Artigo publicado originalmente na edição de Novembro/Dezembro de 2019 da Edifícios e Energia
A tecnologia, a inteligência e o conhecimento estão a transformar o mercado. Os Sistemas de Automação e Controlo não fogem a esta evolução e ganham asas. Uma gestão transversal que vai para além da energia e do AVAC. Conheça o que está em causa, como podem ser estas plataformas e o que falta para o sector avançar.
Sabemos o enorme potencial de melhoria para os edifícios quando falamos em eficiência, segurança e conforto. Um negócio que não pára de evoluir e de se transformar. A inovação tecnológica traz-nos mais uma vez um mundo de possibilidades. Só que, agora, a grande novidade é a agregação e a partilha de informação entre sistemas e soluções que têm na Internet of Things (IoT) a sua grande aliada. Com a IoT, quase tudo é possível. Queremos que tudo comunique com tudo e que a nós chegue apenas a informação que escolhemos consultar naquele momento. Na base de tudo isto, está o conceito da gestão centralizada e do controlo. Mas esta área só existe também ela agregada à engenharia e à arquitectura. Não há inovação tecnológica ou IoT que chegue se o desenho de toda a operação não estiver cuidadosamente projectado. E, quando falamos em inteligência, não nos podemos esquecer de que a inteligência começa aqui. O papel dos arquitectos e dos engenheiros tem, agora, esta nova capacitação e desafio. Ou esta nova responsabilidade que hoje conta com um aliado imprescindível de que não podemos prescindir: a comunicação ou a engenharia dos sistemas informáticos.
Se olharmos para toda a fotografia, a tecnologia veio para nos ajudar, claro. Já sabemos que o controlo e a gestão da energia assumem um papel fundamental na sustentabilidade do edificado, sobretudo agora que se querem edifícios com balanços de energia muito próximos do zero. Mas também no projecto de edifícios com poucas necessidades energéticas que retirem o máximo partido da exposição, da envolvente, dos materiais e das funcionalidades de vários equipamentos. Acresce o salto para a produção de energia renovável in house nas suas multicomponentes e possibilidades de implementação. Na electrificação, de preferência renovável, de tudo e que se estende aos bairros e às cidades e actividades do dia-a-dia, em particular à mobilidade.
Imagine tudo isto junto e a comunicar, em rede e connosco. A produção, a operação, a manutenção… O controlo de todas estas peças integrado numa estrutura comum e agregadora. Numa plataforma única que distribui informação à la carte para as várias especialidades. Parece que é isto que está a acontecer. Várias questões estão a ser resolvidas no sentido de todas as peças conseguirem encaixar entre si. Se pensarmos nos elevadores, na iluminação, na ventilação, no ar condicionado, na segurança e na gestão da energia e da água, e nos automóveis, temos uma complexidade de funções que só fazem sentido se independentes, mas integradas. Que permitam uma intervenção isolada, mas uma gestão global simples, muito simples. Um controlo ponto-a-ponto, que abrevie o diagnóstico e a intervenção. Um controlo indispensável a uma manutenção eficiente e barata. Sim, porque este cenário permite optimizações genéricas com ganhos de desempenho muito grandes. Parece que será esta a ideia que está a ser desenvolvida. Um edifício e uma única plataforma ou software nos quais encaixam as outras. Os grandes gigantes como a IBM, a CISCO ou a Microsoft já estão a trabalhar nestas soluções.
A Gestão Técnica Centralizada (GTC) pode ganhar uma nova vida com mais áreas de intervenção. Prevê-se que, daqui a alguns anos, seja este o cenário. A GTC cresce de importância porque encaixa nesta estrutura e pode ampliar a sua capacidade como ferramenta essencial à gestão de todo o edifício, nas suas múltiplas funções. Este pode ser o melhor cenário. Mas há quem defenda que, com base nessa estrutura ou software comum, serão apenas desenhados módulos por especialidade. Os benefícios em ambos os casos? Enormes! O dono de obra, num só monitor, pode “puxar” um dashboard e perceber o que se está a passar ou receber no seu telemóvel toda a informação de que precisa. Simples e muito precisa.
