Dificilmente se poderá eleger um edifício onde a ciência e a técnica sejam tão importantes como o cuidado e conforto dos ocupantes. Num hospital contemporâneo, estes dois vetores têm de coexistir, sendo determinante atingir esse objetivo com o máximo de eficiência possível, quer de recursos humanos, quer de equipamentos e energia. Não só pelo elevado grau de exigência de toda a equipa técnica de um hospital – direção, médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, técnicos de manutenção, pessoal auxiliar –, mas essencialmente pelos próprios doentes e também pelos requisitos legislativos que já vigoram e que se anteveem virem a ser ainda mais exigentes. Os Sistemas de Automatização e Controlo dos Edifícios – SACE – são imprescindíveis para garantir a eficiência energética e o conforto dos ocupantes num hospital moderno.
A diretiva comunitária 2018/844 do Parlamento Europeu e do Conselho de 30 de maio de 2018, relativa ao desempenho energético dos edifícios (EPBD), veio reforçar a importância dos SACE como instalação técnica indispensável para se atingirem as necessidades quase nulas de energia nos edifícios (NZEB), mas também para garantir os melhores níveis de conforto dos ocupantes desses mesmos edifícios.
Se, durante algumas décadas, o conforto dos ocupantes foi visto como sinónimo de gastos energéticos e, portanto, a eficiência energética foi encarada como inimiga do conforto, a diretiva 2018/844 veio desmistificar esta ideia. Ao propor a adoção do indicador de aptidão para tecnologias inteligentes dos edifícios – Smart Readiness Indicator (SRI), baseado “na avaliação das capacidades de um edifício ou de uma fração autónoma para adaptar o seu funcionamento às necessidades dos ocupantes e à rede e para melhorar a sua eficiência energética e o seu desempenho global”, torna-se claro que as necessidades dos ocupantes não podem ser colocadas em causa para se atingir o objetivo da poupança energética. Um edifício terá um SRI tanto maior, quanto maior for o binómio “conforto dos ocupantes – eficiência energética”. Embora não se preveja, no imediato, a transposição para a legislação portuguesa da adoção obrigatória de um SRI mínimo para cada tipo de edifício, torna-se claro que o grande desafio colocado aos SACE em qualquer edifício, mas, de forma evidente, num hospital, é exatamente garantir o máximo de conforto dos ocupantes com o máximo de eficiência energética.
A diretiva define como facultativa a adoção pelos vários Estados-membros do SRI e, de acordo com informação que tem sido disponibilizada quer pelos organismos portugueses, quer pelas instituições europeias, será alvo de regulamentação a publicar posteriormente. Este deferimento na definição deste indicador e consequente transposição para a legislação dos vários estados da União deve-se a dificuldades práticas em encontrar uma metodologia aplicável de forma uniforme nos vários países, mas sobretudo à necessidade de garantir que essa mesma metodologia seja “simples, transparente e facilmente compreensível para os consumidores, proprietários, investidores e participantes no mercado de resposta à procura” (cf. ANEXO I-A da EPBD).
Existe um estudo bastante aprofundado com uma proposta de metodologia a adotar para se obter o SRI (pode ser consultado em https://smartreadinessindicator.eu/)e que basicamente avalia o impacto que dez domínios técnicos têm em oito critérios.
Independentemente da maior ou menor complexidade da metodologia que venha a ser proposta pela União Europeia para a obtenção do SRI, considero de extrema importância a implementação futura deste indicador no mercado nacional, não apenas como método de classificação dos SACE, mas também como metodologia que permita garantir a aplicação de requisitos mínimos desses mesmos sistemas para cada tipo distinto de edifício. Como referido anteriormente, num edifício hospitalar, o valor mínimo obrigatório do SRI deverá ser superior ao de um edifício de escritórios ou de um edifício comercial.
“Os hospitais deste surpreendente século XXI são chamados a expressar um novo humanismo. Procurando colocar em diálogo elementos que têm estado desligados: a excelência médica e a excelência de humanidade que se possa viver, o olhar integral à pessoa humana (que é corpo, mas também espírito, sentimento, emoções…), o exercício da ciência e o sentido de beleza, a funcionalidade dos espaços e a relação com a natureza.”
