A nossa tolerância está nos mínimos, só que, paradoxalmente, essa aparente fraqueza abre-nos várias possibilidades. Isto de estar a bater de frente com tudo aquilo que fizemos ou deixámos por fazer nos últimos anos é um bom exercício. Encarar as nossas escolhas, e aquelas que fizemos para o país, é um bom recomeço e uma enorme oportunidade. Sim, porque temos ainda o privilégio de as podermos fazer. Só que agora a uma velocidade maior e essa é uma novidade.
O conforto do amanhã já não existe e, nestes últimos meses, enquanto abrandávamos as nossas vidas, o mundo avançou dez anos em termos tecnológicos, garantem-nos os especialistas. Tudo mudou, quer queiramos quer não. E não me refiro apenas aos hábitos sociais e de trabalho.
Depois de uma crise económica, todos sabemos o que fazer. Só que, neste momento, não se trata de baralhar e dar de novo. É mesmo preciso mudar de cartas e ver outros naipes. Existem outros naipes! O agora nunca teve tanto impacto. Temos de jogar um novo jogo que começa em nós, hoje.
Este novo agora é estranho e tem qualquer coisa de misterioso e, claro, de desconhecido. Sucede que, neste agora, somos maiores, maiores em tudo. Ainda que maiores, também, na fragilidade e na dependência de qualquer coisa exterior a nós. A liberdade como a conhecíamos era um embuste, porque o inesperado afinal existe! É este o jogo que temos de jogar agora. Sairmos de um qualquer trilho e reinventarmos novos modelos pode ser uma armadilha.
Sermos maiores e melhores implica termos cuidado. Este mundo de possibilidades que está à nossa frente exige ponderação. Rapidez, sim, mas também uma ética sem desvios ou adormecimentos. Benjamin Walter já alertava para os perigos do excesso de genialidade ou da criatividade fora de controlo. Outro paradoxo aparente. Precisamos delas, mas também de decisores atentos! Todos sabemos do que estamos a falar. Cada vez precisamos mais de governantes comprometidos com o serviço público e com o bem comum. A nossa liberdade depende disso. É isso que nos torna verdadeiramente maiores.
Podemos estar mais sozinhos a trabalhar ou mesmo mais longe da família e amigos, mas talvez nunca tenhamos precisado tanto uns dos outros. A tecnologia não substitui a partilha ou a cooperação. A tecnologia não é pedagógica e precisamos tanto de boa informação. Não podemos continuar a decidir sozinhos. Precisamos uns dos outros e tudo se liga neste novo agora: o conhecimento, as pessoas, as empresas, as instituições, a experiência…
Há umas semanas, entrei numa mercearia de bairro para fazer as compras habituais, que deixei de fazer nas grandes superfícies (coisas da pandemia). Estava um aparelho no chão a debitar rajadas de ar para dentro do espaço. Não era um equipamento de ar condicionado portátil. Não perguntei, mas desconfio das vantagens dos filtros incorporados que foram vendidos como uma solução milagrosa em tempos virulentos. O ar estava apontado para as pessoas que estavam na caixa. Esta é uma das armadilhas do agora. Até Jesus Cristo expulsou os vendilhões do templo e poucas pessoas o compreenderam. Aquele lugar era sagrado, explicou ele aos seus fiéis. Mesmo sem sermos fiéis conseguimos compreender a dimensão deste agora. Porventura, até a sua sacralidade, numa medida compassiva, cuidadora de nós, dos outros e deste mundo em que vivemos.
Podemos estar mais sozinhos a trabalhar ou mesmo mais longe da família e amigos, mas talvez nunca tenhamos precisado tanto uns dos outros. A tecnologia não substitui a partilha ou a cooperação. A tecnologia não é pedagógica e precisamos tanto de boa informação. Não podemos continuar a decidir sozinhos. Precisamos uns dos outros e tudo se liga neste novo agora: o conhecimento, as pessoas, as empresas, as instituições, a experiência… Veja-se como um problema de saúde pública é hoje um problema transversal a toda a cadeia económica e social, seja pelo seu impacto directo, seja pelo indirecto. Tudo toca em tudo neste novo tempo.
Neste novo agora, qualquer visão ou estratégia, que se exige célere, tem de incorporar imensa coisa nova, mas também o conhecimento que já existe e que está disperso. A DGS (Direcção-Geral da Saúde) não pode trabalhar e criar orientações sozinha. A DGEG (Direcção-Geral de Geologia e Energia) não pode continuar a criar diplomas legislativos com as portas fechadas e a ADENE (Agência para a Energia) não pode gerir as políticas e os programas sem apoio e assessoria.
Neste novo agora, temos de saber olhar para trás e, com orgulho, reconhecer que estávamos certos. A qualidade do ar interior é também um acto de engenharia. Precisamos de a voltar a tratar bem. Nunca é de mais lembrar: cuidar da saúde é também cuidar dos nossos edifícios e o (novo) agora já começou!
Nota de abertura originalmente publicada na edição nº132 da Edifícios e Energia (Novembro/Dezembro 2020)
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