Esta primeira nota de 2020 coincide com a saída das Grandes Opções do Plano (GOP) do Governo para os próximos quatro anos. Uma reflexão necessária, tendo em conta a continuidade e um conjunto de intenções que estará em negociação com alguns partidos antes da votação final do respectivo Orçamento do Estado. Boas intenções é o que define e tem definido todos estes documentos, porque, para além de bem feitos, bem escritos e bem enquadrados numa estratégia para o país, o que os distingue são as prioridades, como sabemos. E essas prioridades traduzem-se em investimento concreto, por um lado, ou na criação de condições para determinadas áreas avançarem, por outro. Essas condições podem assumir várias dimensões. Desde a desburocratização, à criação de programas ou legislação adequada. Mas há duas coisas essenciais: vontade política e uma gestão eficiente dos recursos do Estado, com as instituições a funcionarem. O tema da energia é um bom exemplo para este exercício.

As GOP repetem-se e sempre tivemos chapéus e argumentos nos quais várias medidas e programas encaixavam e muitas vezes desapareciam. Agora temos as alterações climáticas, que tocam em tudo. Já tivemos o aquecimento global ou a descarbonização. Atrelados a estes desígnios tão importantes há sempre resmas de papel, algumas directivas e muitos outros programas europeus que entopem o sistema e criam entropias. Aqui e em muitos outros países da Europa, seja porque não são adaptáveis à nossa realidade, seja porque não temos dinheiro para os executar. Ou ainda porque os organismos do Estado não estão preparados para os implementar. E, ainda assim, avançamos, mas inevitavelmente não cumprimos! Veja-se a taxa de execução do PNAEE (Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética), que anda nos 40%. Criado depois, o PNEC – Plano Nacional de Energia e Clima 2030, apresentado há um ano, destaca-se na ambição para as renováveis que, em 2030, deverão representar 47 % do consumo eléctrico em Portugal. Existem 21 905 milhões de euros para este e outros objectivos.

Há uma estratégia que é também urgente definir por parte do Executivo, nomeadamente quando falamos em electrificação renovável e em cidades. Aqui os edifícios são inevitáveis e esta centralidade tem de começar a ser entendida!

As GOP valorizam e apoiam o PNEC e acrescentam valor em termos de visão e estratégia. Incluem a valorização do território, uma economia mais circular e a descarbonização da nossa vida. Em concreto, existe a visão do novo paradigma da energia descentralizada que toca em vários domínios sociais e económicos. Uma nova realidade que passa pela dinamização de modelos onde os cidadãos e as soluções mais amigas do ambiente vão ter um papel muito importante. Neste documento, há a percepção clara de que a electrificação renovável é uma peça muito importante. Há já sinais e legislação aprovada. Há programas em curso e directivas em vias de transposição. Mas há também uma Direcção Geral de Energia e Geologia, que provavelmente precisa de mais recursos para dar resposta ao que já tem em mãos e, sobretudo, ao que aí vem. Uma ADENE – Agência para a Energia, que precisa urgentemente de se reposicionar e reflectir naquilo que é a promoção da energia e a sua missão, tendo em conta o interesse público.

Há uma estratégia que é também urgente definir por parte do Executivo, nomeadamente quando falamos em electrificação renovável e em cidades. Aqui os edifícios são inevitáveis e esta centralidade tem de começar a ser entendida!

Vamos continuar a ter organismos com visão e actividades dispersas? Vamos deixar o mercado apontar o caminho ou vamos definir o que queremos? Sim, há muitas outras perguntas que tipicamente fogem de todas as intenções e que vão sendo atropeladas por mais diplomas. O que vai acontecer a 60% das medidas do PNAEE que nunca viram a luz do dia? Como vamos promover os correctos usos da energia com base numa caracterização rigorosa das nossas necessidades? Vamos apostar na energia solar, mas qual? Fotovoltaica, térmica?

Há, de facto, muita coisa que queremos saber, nomeadamente na área dos edifícios, mas aquilo que nos desassossega está no descrédito daquilo que nos mostram e apresentam. No papel claro. As boas intenções de nada nos servem quando não existe a possibilidade ou a vontade de as aplicar. Quando ficamos a meio do caminho e ninguém fica preocupado ou comprometido. Tem sido assim.

Para 2020 e para o resto desta legislatura apenas desejamos que haja responsabilidade naquilo que toca às intenções e à respectiva execução das políticas públicas. E não é nada pouco!

 

P.S.: Mais um ano (entrámos no 22º), mais informação, mais análise e mais rigor é aquilo que podemos prometer aos nossos leitores e anunciantes. Obrigada pela confiança!

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