Descarbonização é a palavra do momento. A urgência da transição para uma sociedade e um sistema energético neutros em carbono está a ganhar espaço nas agendas políticas, mas, no sector dos edifícios e da construção, o ritmo face a esta mudança é ainda lento.

Falta mais de 30 anos, mas, hoje, são poucos os que pensam em 2050 como um cenário muito distante. As orientações até à metade do século são claras: se, por um lado, a mitigação e a adaptação são parte da abordagem ao desafio das alterações climáticas, por outro, não é possível descurar a necessidade de reduzir as emissões. A descarbonização entrou na agenda política global, europeia e nacional. O Governo português apresentou recentemente um Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, que se encontra, desde Dezembro do ano passado e até final de Fevereiro, em consulta pública. Em meados de Novembro, veio de Bruxelas a indicação de que, para o futuro, se quer uma União Europeia com impacto neutro para o clima. A fechar o ano, a Conferência para o Clima, COP24, voltou a reforçar a necessidade de alinhar as estratégias com as medidas necessárias para cumprir o Acordo de Paris.

Perante isto, um cenário de descarbonização afigura-se como indispensável e não pode ser pensado sem aquele que é um dos principais responsáveis pelo uso de energia e emissões de dióxido de carbono associadas: o parque edificado. A importância do sector dos edifícios e da construção na transição para um sistema energético menos poluente e mais eficiente é reconhecida, mas em que ponto estamos nesse caminho? Segundo o relatório “Towards a zero-emission, efficient and resilient buildings and construction sector”, desenvolvido pela Agência Internacional de Energia (IEA) para a Global Alliance for Buildings and Construction (GABC), o sector representou, em 2017, 36 % do uso de energia final a nível mundial, correspondendo a quase 40 % das emissões. As percentagens não variam muito daquelas que há muito se vão apontando nestas áreas, o que denuncia o ritmo lento a que esta mudança está a acontecer. Segundo apurou o relatório, os esforços que estão a ser feitos, neste momento, a nível mundial, continuam aquém daquilo que é necessário para provocar uma verdadeira viragem nos edifícios. O investimento realizado em eficiência energética nos edifícios está a dar sinais de abrandamento, com uma subida que, tendo em conta a inflação, alcançou apenas os 3 % no ano de 2017 – uma variação anual inferior aos 6-11 % registados entre 2014 e 2016, aponta a mesma fonte.

Determinante para a melhoria necessária tem sido a legislação e, nesse aspecto, há evoluções positivas. Nos últimos dez anos, o número de países com regulamentação para o uso de energia nos edifícios tem aumentado, independentemente de esta ser obrigatória ou voluntária. Em 2010, contavam-se apenas 54 países, sendo que, hoje, o relatório dá conta de 69. Ainda assim, de forma geral, há ainda dois terços de países que se mantêm sem qualquer tipo de regras nesta matéria e a grande parte das alterações registadas entre 2017 e 2018 referiram-se a actualizações aos enquadramentos regulatórios existentes.

Paralelamente, o relatório sublinha o surgimento de outras formas de apoio à melhoria da eficiência energética no sector dos edifícios que partem, em particular, de executivos municipais, como, por exemplo, o compromisso assinado por 19 autarcas de cidades do mundo, representando cerca de 130 milhões de pessoas, para que todos os novos edifícios construídos em 2030 tenham um balanço nulo de emissões em carbono.

O documento avisa também que a média global de intensidade energética por unidade de área construída tem de ser 30 % inferior aos níveis actuais, o que só poderá ser alcançado com a combinação de medidas que incluam a escolha de materiais sustentáveis, acções de planeamento urbano, planos de adaptação e resiliência, fontes de energia menos poluentes, entre outros. “Compreender o potencial dos edifícios e do sector da construção no cumprimento dos Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável [das Nações Unidas] e evitar o efeito lock-in dos edifícios ineficientes exige esforços globais, que vão desde as políticas, as tecnologias e os instrumentos de financiamento à um aumento da cooperação internacional, mais educação e sensibilização e uma melhor formação e capacidade de construção ao longo da cadeia de valor dos edifícios”, lê-se no relatório.

Uma Europa com impacto neutro

Em finais de Novembro, a Comissão Europeia oficializou a sua vontade de neutralizar o impacto europeu no clima até 2050, através da apresentação de uma visão estratégia a longo prazo para uma “economia próspera, moderna, competitiva e neutra até 2050”.