José Tolentino de Mendonça in Expresso 09 Abril 2021
Novo Enquadramento Legislativo
Embora ainda não se conheçam [à altura da redação deste artigo] os conteúdos das Portarias que irão dar suporte técnico à diretiva comunitária, da sua transposição para a legislação portuguesa através do Decreto-Lei n.º 101-D/2020 de 07 de dezembro, transparece com toda a clareza o aumento de importância que o legislador atribui aos SACE (a sigla surge nove vezes e a palavra automatização seis), dedicando-lhes na íntegra o Artigo 13º. Na anterior legislação, ainda em vigor até 30 de Junho de 2021, os Sistemas de Regulação Controlo e Gestão Técnica surgiam com algum destaque – Ponto 10 do Anexo I da Portaria n.º 349-D/2013 (RECS) – mas a inclusão no recente Decreto-Lei destes sistemas técnicos é reveladora da sua maior importância e merece uma análise detalhada no que diz respeito aos grandes edifícios, onde se incluem os hospitais, permitindo perspetivar quais serão os requisitos a adotar na próxima década.
Dos Pontos 4 (alínea v), 5 (alínea e) e 11 (alínea h) do Artigo 6º – Edifícios Novos – julgo não restarem dúvidas de que, para os edifícios de comércio e serviços, os SACE deverão ser objeto de Projeto de Licenciamento. É muito importante que, tal como acontece com os projetos de outros sistemas técnicos, estes passem a ser exigidos pelos serviços municipais no momento de licenciamento deste tipo de edifícios.
Ainda de acordo com o mesmo Artigo 6º, e tal como já acontece no presente quadro legislativo, mantém-se a obrigatoriedade de Projeto de Execução de acordo com a Portaria n.º 701 -H/2008, de 29 de julho.
Os autores dos projetos dos SACE deverão ser elaborados por engenheiros ou engenheiros técnicos que detenham qualificação adequada à natureza, complexidade e dimensão do projeto em causa, e que sejam reconhecidos pela Ordem dos Engenheiros e pela Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos.
Obrigatoriedade da instalação até 31 de dezembro de 2025 de SACE em todos os edifícios de comércio e serviços que disponham de sistemas de aquecimento ou de sistemas de arrefecimento ou de sistemas combinados de aquecimento e ventilação ou de sistemas combinados de arrefecimento e ventilação com uma potência nominal global igual ou superior a 290 kW, conforme Ponto 3 do Artigo 13º.
Esta obrigatoriedade entra em vigor já em 01 de julho de 2021 e aplica-se a todos os edifícios – novos e existentes –, o que irá desafiar proprietários, projetistas, instaladores e integradores de sistemas de gestão técnica nos próximos cinco anos. Só dando, desde já, início ao processo de renovação dos sistemas técnicos do parque imobiliário existente, abrangido por este patamar de potência, será possível cumprir a meta temporal agora definida.
É determinante que os requisitos mínimos destes sistemas sejam definidos com a maior clareza. Face à atualidade da norma EN 15232, da qual já existe uma versão em língua portuguesa (NP EN 15232-1 2020), e tendo em conta que tem vindo a ser adotada como base na definição dos requisitos mínimos dos Sistemas de Gestão Técnica Centralizada desde 2013, sou inteiramente favorável a que esta mesma norma se mantenha como referência na futura legislação.
Considero ainda muito importante que no futuro Manual SCE sejam definidos com o máximo de objetividade e rigor todos os critérios de cálculo da inviabilidade económica de uma determinada renovação, permitindo assim a dispensa de instalação de SACE prevista no Ponto 5 do Artigo 13º, sob pena de se criar um “alçapão” para a não instalação deste tipo de sistemas, indispensáveis para a eficiência energética dos grandes edifícios de comércio serviços.
Isenção das inspeções obrigatórias aos sistemas técnicos nos edifícios equipados com SACE com as características e funcionalidades de monitorização do consumo de energia, análise da eficiência dos sistemas e de interoperabilidade definidas na própria diretiva, mas ainda não transpostas para a legislação portuguesa.
Esta isenção levanta uma questão relevante que se impõe esclarecer nos próximos diplomas legislativos: quem, com que frequência e segundo que critérios são inspecionados os SACE? É evidente que, comparativamente com as inspeções periódicas, há clara vantagem em que um edifício disponha de um SACE que permita monitorizar em tempo real a eficiência energética dos diversos sistemas técnicos, mas parece da mais elementar evidência que esse SACE terá de ser conduzido, mantido e até inspecionado periodicamente para garantir o seu correto funcionamento. Assim sendo, é determinante que, uma vez mais, sejam definidos critérios objetivos de funcionamento e manutenção dos SACE, incluindo um quadro sancionatório para as situações de incumprimento.
Este artigo foi originalmente publicada na edição nº135 da Edifícios e Energia (Maio/Junho 2021)
As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.