Autores: Luís Coelho, Centro de Investigação em Energia e Ambiente (CINEA) do Instituto Politécnico de Setúbal

 

O projeto europeu TEESe2b propõe soluções inovadoras para a climatização de edifícios residenciais com base em armazenamento térmico, contribuindo, assim, para a descarbonização do aquecimento. Em Portugal, a iniciativa foi desenvolvida pelo Instituto Politécnico de Setúbal.

O Instituto Politécnico de Setúbal (IPS) tem vindo a colaborar em vários projetos europeus de investigação e desenvolvimento há cerca de 20 anos, na área de energia. Esta experiência acumulada permitiu ao IPS coordenar o projeto Europeu TESSe2b, cujo título é “TESSe2b, uma solução inovadora para climatização de habitações baseada em armazenamento de energia térmica e energias renováveis”. O projeto TESSe2b foi financiado em 4,3 milhões de euros pelo programa Horizonte 2020, com início em outubro de 2015 e com uma duração de quatro anos (www.tesse2b.eu). O projeto finalizou com sucesso em setembro de 2019.

O objetivo principal foi projetar, desenvolver, validar e demonstrar um sistema modular e de baixo custo da tecnologia de armazenamento térmico baseado em coletores solares e bombas de calor altamente eficientes para aquecimento, arrefecimento e produção de água quente sanitária (AQS). Pretendeu-se, assim, contribuir para o aumento da eficiência energética em edifícios, aumentar a contribuição das de fontes de energia renováveis e promover soluções avançadas de armazenamento de energia térmica (TES).

Contributo do TESSe2b para a descarbonização

A União Europeia estabeleceu o limite de 2050 para atingir a descarbonização total dos sistemas energéticos. O sector dos edifícios enfrenta, assim, um desafio enorme que é alinhar nesse objetivo da descarbonização total dos seus sistemas energéticos nomeadamente nos sistemas de AVAC e produção de águas quentes sanitárias (AQS). Este desafio é ainda acrescido pelo facto de que, nesses anos, a construção de edifícios novos corresponder apenas a cerca de 10 % da totalidade dos edifícios. Deste modo, será necessário desenvolver soluções que sejam relativamente fáceis de implementar em edifícios existentes, tendo em conta todas as suas limitações.

A meta da descarbonização total dos edifícios passa por dois vetores fundamentais: o aumento da eficiência energética dos edifícios através da diminuição das necessidades energéticas utilizando envolventes térmicas mais eficientes e técnicas passivas de climatização, bem como o aumento da eficiência energética dos sistemas ativos e o aumento da contribuição das fontes renováveis quer ao nível do edifico, quer em redes de distribuição de frio e calor. É reconhecido que as soluções de armazenamento de energia térmica terão um papel importante nestes dois vetores, contribuindo para o aumento da eficiência energética dos sistemas de aquecimento, arrefecimento e de preparação de AQS, bom como para o aumento da contribuição das fontes de energia renováveis.

No recente documento, de setembro de 2019, “2050 vision for 100 % renewable heating and cooling in Europe”, publicado pela The European Technology and Innovation Platform on Renewable Heating and Cooling (RHC-ETIP), que é a instituição oficialmente endossado pela Comissão Europeia, visando desempenhar um papel decisivo na maximização de sinergias e no fortalecimento dos esforços em investigação, desenvolvimento e inovação tecnológica, que consolidarão a posição de liderança da Europa nos setores da climatização, é referido o seguinte: “O TES é um facilitador essencial para se atingir 100 % de fontes de energia renováveis no aquecimento, arrefecimento e AQS nos edifícios, permitindo a utilização ideal de uma combinação de diferentes FER [fontes de energia renovável] ao longo de um dia ou até de um ano. A hibridação e o armazenamento de calor podem atenuar significativamente os problemas relacionados à intermitência das variáveis FER, como o aquecimento solar. Portanto, o aumento do foco no armazenamento térmico é extremamente importante”.

Fig. 01: Esquema hidráulico do sistema.

Verifica-se, assim, a grande importância e pertinência que o projeto TESSe2b tem relativamente ao desenvolvimento futuro de soluções energéticas para os edifícios.

