Autores: Livia Cosentino, Jorge Fernandes e Ricardo Mateus, Universidade do Minho, Departamento de Engenharia Civil, Instituto para a Sustentabilidade e Inovação na Engenharia de Estruturas (ISISE)

A construção sustentável e a economia circular estão diretamente ligadas e já presentes na realidade mundial. A escolha dos materiais é um aspeto chave para a implementação de estratégias de circularidade.

A economia circular, ou economia regenerativa, é um conceito relativamente simples, em que a cadeia de produção e consumo deixa de ser linear (isto é, em que o produto no seu fim de vida se torna um resíduo) e passa a considerar os recursos numa lógica circular de fecho de ciclo, em que os resíduos são encaminhados e valorizados através de reutilização, reaproveitamento ou reciclagem, contribuindo para a redução da extração de recursos naturais (Fig. 1). Em suma, a economia circular significa a ausência ou minimização da produção de resíduos.

O marco inicial para a discussão deste conceito foi a publicação do livro Economics of Natural Resources and the Environment, em 1989, pelos autores britânicos David William Pearce e Robert Kerry Turner, quando juntaram a gestão do meio ambiente aos princípios económicos que regem a sociedade.

economia circular

Figura 1 – Comparação entre os modelos de Economia Linear e Economia Circular.

A transição suave para a economia circular depende de políticas claras e incentivos a este sistema de produção e consumo. Na publicação da Fundação Ellen MacArthur Objetivos universais de políticas para economia circular (2021), são elencados os objetivos que as políticas de incentivo deverão considerar, tais como: estimular o design para a economia circular; gerir recursos para preservar o valor; criar as condições económicas para a transição; investir em inovação, infraestruturas e competências; e promover a colaboração para a mudança do sistema. Também é definido que a economia circular assenta em três princípios, nomeadamente na eliminação de resíduos e poluição, na reciclagem de produtos e matérias-primas e na regeneração do meio ambiente.

Dada a importância da economia circular no contexto global, para agir e tomar decisões na transição económica e fomentar a sua implementação, é necessário compreender e analisar o estado do planeta. O relatório sobre as lacunas da circularidade, Circularity Gap Report, da organização Circle Economy, publicado em janeiro deste ano, apresenta dados preocupantes. O relatório destaca que, entre a COP25 e a COP26, foram extraídas mais matérias-primas – 70 % a mais – do que aquelas que o planeta é capaz de produzir, e que, atualmente, apenas 8,6 % do total de matérias-primas provém do fim da vida útil de produtos. São 100 mil milhões de toneladas de materiais por ano, dos quais mais de 90 % se tornam resíduos. Destaca-se também que 70 % das emissões de gases de efeito de estufa estão ligadas à extração e utilização de materiais, pelo que agir sobre a especificação e a aplicação correta de materiais é essencial para diminuir os potenciais impactes do setor da construção.

A construção está entre os setores com maiores impactes ambientais, pelo que as ações de mitigação implementadas neste setor podem promover de forma significativa a economia circular. O referido relatório destaca, entre as ações mais importantes, a redução das áreas construídas, a partir da criação de espaços multifuncionais, a reabilitação para a extensão da durabilidade dos edifícios, o uso racional de recursos e a utilização de recursos locais e de materiais “circulares”, isto é, que apresentem uma quantidade significativa de conteúdo reciclado e que, no final da sua vida útil, possam ser facilmente reutilizados ou reciclados.

Neste artigo, pretende-se abordar a economia circular no âmbito da construção e as políticas de incentivo relacionadas. Adicionalmente, pretende-se analisar o consumo de recursos e a utilização de materiais neste importante setor da economia nacional.

Políticas de incentivo para a economia circular

No contexto europeu, o Pacto Ecológico Europeu tem como objetivo dar resposta aos desafios ambientais do presente, sendo uma estratégia de desenvolvimento sustentável no médio e longo prazo para toda a comunidade europeia. Esta iniciativa visa impulsionar e permitir que a União Europeia (UE) lidere mundialmente a transição para a economia circular, servindo de exemplo para o resto do mundo.

No âmbito dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Pacto Ecológico surge com a finalidade de direcionar a política económica dos Estados-membros para a sustentabilidade e para o bem-estar da população. Entre os princípios plasmados neste pacto, destaca-se a “mobilização da indústria para uma economia circular e limpa”.

O Pacto Ecológico prevê também ações de controlo das emissões de gases de efeito de estufa, por exemplo, a gestão das importações de produtos menos sustentáveis através da aplicação de tarifas de importação baseadas na pegada de carbono.

