Na entrevista a Hugo Santos Ferreira, publicada na edição n.º 140 da nossa revista, resiliência foi a palavra que mais ressoou durante toda a conversa. Durante décadas, o sector da construção flutuava entre economias vigorosas e crises cíclicas que nos obrigavam a começar tudo de novo. O sector da construção sempre foi um barómetro destas oscilações e desse papel nunca se livrou – até agora!

Parece que a incerteza que se instalou como driver nas nossas vidas ou até algum desconforto que não conhecíamos criaram as condições ideais para anteciparmos qualquer coisa que possa aparecer. O medo já não nos mete medo. Estamos preparados e, mesmo perante uma crise pandémica e de todas as suas consequências para a economia, a construção e o projecto não abrandaram. Continuaram a níveis incríveis. Ninguém imaginava, mas foi assim.

Os investidores mantiveram os seus projectos, as associações lutaram para agilizar processos e simplificarem transacções, as empresas geriram os seus recursos de uma forma admirável e, perante grandes dificuldades, o mercado foi somando. A falta de mão-de-obra, a carência de matérias-primas e a subida dos preços na generalidade foram escalando e, ainda assim, aqui estamos com o ano de 2021 a níveis de 2019, o ano antes da crise. Resiliência é a palavra-chave neste momento.

Resiliência terá de ser o mantra para os próximos tempos. A falta de mão-de-obra vai agravar-se numa altura em que o investimento e as obras públicas vão aumentar cá e fora do país com os PRR (Planos de Recuperação e Resiliência) europeus a dispararem muito em breve. A carência de produtos vai agravar-se num quadro de guerra de sanções à Rússia. A Rússia e a Ucrânia são os maiores produtores de cereais do mundo e as rações e os alimentos já subiram 30 % em todo o mundo. As taxas de juro já estão a subir e o impacto na economia pode ser grande.

A guerra Rússia – Ucrânia veio agravar uma inflação que já era inevitável. O que não sabemos é até onde poderá escalar neste quadro macroeconómico europeu com uma fortíssima dependência energética da Rússia.

O risco pode ser assustador e os preços do gás natural e do petróleo já começaram a disparar. A França nunca quis construir pontes energéticas para a Europa do Norte e agora assistimos todos ao impacto desta decisão. Mas a ironia é que o tema do nuclear voltou a estar na ordem dia como uma alternativa inevitável para toda a Europa. Alguns cépticos estão a abrir a porta a esta estratégia na Alemanha, cuja política a este nível tem sido um desastre por depender completamente da Rússia no abastecimento de gás natural. Uma vulnerabilidade que não se entende. Mas o resto também não é favorável. Estamos todos a contribuir para um ambiente melhor, mas o aumento da procura de energia não foi acompanhado pela oferta. Fecharam muitas centrais a carvão entre outras altamente poluentes e a produção de energias alternativas não acompanhou este movimento. A Rússia é responsável por 40 % do gás natural consumido na Europa e os preços já disparam 500 %, segundo dados de finais do ano passado.

Vladimir Putin joga tudo nesta guerra. A Ucrânia é invadida desde 2015 e nada aconteceu, mas agora é diferente. A Rússia saiu muito humilhada da Guerra Fria e agora os ímpetos imperialistas de Putin poderão estar numa escalada fora de controlo. E este é provavelmente o maior risco de todo este cenário. A política económica da Rússia e a da China estão a encontrar muitos pontos de ligação e estrategicamente a Ucrânia é um activo que interessa a Putin. Sucede que a vulnerabilidade da Russia à China começa a crescer com todos os embargos decretados a Ocidente. Xi Jinping assiste tranquilamente a este jogo com pipocas e esfrega as mãos de contente.

É este o momento que vivemos e as consequências são enormes e imprevisíveis. A nossa resiliência durante a pandemia impediu-nos de entrar em modo de pânico e agora precisamos de continuar em frente. Sim, vamos viver um período de crise mundial que se vai agravar. Todas as previsões vão nesse sentido e a resiliência continua a ser a palavra-chave.

Nota de abertura originalmente publicada na edição nº140 da Edifícios e Energia (Março/Abril 2022). Assine já!

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