Existem dois temas que, nestas últimas semanas, se destacaram pelos piores motivos. Enquanto o Governo apresenta um Orçamento de Estado no Parlamento sem que os debates tenham qualquer interesse, muita coisa que merecia total atenção vai passando ao lado da maioria.

O primeiro tema tem que ver com pobreza e com o recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, no qual se refere que 16,4 % da população portuguesa não consegue aquecer convenientemente a sua casa. Já aqui falámos várias vezes deste assunto, cuja origem reside no facto de sermos um país pobre. Os portugueses não têm condições para reabilitar energeticamente as suas casas e pagar as contas da energia.

A esta percentagem de população que vive em pobreza efectiva, há que juntar todas as outras pessoas de níveis socioeconómicos diferentes. Seis em cada dez portugueses não conseguem fazer face às despesas inesperadas, segundo dados da Pordata. E esta realidade estende-se a uma classe média, também ela, empobrecida com salários abaixo da média da União Europeia, que perde poder de compra todos os dias com a subida da inflação e o aumento dos preços da energia. No ano passado, estimava-se que apenas 20 % da população conseguia atingir níveis de conforto aceitáveis nas suas casas durante o Inverno.

Para fazer face a esta “pandemia” silenciosa, o Governo lançou, em 2021, a Estratégia Nacional de Longo Prazo para Combate à Pobreza Energética. O processo de consulta pública terminou em Maio do ano passado e em Dezembro o documento foi publicado em Diário da República. Nunca mais se ouviu falar deste tema por parte dos nossos governantes. Não chega o empenho de algumas agências de energia; é preciso (implementar) uma estratégia a nível nacional, com medidas concretas, com prioridades muito bem definidas. Sabemos que este problema começou a ser estudado há pouco tempo e há muitas dificuldades, mas o essencial parece que se evaporou e ficou apenas no papel. Nada é dito ou questionado. Nada é explicado!

Ao contrário deste tema, existe um outro que começou agora a ter alguma atenção. Parece que se pretende recuperar as interconexões energéticas entre a Península Ibérica e a Europa e resolver o isolamento que ainda existe. Recorde-se que o MidCat foi concebido em 2007 e previa a criação da infraestrutura para o fornecimento de electricidade e gás via Pirenéus. Espanha já gastou cerca 3,5 mil milhões de euros no MidCat. Sem qualquer explicação técnica ou política, este projecto cai, 15 anos depois, para dar lugar a outro aparentemente muito diferente em todos os aspectos: a criação de um “corredor verde” para gás e hidrogénio sob a forma de um tubo submarino que vai de Barcelona a Marselha. As vantagens são imensas, dizem os três intervenientes deste acordo: Portugal, França e Espanha. Sucede que ainda ninguém percebeu do que se trata, quanto custa e quem vai pagar. Não há qualquer explicação para o abandono do virtuoso MidCat, que iria colocar Portugal no centro da Europa do ponto de vista energético. Ainda ninguém percebeu o que vai acontecer à electricidade renovável portuguesa.

“Identificar, avaliar e implementar novos projectos de interligação de electricidade que liguem França e Espanha, a fim de alcançar uma Europa electricamente conectada” é aquilo que ficou decidido entre os três. Mas para quando? As bandeiras da segurança energética e a conclusão do mercado energético europeu são importantes e necessárias, mas era tão bom sabermos os termos deste acordo, quer em termos técnicos, quer em termos económicos. De certeza que Espanha vai recuperar o que gastou e fica em Barcelona com um pólo de desenvolvimento energético de fazer inveja. França continua a não deixar as renováveis concorrerem com o seu nuclear e a dominar este puzzle de interesses. Será isso? E Portugal? O que ganha o nosso país? “Ultrapassar um bloqueio histórico” é aquilo que nos anda a ser vendido, mas, como não somos parvos, exigimos mais explicações. Nada foi explicado até agora. Esperamos que esta não seja uma derrota para Portugal e um péssimo negócio para o país. Aguardemos!

Nota de abertura originalmente publicada na edição nº144 da Edifícios e Energia (Novembro/Dezembro 2022). Assine já!

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