivas podem influenciar positivamente o desempenho termo-energético dos edifícios, tendo viabilidade no contexto atual para a redução das necessidades de energia para climatização.
No caso específico das varandas envidraçadas, esta estratégia passiva tem um grande potencial no contexto atual para melhorar o desempenho energético de edifícios situados em climas frios. A título de exemplo da utilização desta técnica na construção contemporânea, refere-se o conhecido caso europeu de reabilitação energética, levada a cabo em 2008, no complexo residencial de Dornbirn (1980)[1], Áustria, onde a inclusão deste tipo de solução nas fachadas a sul, em conjugação com outras medidas de melhoria, contribuiu para reduzir de forma significativa os custos de energia para aquecimento, aumentar a área útil das frações e melhorar esteticamente o aspeto exterior dos edifícios.
ESTRATÉGIAS DE AQUECIMENTO PASSIVO: AS VARANDAS ENVIDRAÇADAS
No interior norte de Portugal, para responder a um clima de invernos rigorosos, a arquitetura vernácula desenvolveu estratégias específicas de mitigação. As varandas envidraçadas, típicas da região norte e em particular da Beira Alta (Fig. 1), enquadram-se nas técnicas passivas descritas.
A arquitetura beirã assenta numa boa exposição solar com vista a maximizar os ganhos de calor durante a estação fria. As varandas são normalmente bem orientadas entre sul e poente, quadrante que, durante o inverno, recebe o maior número de horas de sol com a radiação mais intensa, sendo também o mais abrigado dos ventos dominantes. Posicionam-se sempre nos pisos superiores, para uma melhor exposição solar, e funcionam como um sistema de ganhos indiretos (estufa), aquecendo os espaços adjacentes. Por ser um elemento adossado e estar fisicamente separado dos espaços interiores das habitações, permite em simultâneo captar os ganhos solares e reduzir as perdas de calor.
Nas situações em que os ganhos de calor sejam indesejáveis, como no verão, o espaço da varanda (através da abertura das suas janelas) pode promover a ventilação natural para arrefecimento e atuar como um dispositivo de sombreamento (das paredes interiores e das inferiores) (Fig. 2). Adicionalmente, tendo em consideração os baixos níveis de luz natural e de conforto em muitos destes edifícios, as varandas, para além da extensão do espaço útil do edifício, eram tradicionalmente espaços privilegiados para se trabalhar, desfrutando do calor do sol e de luz natural, particularmente nos dias de inverno.
Embora as varandas sejam a técnica passiva mais relevante deste tipo de edifícios, estavam frequentemente associadas a outras estratégias (ex. reduzir as perdas de calor com coberturas de colmo e baixo fator de forma; elevada inércia térmica; ou aproveitamento do calor dos animais recolhidos nas cortes do piso térreo), e a sua conjugação visava melhorar o desempenho térmico final. O leque de estratégias realça as parcas condições de vida e a necessidade de compreender e usar os recursos disponíveis para mitigar o frio. No entanto, é necessário o estudo quantitativo sobre a eficácia destas estratégias, particularmente das varandas envidraçadas, e o seu impacte no conforto térmico dos edifícios desta região.
INFLUÊNCIA DAS VARANDAS NO CONFORTO TÉRMICO
Na região da Beira Alta, para compreender a influência das varandas nas condições de conforto térmico, encontram-se a ser monitorizados dois casos de estudo (Fig. 1), localizados nos concelhos de Tabuaço e Tarouca. Os dois casos são representativos da arquitetura vernácula da região, mantendo os elementos construtivos bem preservados e próximos dos originais e, em ambos, as varandas envidraçadas, com estrutura em madeira, estão orientadas para o quadrante sul. No caso de Salzedas, Tarouca, destacam-se os dois níveis de aberturas da varanda envidraçada, portadas em madeira na zona inferior e janelas de guilhotina na zona superior, para maximizar as condições de ventilação durante o verão.
Nos locais em estudo, a temperatura média de inverno varia entre os 7.5-10º C, e a de verão entre 22.5-25º C. O inverno é a estação mais rigorosa, com a média das temperaturas máximas <15º C, a média das mínimas de 5º C, e com 20-40 dias com temperaturas mínimas ≤ 0º C. A insolação é da ordem das 2300 horas/ano. Deste modo, as estratégias passivas utilizadas incidem principalmente no aproveitamento dos ganhos solares e na redução das perdas de calor durante os meses de inverno.