A Figura 01 mostra o esquema hidráulico, no qual se podem identificar os vários componentes do sistema. No canto inferior direito, estão representados os equipamentos terminais, neste caso, ventilo-convetores. No entanto, o sistema pode ser ligado a qualquer tipo de equipamentos terminais, tais como pavimentos radiantes, paredes e tetos arrefecidos, convetores de baixa temperatura e ainda a unidades de tratamento de ar. Pode também observar-se, na parte superior, a meio, a alimentação de AQS para o edifício. Para satisfazer estes consumos de energia, recorre-se a duas fontes renováveis: solar térmico (os coletores solares térmicos apresentam-se representados no canto superior esquerdo) e energia geotérmica (a bomba de calor e os respetivos furos geotérmicos se encontram representados no canto superior direito). Entre as fontes renováveis de energia e os consumos, encontra-se o sistema de armazenamento térmico de energia, onde se pode observar a existência de um tanque responsável pelo armazenamento para preparação de A.Q.S. (DHW_PCM), quatro tanques para aquecimento ambiente (HPCM) e dois tanques para arrefecimento ambiente (CPCM).

Como o armazenamento térmico é baseado no calor latente (fase sólida – fase líquida), são utilizados, nestes tanques, materiais de mudança de fase (PCM – Phase Change Materials). Para os níveis de temperatura utlizados nos sistemas de AVAC, os PCMs mais adequados são os materiais orgânicos, essencialmente parafinas e os materiais inorgânicos, essencialmente sais hidratados. A escolha de um deles em detrimento do outro depende das aplicações, não havendo um que seja genericamente mais vantajoso do que o outro. Os sais hidratados têm a vantagem de serem mais baratos, terem valores de condutividade térmica superiores, em geral, o dobro dos valores das parafinas, e apresentam também maiores valores de calor latente.

No entanto, estes apresentam desvantagens importantes. Como o processo de troca de calor se baseia em processos de hidratação e desidratação, caso as condições de operação não sejam adequadas, o seu tempo de funcionamento ou número de ciclos de operação pode reduzir-se significativamente. Por sua vez, os sais hidratados têm um poder corrosivo bastante elevado, pelo que a sua utilização em contato com as partes metálicas de permutadores de calor poderá ser limitado. Existe ainda outro problema que é o facto de alguns sais hidratados apresentarem sub-cooling, tornando, por vezes, a sua aplicação impossível em processos em que o intervalo de temperaturas de operação é pequeno. As parafinas são mais caras, têm valores inferiores de condutividade térmica e de calor latente, mas apresentam uma grande longevidade, não apresentam problemas significativos de sub-cooling e não são corrosivos.

No caso do projeto TESSe2b, foram desenvolvidas soluções para os dois tipos de PCMs, parafinas e sais hidratados. Após vários estudos para selecionar os PCMs mais adequados para cada aplicação, foram selecionadas as seguintes parafinas: tanque de A.Q.S (DHW-PCM), com mudança de fase a 53ºC, tanque de aquecimento ambiente (HPCM) com mudança de fase a 44ºC e tanque de arrefecimento ambiente (CPCM) com mudança de fase de 9ºC. Para a solução de sais hidratados, foram selecionados sais com os mesmos valores de temperatura de mudança de fase, excepto para o tanque DHW-PCM, para o qual foi selecionado um sal hidratado com mudança de fase a 58ºC. É de referir que, neste sistema, não há armazenamento de água quente, a produção de AQS é instantânea, não havendo problema de legionella, sendo esta mais uma vantagem do sistema TESSe2b.