De acordo com o Pacto Ecológico Europeu, são necessários pelo menos 25 anos para [concretizar] a transição do setor industrial e das suas cadeias de valor. Assim, os próximos três anos serão essenciais para se definirem as ações necessárias, uma vez que a indústria europeia, apesar dos esforços, ainda depende sobretudo da extração de matérias-primas virgens e de energia não renovável.

Um grande marco para a UE no âmbito da economia circular foi o Plano de Ação para a Economia Circular, anunciado no Pacto Ecológico Europeu e divulgado em março de 2020. O plano apresenta iniciativas para que se considere a totalidade do ciclo de vida dos produtos, com o propósito de criar produtos sustentáveis duráveis. As propostas acompanham as preocupações dos cidadãos europeus que, segundo o Eurobarómetro Especial (2019), destacam o volume de produtos descartáveis como uma das três maiores preocupações. A solução proposta pelos entrevistados passa por mudar a forma como produzimos e consumimos os bens.

O Plano de Ação para a Economia Circular, apesar de ser destinado a todos os setores industriais, foca-se nos setores com maior utilização de recursos como os da construção, têxtil, da eletrónica e o de polímeros. Um ponto importante a destacar é que a UE deverá deixar de exportar os seus resíduos para países terceiros.

No que à construção diz respeito, é necessário estimular a reabilitação do parque imobiliário existente em detrimento das novas construções. Apesar da preferência dos profissionais pela construção nova, seja por falta de conhecimento necessário às operações de reabilitação ou pela dificuldade em impor uma determinada linguagem arquitetónica ligada ao autor do projeto de arquitetura, as novas construções poderão não compensar ambientalmente, quando comparadas com uma reabilitação, considerando a totalidade do ciclo de vida. A reabilitação aproveita o ambiente já construído, contribui para a diminuição da pobreza energética, uma vez que permite diminuir os custos com energia do agregado familiar (Pacto Ecológico Europeu, 2020), e valoriza o legado arquitetónico e as populações locais (Novy, 2021).

O Pacto Ecológico prevê maior ênfase na legislação sobre o desempenho energético dos edifícios, privilegiando a reabilitação de habitação social, de edifícios escolares e de edifícios de saúde. O documento destaca o incentivo para a redução e reutilização de materiais, a preocupação com produtos que causam danos no ambiente e valoriza a responsabilidade do produtor. O Regulamento sobre Produtos de Construção (Regulamento UE nº 305/2011) também deverá sofrer alterações, de modo a promover a economia circular e maior durabilidade. Todas as iniciativas do Pacto Ecológico Europeu se apoiam nos princípios de economia circular e contribuem para a descarbonização da economia europeia.

No contexto nacional, o Plano para a Recuperação e Resiliência (PRR) visa fomentar a recuperação da economia pós-pandemia e foca-se em três dimensões: Resiliência, Transição climática e Transição digital. A dimensão Transição climática enquadra-se nos objetivos do Pacto Ecológico Europeu, reforçando o compromisso nacional com as metas europeias. O PRR é também uma ferramenta para a implementação da Estratégia Portugal 2030, que pretende tornar a economia circular através da transição climática e sustentabilidade dos recursos. No documento, salienta-se a necessidade de “apoiar intensivamente a reabilitação de edifícios residenciais, públicos e de serviços”, ponto essencial quando se fala de economia circular e utilização eficiente de recursos.

A reabilitação dos edifícios deverá promover a construção sustentável, através da utilização de matérias-primas secundárias, de origem biológica e renovável, ao mesmo tempo que contribui para o aumento do conforto térmico nas habitações e para a economia circular.

Ainda no âmbito nacional, o programa Edifícios Mais Sustentáveis, fomentado pelo Fundo Ambiental, estabelece medidas de apoio social e económico. Esta iniciativa abrange edifícios de habitação com licença de habitabilidade anterior a 31 de dezembro de 2006 (para as operações de substituição de janelas e aplicação ou substituição de isolamento térmico) ou a julho de 2021 (para a instalação de sistemas eficientes de aquecimento e/ou de águas quentes sanitárias, painéis fotovoltaicos, sistemas que promovam a eficiência hídrica e princípios de arquitetura bioclimática).

 

A importância dos materiais naturais para a sustentabilidade das construções

De acordo com o relatório do Painel Internacional de Recursos (IRP) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA (2020), as emissões de gases de efeito de estufa associadas aos materiais utilizados nos edifícios de habitação dos países do G7 poderão ser reduzidas entre 80 a 100 %, com estratégias de eficiência de materiais, incluindo a utilização de materiais reciclados.

Com o aumento da consciencialização ambiental, a indústria da construção tem sofrido algumas mudanças, no sentido de acomodar os ODS. Assim, o setor tenderá a adotar a utilização de materiais com menor energia incorporada e menor impacte ambiental.