Nesta fase, onde já existem muitas destas soluções afinadas e outras a serem testadas, há várias questões que se colocam. Será a inteligência tecnológica suficiente? Não! A evolução do conhecimento passa por outros lados, inevitavelmente. O conhecimento evoluiu e, com ele, o projecto e a operação, mas, no meio deste desenvolvimento, há ainda várias dificuldades a resolver e perguntas necessárias. Será que este desafio está a criar um novo mercado muito diferente daquele que conhecemos? Podem os equipamentos conectados e a inteligência dos sistemas roubar espaço à gestão convencional da energia nos edifícios? Temos formação para lidar com todas estas mudanças?
É que em sentido oposto a tanto progresso, há um sentimento generalizado de que as pessoas sabem cada vez menos. Num mercado em que se continua a pagar pouco mais do que o ordenado mínimo a engenheiros e arquitectos, é difícil nutrir alguma motivação para abraçar este novo mundo.
O mercado da automação e controlo
Segundo conseguimos apurar, o mercado poderá ter diminuído nos últimos anos em termos de volume e valor. Mas a tendência actual é outra e os efeitos da crise poderão estar a desaparecer. Este período menos bom poderá ter sido marcado pela falta de investimento, mas também por uma nova dinâmica no mercado. A evolução do nível dos equipamentos fez com que projectistas começassem a optar por especificar soluções técnicas em que os subsistemas já vêm com controlo incorporado. Esta tendência mantém-se. Para Manuel Queiroz, country manager da Sauter Ibérica em Portugal, “numa primeira análise, esta solução até pode parecer a mais lógica, contudo, nem sempre corre bem, pois, se for necessário fazer alterações de estratégias de controlo, nem sempre os fornecedores locais estão preparados para tal. Em termos de manutenção, a situação pode piorar porque vai sempre envolver diversas entidades”.
O mercado pode ter caído, mas a recuperação está a acontecer e o aumento da procura é uma realidade para muitas empresas. “Temos vindo a assistir, de uma forma como nunca se viu no passado, a uma maior atenção sobre os sistemas de GTC”. A explicação, para António Vieira, director-geral da Geoterme, está na “obrigatoriedade”. Para este especialista, “são várias as exigências legais, nacionais e internacionais, que impõem sistemas de GTC cada vez mais sofisticados e exigentes, adoptando-os como uma das principais medidas para o aumento da eficiência energética nos edifícios e para a redução de emissões no âmbito da directiva europeia EPBD, da norma europeia EN15232… Os sistemas de GTC sempre foram uma lança tecnológica na engenharia dos edifícios e, com o desenvolvimento acelerado dos sistemas de informação e digitalização, acabam por assumir uma importância reforçada porque traduzem a ligação entre os sistemas técnicos tradicionais dos edifícios (Sistemas AVAC, Iluminação, etc.) e o novo mundo digital – IoT, Big Data, SRI (Smart Readiness Indicator for Buildings)”.
Esta alavanca está também na facilidade e redução de custos, segundo Manuel Queiroz: “A queda drástica no custo da detecção, instalação e das tecnologias de comunicação na forma de redes de baixa potência (LPWAN-Low Power Wide Area Network) permitiu uma comunicação segura e barata sem necessidade de muita cablagem. Equipamentos sem fios e de baixo consumo podem, hoje, trabalhar anos apenas com uma pequena bateria”.
As vantagens destes sistemas são amplamente conhecidas. A nova directiva é claríssima quanto a essa matéria, naquilo que são os seus requisitos e necessária promoção da sua utilização. Recorde-se que, quando a potência térmica de um edifício é superior a 250kW, o projecto específico de GTC torna-se obrigatório em novos edifícios ou grandes remodelações. E, por isto mesmo, tem-se dado mais importância a este tema nos últimos tempos, nomeadamente com a “divulgação do conhecimento relativo a esta área da engenharia dos edifícios. Nos últimos anos, foram dinamizados diversos seminários e lançados manuais técnicos, tendo-se chegando com estas iniciativas a um elevado número de profissionais”, lembra António Vieira.