De forma a otimizar os tanques de PCM e os restivos permutadores de calor imersos no PCM, foram desenvolvidos vários estudos de simulação numérica por Análise de Elementos Finitos (FEA) para a parte estrutural dos tanques e por Mecânica de Fluidos Computacional (CFD) para a otimização dos permutadores de calor. Estes são permutadores compactos de tubos em cobre e alhetas em alumínio. Os tanques são construídos em polipropileno e os de aquecimento e de de AQS foram revestidos por uma camada protetora em resina epoxy para prevenir o polipropileno de ser atacado pelas parafinas de maior temperatura. Foram fabricados pre-protótipos que foram testados e validados em laboratório e, posteriormente, foram fabricados os protótipos a instalar nos edifícios de demostração para serem validados e demonstrados em condições reais de funcionamento. Cada tanque tem um volume de 160 litros, baseado no volume do permutador de calor e foram desenhados para serem utlizados de forma modular sendo instalado o número apropriado de tanques para cada caso. A Figura 02 mostra um tanque desenhado para as parafinas.

Fig. 02: Tanque desenhado para as parafinas.

Para os tanques de sais hidratados, tiveram de ser resolvidos dois problemas: a estabilidade e a corrosão. Para garantir a estabilidade, foram construídos pequenos tanques estanques ao ar e com uma altura de 50 mm, com o permutador no seu interior. Assim, cada unidade de armazenamento é constituída por 12 pequenos tanques. Para resolver um problema da corrosão, foi desenvolvido um pequeno filme protetor em nitrato de alumínio, que, para além de assegurar a proteção contra a corrosão, não teve qualquer implicação negativa na resistência térmica nas paredes dos tubos e alhetas.

Demonstração

Na fase final do projeto a solução TESSe2b, foi instalada, validada e demonstrada em três habitações localizadas na Áustria, Chipre e Espanha. A Figura 03 mostra o espaço técnico do demo site em Espanha onde se identificam os sete tanques de PCM.

Fig. 03: Demo site em Espanha, com sete tanques de PCM.

A análise de custo-benefício da solução TESSe2b foi realizada com base na análise de dados de monitorização dos demo sites e recorrendo a simulações numéricas. Os valores indicativos da redução do consumo primário de energia variam de 80 % a 90 %, com base em sistemas convencionais para os locais de demonstração e para os dados climáticos específicos dos locais de demonstração. Os sistemas convencionais de referência foram baseados em caldeira a gás para aquecimento e AQS para Áustria e caldeira a gás para aquecimento ambiente e apoio de preparação de AQS ao solar térmico e unidades individuais tipo slipt para arrefecimento ambiente para Chipre e Espanha. Considerando as despesas de capital e as despesas operacionais do sistema convencional e do sistema TESSe2b para os sites de demonstração, os valores indicativos do período de retorno simples variam de 8,7 a 9,8 anos.

As frações solares para aquecimento e AQS obtidas foram de 15,8 % para Áustria, 42,3 % para Chipre e 37,1 % para Espanha. A produção de energia térmica para aquecimento foi desviada para o período noturno (menores tarifas elétricas) na percentagem de 41,5 % e 44,8 %, para Áustria e Chipre, respetivamente. No caso de Espanha, devido à particularidade da sua envolvente térmica e condições climáticas, o desvio foi desprezável. Em relação à produção de energia térmica para arrefecimento, foi desviada para o período noturno (tarifas elétricas mais baixa) na percentagem de 30,3 % e 95,3 %, para Chipre e Espanha respetivamente. Na Áustria, utiliza-se free-cooling através da permuta geotérmica.

Outras inovações tecnológicas foram desenvolvidas no projeto, tais como a utilização de PCMs de forma encapsulada, nos permutadores de calor enterrados do sistema das bombas de calor geotérmicas, com o objetivo de aumentar a sua eficiência energética e soluções baseadas em nano partículas adicionadas às parafinas para aumentar a sua a condutibilidade térmica. De forma a tirar o máximo partido da solução integrada, foi desenvolvido um sistema de controlo inteligente permitindo otimizar o funcionamento do sistema TESSe2b, tendo também em conta os hábitos dos habitantes e a previsão meteorológica.

Neste momento, está a decorrer o processo de submissão de duas patentes e estão a decorrer contatos com empresas que tenham interesse em colocar no mercado as soluções do projeto.

Este projeto recebeu financiamento do programa de investigação e inovação Horizonte 2020 da União Europeia, contrato nº 680555. Este artigo reflete apenas a opinião do autor e a Comissão Europeia não é responsável por qualquer uso que possa ser feito das informações nele contidas.

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.