Apesar da pandemia, em 2021, o mercado nacional de solar térmico manteve a tendência crescente: as estimativas do sector apontam para um aumento de 22 % no ano que passou. A construção nova e uma maior dinâmica da reabilitação foram os principais impulsionadores desta subida.

Depois do crescimento modesto de 1 % na nova área instalada registado em 2020 apontado pela Solar Heat Europe, o mercado português de energia solar térmica recuperou o impulso no ano passado e registou um aumento de dois dígitos. Vinte e dois por cento é a estimativa avançada pelas empresas do sector, que apontam para cerca de 77 mil metros quadrados (m²) de nova área instalada.

Na origem deste crescimento estão a tendência crescente do sector da habitação nova, que já se fazia sentir antes da chegada da Covid-19 em resultado de uma pressão crescente sobre a habitação, e uma maior dinâmica da actividade da reabilitação no segmento residencial sentida, em particular, durante a pandemia. “Neste momento, o que mexe o mercado é o residencial e já vínhamos com uma mochila de crescimento [nas obras novas] de anos anteriores”, explica Victor Júlio, director da Baxi, acrescentando que “a [nova] construção continua a ter o solar térmico como uma das soluções para cumprir com o regulamento”, embora não seja a única, ressalva. A isso, juntaram-se as renovações, que ganharam impulso durante a pandemia quando as pessoas passaram a estar mais tempo em casa. “Quando as pessoas vão remodelar, percebem a vantagem de ter um depósito de água quente”, diz.

Os números do INE – Instituto Nacional de Estatística ilustram essa realidade e indicam que, no que se refere ao licenciamento de edifícios, o ano passado teve os resultados anuais “mais elevados da última década”. Em 2021, foram concluídos 15,2 mil edifícios e o licenciamento total de obras de edificação e de reabilitação aumentou 7,7 %, com um acréscimo de 9,8 % nos edifícios residenciais e de 2,3 % nos não residenciais. Na nova construção, o licenciamento de fogos registou um acréscimo de 11,1 %, num total de 27 805.

Outro elemento que, ao longo do ano passado, pesou favoravelmente para o mercado solar térmico foi a existência de incentivos à sua instalação no sector residencial através do programa Edifícios Mais Sustentáveis. Nessa matéria, Victor Júlio, que foi anteriormente responsável pelo sector na APISOLAR, louva a “dinâmica de continuidade” da medida, que tem sido prolongada desde Setembro de 2020, mas lamenta o facto de ser exigida uma etiqueta energética ao solar térmico. “É um equipamento que tem uma [certificação] Solar Keymark, que não consome energia, mas, como o programa exige que a redução [de consumo] seja demonstrada, tem de ter uma etiqueta; o mercado tentou entender e criar soluções com os equipamentos [de apoio].” Apesar da solução, considera o responsável, a exigência “prejudicou” o mercado pois passou “a mensagem de que o solar térmico, por não ter etiqueta, não era eficiente”.

O programa tem sido uma “ajuda ao negócio” no geral, conta, por sua vez, Joaquim Meneses, director da Hiperclima. “A questão é que, em Portugal, o incentivo ainda é muito envergonhado quando comparado com outros países do centro da Europa”, critica. No caso do mercado solar térmico, o crescimento e os seus impulsionadores são confirmados pelo gestor, que, apesar dos números positivos, dá conta de “um mercado difícil” nos dois últimos anos. Razão? A pandemia e os efeitos que esta teve nas cadeias de fornecimento. “Houve uma dificuldade muito grande no fornecimento de equipamentos. Há procura, mas mantém-se a dificuldade muito grande em dar a resposta”, relata.

Dificuldades no fornecimento e falta de mão-de-obra são, actualmente, problemas “transversais” aos vários sectores, não só ao solar térmico, considera Victor Júlio. No caso da Baxi, as unidades fabris estão localizadas na Europa – uma aposta da marca que vem já do período pré-pandemia e que tem mitigado os impactos da crise sanitária junto da fabricante. Mais difícil é escapar aos efeitos da subida “absolutamente ímpar” dos preços das matérias-primas e da energia. As variações são “constantes e elevadíssimas”, tornando difícil manter preços cujo aumento ronda os 20 %, refere. A factura acaba por ser paga pelo cliente final – “não há outra maneira”, lamenta o director da Baxi em Portugal.

Uma solução para o “futuro”

Face ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia, a conjuntura internacional actual não deverá atenuar esta situação e a incerteza para o futuro é grande. “Se tivéssemos só a pandemia, o mercado ia crescer em volume e em negócio. Há uma conjungação de factores nesse sentido e o solar térmico é uma das soluções de elite para a água quente e tem de crescer. No entanto, com o que assistimos nas últimas semanas, não tenho certeza de que seja assim”, antecipa Victor Júlio.

A diminuição da dependência energética europeia, em particular, das importações de gás russo, está no topo das prioridades e, recentemente, a Solar Heat Europe veio afirmar o solar térmico como uma solução “made in” União Europeia para o efeito. “Numa situação em que eu tenho a incerteza do meu fornecimento de energia, o solar térmico é, sem nenhuma dúvida, a melhor solução numa habitação, porque não vamos abdicar de tomar banho e, se possível, com água não fria”, graceja Victor Júlio. No mercado, há outras soluções também promissoras, como o caso das bombas de calor, que têm vindo a conquistar o seu lugar; mas, se numa primeira fase estas foram buscar clientes ao solar térmico, hoje, diz o gestor, “começa a chegar-se a um equilíbrio” e cada uma das soluções tem o seu cliente.

Para Joaquim Meneses, a solução “perfeita” passa mesmo por juntar as duas tecnologias: “Temos as bombas de calor e, se acoplarmos o solar térmico, ficamos com uma componente mais vantajosa em termos de independência.” O tema tem de ser trabalhado, até “porque somos um país com muito sol e seria um erro não o aproveitarmos”, refere o responsável. Em falta, concordam os dois especialistas, está uma maior comunicação sobre as vantagens do solar térmico e que “não basta ser feita apenas pelas empresas”. “O solar térmico não é fashion, mas não é mal acabado; pelo contrário: é mais eficiente. É uma tecnologia absolutamente futura”, conclui Victor Júlio.