A concretização deste objectivo vai exigir, refere Bruxelas, uma acção conjunta em sete áreas: eficiência energética; implantação de fontes de energia renováveis; mobilidade ecológica, segura e conectada; indústria competitiva e economia circular; infra-estruturas e conexões; bioeconomia e sumidouros naturais de carbono; captura e armazenagem de carbono a fim de eliminar as emissões remanescentes. O plano para a União Europeia (EU) prevê o investimento em soluções tecnológicas realistas, na capacitação dos cidadãos e no alinhamento das ações em áreas cruciais, tais como a política industrial, o financiamento ou a investigação, isto sem esquecer a justiça social.

“A UE já iniciou a modernização e a transformação para uma economia com impacto neutro no clima. Hoje, estamos a intensificar os nossos esforços no sentido de propor uma estratégia para que a Europa se torne a primeira grande economia mundial com um impacto climático neutro até 2050. Conseguir o impacto neutro no clima é necessário, possível e do interesse da Europa”, afirmou Miguel Arias Cañete, comissário responsável pela Acção Climática e Energia.

“É necessário para cumprir os objectivos a longo prazo em matéria de temperatura do Acordo de Paris. É possível com as tecnologias actuais e com as que estão em vias de implantação. E é do interesse da Europa pôr termo às despesas com as importações de combustíveis fósseis e investir em melhorias significativas no quotidiano de todos os europeus. Nenhum europeu e região devem ser deixados para trás. A UE apoiará os mais afectados por esta transição, de modo a que todos estejam prontos para se adaptarem aos novos requisitos de uma economia neutra em termos de clima”, continuou o governante.

A visão da Comissão para um futuro neutro em termos de clima abrange quase todas as políticas da UE e está em consonância com o objectivo do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura muito abaixo dos 2° C e prosseguir os esforços para que este se mantenha nos 1,5° C.

Portugal com caminho traçado

A intenção portuguesa de atingir a neutralidade carbónica já era conhecida e, no início de Dezembro, voltou a ser reforçada pelo ministro do Ambiente e Transição Energética, João Matos Fernandes, durante a apresentação dos dados do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. O documento, que está em consulta pública até 28 de Fevereiro de 2019, define três cenários possíveis para o futuro do país nesta matéria, consoante os esforços e medidas encetados (do menos ambicioso para o mais ambicioso, respectivamente) – “Fora de pista”, “Pelotão” e “Camisola Amarela”.

Neste caminho, o país tem pela frente uma década decisiva, na qual as opções tomadas e medidas adoptadas serão cruciais, nomeadamente em três eixos de acção governativa: valorização do território, economia circular e descarbonização da sociedade. Para além do Roteiro, com vista a promover estes eixos, estão já em vigor alguns instrumentos, salientou o governante, tais como o Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território e o Plano de Acção da Economia Circular. No entanto, a ideia que se quer transmitir é a de que todos os sectores contam, embora se preveja, para as próximas duas décadas, uma intervenção mais profunda em três sectores: produção de energia, mobilidade e transportes, e edifícios.

O Roteiro explica quais os passos que o país tem de dar para alcançar esse estado, sendo que um dos principais passa pela electrificação da economia. Para o efeito, as fontes de energia renovável deverão dar um contributo significativo, com protagonismo para o solar, que será responsável por mais de metade da produção (65 %). Num horizonte intermédio, no ano de 2040, as expectativas do actual Governo apontam para uma quota de 80 % de renováveis no mix energético e que se espera que chegue aos 100 % na metade do século. Por sua vez, para o sector do aquecimento e arrefecimento, esse contributo deverá variar entre os 34-37 % em 2030, entre 58-61 % em 2040, e entre 69-72% em 2050. No que toca à eficiência energética, o Roteiro só apresenta uma estimativa para o ano de 2030: 35 %. Recorde-se que, a nível europeu, a meta para a eficiência energética para 2030 foi recentemente estabelecida, estando nos 32 %. Determinante para o sucesso do Roteiro será também a redução das emissões de gases com efeito de estufa da indústria, em cerca de 70 %, ou de resíduos urbanos em 25 %.

“Para Portugal, ser neutro em carbono em 2050 significa reduzir, a partir de 2017, de 68 para 12 megatoneladas as emissões de CO2”, e “aumentar de 9 para 12 a capacidade de sequestro florestal de que o nosso país dispõe”, explicou João Matos Fernandes.