Já com mais de duas décadas neste sector, a revista Edifícios e Energia tem acompanhado as boas intenções e as mais variadas estratégias (ou falta delas) dos nossos governantes. A quantidade de papel e a complexidade que existem nas várias peças legislativas e respectivas portarias ou despachos que regulam esta área de actividade são de meter as mãos à cabeça. Dizem-nos que é assim em todos os sectores, e eu pergunto: porquê? Nunca consegui uma resposta.

Por aqui, já nos perdemos todos nas contas e, se quiséssemos começar a puxar uma ponta, a tarefa era impossível. Um emaranhado de regras que se foram amontoando, com outras que surgem a substituírem as anteriores, que não seriam suficientes ou claras, seguidas de “perguntas & respostas” confusas, que nunca resolveram muitas das questões essenciais… As críticas têm muitos anos e o padrão vai repetindo-se até aos dias de hoje. Sucede que o que aconteceu nestas últimas semanas, a propósito da consulta pública sobre os diplomas que enquadram a nova legislação, é grave. Muito grave. Entrámos noutro patamar, mas já lá vamos.

Diz-se que a tendência para deixar andar e complicar tudo são características demasiadamente intrincadas da nossa identidade. E que isso não vai mudar nunca por uma série de motivos, uns compreensíveis e outros nem tanto. O deixar andar e o facilitar aqui e ali são muitas vezes compensados por uma criatividade única e um desenrascanço típico. Menos mal e nada de novo. Mas o que realmente encanita os espíritos mais atentos, ou indigna as pessoas que querem trabalhar e andar para a frente, são outras coisas. A dúvida está em saber onde começa o desinteresse e a incompetência. Estão os dois ligados? É que, de facto, falar em edifícios não é muito atraente, sobretudo se pensarmos nos milhões de euros necessários para os reabilitar energeticamente, sem resultados que saltem à vista (e são muitos os milhões que vão chegar). Ou se pensarmos em promover comportamentos energéticos e soluções sustentáveis que não se vêem. Será que, com resultados invisíveis, valerá a pena fazer política? Valerá a pena investir? Haverá espaço nas agendas dos nossos governantes para aquilo que não dá votos? Conhecemos as prioridades e as motivações de quem nos governa? E quais são? Como cidadãos, não deveríamos ter estas respostas?

É extraordinário como se vão construindo peças e peças legislativas, remendando sistemas de certificação, criando incentivos ou avisos disto e daquilo e não se ouvem as associações, a academia, as empresas e as pessoas que conhecem a fundo as necessidades do país em matéria de energia nos edifícios.

Não existem comissões ou grupos de trabalho (insistimos) que agarrem em conjunto todos estes temas. Não sabemos sequer quem está a “mexer” nestes documentos. Tudo isto se passa no domínio da opacidade e da falta de transparência. Nada se sabe (insistimos). É por isso que, mesmo numa versão mais optimista, é difícil separar a apatia da incompetência (prefiro falar apenas destas). Uma puxa a outra, e a realidade é que temos, desde há quase duas décadas, um enquadramento legal que não serve os interesses ou o desígnio de 2006. Um quadro legal que não serve na promoção das boas práticas, não serve naquilo que é a qualidade das instalações, nem serve aquilo que deveria ser o envolvimento e a colaboração dos profissionais e do mercado. É extraordinário como se vão construindo peças e peças legislativas, remendando sistemas de certificação, criando incentivos ou avisos disto e daquilo e não se ouvem as associações, a academia, as empresas e as pessoas que conhecem a fundo as necessidades do país em matéria de energia nos edifícios.

Nunca tínhamos assistido às reacções das últimas semanas. As principais associações do sector gritaram alto a sua indignação. Os argumentos foram os mesmos e apontam para o total desprezo demonstrado pelos nossos governantes para com o mercado. Criaram-se prazos de consulta pública impossíveis de qualquer intervenção, debate ou apreciação posterior dos contributos, o que só pode ser um proforma descarado e escandaloso de passar uma mensagem: não queremos saber, não nos interessa!

Grave, muito grave! Mas as coisas complicam-se ainda mais quando nem sequer existe a noção de tudo isto (prefiro acreditar nesta versão). E aqui, falar do efeito Dunning-Krugger pode ser um lugar-comum (peço paciência aos leitores), mas talvez seja apropriado se quisermos olhar para tudo isto com algum humor. Senão vejamos: há ou não aqui, ao longo do tempo, uma síndrome de “superioridade ilusória” em todas estas questões? Porque será que as decisões são tomadas apenas à porta fechada? Estarão os nossos governantes e assessores convencidos de que sabem tudo? Digam-me: haverá ignorância maior? Infelizmente, chegámos aqui.

Nota de abertura originalmente publicada na edição nº136 da Edifícios e Energia (Julho/Agosto 2021)

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