Quando se fala de construção sustentável, muitas vezes, o discurso foca-se na eficiência energética e, consequentemente, na promoção de edifícios muito isolados, isto é, com reduzidas necessidades de energia para manter o conforto térmico dos ocupantes. No entanto, é de realçar que este tipo de construções, apesar de conotado com o conceito de sustentabilidade, poderá conter materiais com elevada energia incorporada e que não se enquadram nos princípios da economia circular.

Na procura por soluções mais sustentáveis, uma alternativa é redescobrir técnicas de construção tradicional ou vernáculas, principalmente devido ao uso de materiais de origem natural, de aprovisionamento local, com baixo processamento e reduzido impacte ambiental. Neste âmbito, um estudo de avaliação de ciclo de vida de materiais em terra no contexto nacional, nomeadamente blocos de terra comprimida (BTC) e taipa, demonstrou as vantagens do uso da terra em diferentes etapas do ciclo de vida dos edifícios e salientou a circularidade do material (Fernandes et al., 2019). O baixo processamento da terra, quando não estabilizada com cimento, permite a sua reutilização com a mesma função após a demolição do edifício. Este nível de circularidade do material não acontece, por exemplo, no betão ou nos tijolos cerâmicos convencionais, que, no seu fim de vida, se destinam sobretudo às camadas de enchimento na base de pavimentos ou no fabrico de betões não estruturais.

Apesar do contributo dos materiais naturais para a circularidade do ambiente construído, destaca-se que são necessários mais, de forma a permitir uma completa comparação do seu desempenho de ciclo de vida com o dos materiais convencionais. O carácter local ou regional, a pequena escala de produção e a dificuldade de padronização destes materiais são as causas mais apontadas para a falta de dados quantitativos sobre o seu desempenho ambiental. Esta situação dificulta o uso destes materiais uma vez que os profissionais não dispõem dos dados necessários que permitam demonstrar as vantagens ambientais destes face à prática convencional.

Para a satisfação dos princípios do Pacto Ecológico Europeu, do Plano de Ação para a Economia Circular e do PRR, torna-se essencial o investimento na investigação para o desenvolvimento de novos produtos de construção de origem biológica e, portanto, mais sustentáveis.

Destaca-se a investigação e o desenvolvimento com o objetivo de validar as mais-valias da utilização de materiais de origem biológica na construção e, assim, contribuir para a diminuição da energia incorporada nos edifícios e aumentar a implementação da economia circular no setor.

Considerações finais

Devido à crescente exploração de recursos naturais, conclui-se que a economia circular deve ser entendida como uma prioridade imediata e não de médio prazo.

No âmbito da indústria da construção, uma das mais poluentes, há muito a fazer no que respeita à escolha de materiais que incentivem a circularidade e o fecho do ciclo de vida.

Os estudos no domínio da construção vernácula têm evidenciado o seu reduzido potencial impacte ambiental e a importância de se utilizarem técnicas e materiais específicos, nomeadamente os de origem biológica. Os diferentes estudos realizados nesse domínio comprovam a eficácia destes materiais em termos funcionais e a sua compatibilidade com os princípios da economia circular.

Referências

Circle Economy (2022). The circularity gap report 2022. Acesso em 20 de Janeiro de 2022. Disponível em https://www.circularity-gap.world/2022

Comissão das Comunidades Europeias. (2020). Um novo Plano de Ação para a Economia Circular

Eurobarómetro Especial (2019) “Climate Change”, 490, de abril. Acesso em 14 de fevereiro de 2022. Disponível em https://europa.eu/eurobarometer/surveys/detail/2212

Fundação Ellen MacArthur (2021). Objetivos universais de políticas para economia circular.

J. Fernandes, M. Peixoto, R. Mateus, H. Gervásio (2019). Life cycle analysis of environmental impacts of earthen materials in the Portuguese context: Rammed earth and compressed earth blocks, Journal of Cleaner Production. 241

Novy, Johannes (2021). We can’t afford to just build greener. We must build less. Acesso em 26 de janeiro de 2022. Disponível em https://theconversation.com/we-cant-afford-to-just-build-greener-we-must-build-less-170570

Pacto Ecológico Europeu (2019). Comissão Europeia, Bruxelas, 11 de dezembro de 2019.

Plano para a Recuperação e Resiliência (PRR). Ministério do Planejamento, Portugal, 22 de abril de 2021.

Regulamento sobre Produtos de Construção (Regulamento EU nº 305/2011). Jornal Oficial da União Europeia, 9 de março de 2011.

UNEP, & IRP. (2020). Resource Efficiency and Climate Change: Material Efficiency Strategies for a Low-Carbon Future, A report of the International Resource Panel.

 

Este artigo foi originalmente publicada na edição nº140 da Edifícios e Energia (Março/Abril 2022)

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.