Nas monitorizações realizadas, e usando como exemplo o edifício de Salzedas, verifica-se que, no inverno, a temperatura interior na varanda em dias soalheiros apresentou picos de ± 25º C, chegando a atingir 28º C, sendo em média cerca de 10º C superior ao registado no exterior (Fig. 3). Nesta estação, comparando os perfis de temperatura dos vários espaços, verifica-se que os ganhos de calor na varanda são significativos. Devido à falta de controlo da ventilação e insuficiência de isolamento das envolventes, as perdas noturnas são acentuadas. No verão, a varanda superou frequentemente os 30-35º C, próximo dos valores registados no exterior, enquanto as duas salas registaram valores inferiores e a rondar ± 25º C (Fig. 3). A falta de ventilação da varanda durante o verão, para dissipar o calor, originou ocorrências diárias de sobreaquecimento.
Na avaliação de conforto térmico, usando um modelo de conforto adaptativo, ajustado ao contexto português e o mais adequado para edifícios ventilados naturalmente, os resultados para o inverno mostram que, nos espaços junto às varandas, existem condições próximas do limite inferior da zona de conforto (Fig. 4).
No entanto, os ganhos de calor pela varanda ajudam a reduzir as necessidades de aquecimento e, dependendo dos dias, é possível atingir valores de temperatura >18º C, apenas por meios passivos (Fig. 2). De verão, a temperatura operativa nestes espaços está no limite superior da zona de conforto. Em ambos os casos de estudo, as salas localizadas nos pisos inferiores, sem contributo das varandas envidraçados, registam valores de temperatura operativa menores do que os compartimentos junto às varandas envidraçadas. A ação dos ocupantes, nomeadamente para promover a ventilação de verão, teria contribuído positivamente para a melhoria das condições de conforto térmico dos espaços junto às varandas.
Da análise dos resultados obtidos, foi possível verificar que estes não expressam um desempenho otimizado do funcionamento e do potencial das varandas. As trocas constantes de calor por convecção entre a varanda e o espaço adjacente, sem que fosse operado o fecho ou abertura de janelas para reduzir (inverno) ou promover (verão) as perdas de calor, respetivamente, impediu um desempenho otimizado do funcionamento e do potencial das varandas. Neste contexto, apesar de as condições de conforto estarem dentro dos limites no verão e próximo no inverno, é de salientar que a ação dos ocupantes teria contribuído positivamente para a melhoria do desempenho e das condições conforto térmico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados mostram o potencial do contributo das varandas envidraçadas na redução das necessidades de energia para aquecimento, com ganhos de calor significativos nos dias soalheiros, atingindo picos de temperatura cerca de 10º C acima dos registados no exterior. Contudo, as condições de conforto nos edifícios estudados são penalizadas pelo insuficiente isolamento térmico da envolvente e/ou por falta de ação dos ocupantes para controlar as trocas de calor por convecção, pelo que a otimização de ambos melhoraria os resultados.
No entanto, é necessário avaliar o balanço energético anual deste tipo de edifícios por forma a testar soluções que melhorem o desempenho e deem cumprimento aos requisitos legais e que, simultaneamente, respeitem e preservem as técnicas passivas tradicionais. Através da aplicação deste tipo de técnicas passivas, será possível dar resposta ao preconizado na Diretiva (UE) 2018/844, contribuindo para atingir níveis de eficiência energética correspondente aos nZEB e, consequentemente, reduzir as emissões de carbono e a pobreza energética das famílias.
A falta de conhecimento das vantagens desta estratégia passiva, associada à rejeição e desvalorização das técnicas tradicionais, a sua má aplicação com materiais descontextualizados, em orientações desfavoráveis ou até mesmo a sua destruição, prejudicam o conforto térmico dos edifícios e a essência arquitetónica deste tipo de construção. A integração das técnicas tradicionais locais com a modernidade, conjugando as potencialidades tecnológicas atuais, pode ser um dos caminhos possíveis para se alcançar edifícios com elevado desempenho energético.
Mais informações em www.rever.pt
REFERÊNCIAS
[1] Grünewald, S. and Rottensteiner, S. (no date) Apartment buildings in Dornbirn AT. Available at: https://www.iea-shc.org/Data/Sites/1/
publications/task37-160-Dornbirn.pdf.
As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.