Por sua vez, o impacto de um sistema de GTC no desempenho energético dos edifícios é mais do que conhecido, como recorda Luís Malheiro, projectista: “No desempenho ganha-se significativamente, mas interessa-nos falar dos consumos. Tradicionalmente, os fabricantes também podem juntar aos sistemas GTC contadores de energia, electricidade, água e outros. Hoje, os sistemas de GTC podem ter um número de contadores com um perfil completo que permitem fazer opções e tomar decisões. Saber que este edifício consome x KW de energia eléctrica por hora é uma informação suficiente para gerir o problema dos consumos e, como a GTC entra numa base de custo por ponto de medida ou por ponto digital, o projectista pode fazer um controlo por área, ou por quarto no caso de um hotel”. Esta é uma prática que requer um grande investimento por parte do dono do edifício. “Nós, projectistas, quer na fase de projecto, quer, depois, no apoio ao cliente final na gestão do edifício, temos de exigir instalar mais contadores, coisas mais simples que nos permitem conhecer melhor o perfil do edifício para actuarmos mais facilmente e sabermos qual o impacto daquilo que podemos fazer. Anteriormente, faziam-se simulações com base em pressupostos. Hoje, se tivermos uma rede de contadores diversificada e instalada, podemos simular mudanças e os seus impactos nos custos. E isto aplica-se ao ar condicionado, aos isolamentos, etc. Monitorizar os consumos é muito importante”.
Um edifício e uma única plataforma ou software nos quais encaixam as outras. Os grandes gigantes como a IBM, a CISCO ou a Microsoft já estão a trabalhar nestas soluções. A GTC pode ganhar uma nova vida com mais áreas de intervenção. Prevê-se que, daqui a alguns anos, seja este o cenário. A GTC cresce de importância porque encaixa nesta estrutura e pode ampliar a sua capacidade como ferramenta essencial à gestão de todo o edifício, nas suas múltiplas funções.
Dificuldades ou oportunidades?
Os desafios são novos, mas algumas dificuldades são as mesmas. De facto, se, por um lado, temos a inovação e novas formas de actuar a puxarem-nos num sentido, por outro, há um mercado a querer dar o salto. Um salto que não consegue dar sozinho. Para além da falta de coordenação das várias especialidades, Manuel Queiroz fala-nos “da rotina das chamadas empreitadas gerais que contribui para a deturpação da solução técnica e do nível de qualidade da instalação”. Para este engenheiro, o mercado da GTC continua extremamente agressivo e competitivo, e “habitualmente os valores mais baixos têm prioridade sobre as soluções técnicas, independentemente do nível de exigência do projecto, e ainda das soluções preconizadas pelas marcas de referência”.
O mercado português está muito bem apetrechado de boas empresas de GTC, capazes de implementar sistemas altamente eficientes, capazes de responder aos desafios tecnológicos do presente e do futuro. É assim que a Geoterme caracteriza este sector. No entanto, “um grande entrave que infelizmente ainda subsiste é a mentalidade que se instalou de fazer empreitadas técnicas a baixo custo, unicamente focada no preço e no imediato e não nos resultados a obter mais à frente, e isso, mais tarde ou mais cedo, vai sair-nos muito caro”, reforça António Vieira.
“O dono de obra é que vai decidir o grau de ambição que quer”, destaca Luís Malheiro. “Os sistemas de GTC que existem são muito importantes, mas nem sempre se retira todo o seu potencial. O mercado é que manda”. Na realidade e independentemente das ambições do dono do edifício, são os projectistas que prescrevem os sistemas de GTC. “Mas o caderno de encargos é aberto a qualquer fabricante. Hoje, prescrevemos de uma forma aberta para, depois, ser detalhada”. Para Luís Malheiro, “os projectistas têm de ter a capacidade de indicar quais os comandos que querem, os sensores que querem, os actuadores… e isso, muitas vezes, nem faz parte da empreitada da gestão, mas da empreitada do ar condicionado. Há aqui um cruzamento de factores de tal maneira importante que defendo que o projecto da GTC deve estar completamente integrado no projecto do ar condicionado e no projecto de electricidade”, afirma.
Os sistemas de controlo que vêm frequentemente incorporados nos equipamentos poderão ser um entrave para a GTC num edifício e dificultar o arranque de soluções mais completas? “Claro que não!”, assegura Luís Malheiro. “Não porque procuramos fazer o ciclo dos potenciais fornecedores. Quando fazemos o caderno de encargos de uma obra, colocamos o chiller que se adapta melhor ao nosso projecto, com a marca ou modelo e equivalente, para o dono de obra não ficar dependente de uma marca. Hoje, o campo de actuação é mais vasto porque os protocolos dos fabricantes começam a ser abertos. As marcas de equipamentos que vendiam mais faziam essa guerra e mantinham os protocolos fechados. Mas as coisas mudaram e, hoje, estão disponíveis para se ligarem ao protocolo geral. Já está praticamente tudo feito e o único problema que existe é a comunicação dos dados. Com os protocolos abertos, não temos de estar preocupados porque esses equipamentos são compatíveis com os sistemas de GTC. Na prática, quando um chiller se avaria, o próprio equipamento trata do assunto e comunica ao sistema de GTC. Não se evita que haja uma informação centralizada. Os chillers já controlam a produção total da central de ar condicionado. Já comandam as bombas, as válvulas, os caudais. Antes, éramos nós que lá íamos entender a matriz de comandos. Embora existam ainda algumas bolsas de controlo, nós temos de ter a capacidade de comunicar com elas. Se não comunicarmos com estas bolsas, não há controlo”.
Informação vs. inteligência
Para que esta comunicação aconteça, há duas coisas que são fundamentais: a inteligência na “arquitectura” do sistema e o conhecimento para tirar o máximo partido das informações. “A informação está muito disponível e isso é tudo muito bonito, mas, se não há inteligência e conhecimento para dizer como é, nada funciona. Há muita informação que não é usada e muitos outputs que não servem para nada”, refere Luís Malheiro. Só que, para tirar o máximo partido de toda esta inteligência tecnológica, também é necessário alargar conhecimentos e competências, bem como ter uma relação cada vez mais estreita entre todos os parceiros: instalação, projecto e fornecedores. Aqui, surge, talvez, a maior dificuldade. À falta de formação, junta-se, porventura, a falta de coordenação quando falamos em qualificação. “O panorama dos instaladores não é favorável desde que desapareceram os grandes empreiteiros e instaladores. Quem manda e tem o poder são os fornecedores e já não são os instaladores. Na manutenção, é igual. Neste momento, nos fornecedores, há competência técnica. Nos instaladores, há menos”. Luís Malheiro concorda que deva haver mais proximidade, mas ressalva que o projectista deve manter-se “equidistante” e ter a informação essencial por parte dos fabricantes. “Estou a falar das empresas que vendem equipamentos já com a incorporação de sistemas de controlo e também das próprias empresas de sistemas de GTC. São coisas diferentes. Temos de conhecer o protocolo de ligação dos equipamentos de ar condicionado, electricidade…”, conclui.
Já as empresas de GTC apostam na qualificação permanente como factor essencial para o negócio. Segundo Manuel Queiroz, “continua a observar-se a falta de técnicos qualificados tanto na vertente da instalação, como da manutenção, no entanto, as empresas de GTC mantêm nos seus quadros técnicos altamente qualificados e certificados pelas marcas que representam”. António Vieira acrescenta: “do lado do projecto, tem existido acompanhamento e evolução, mas é necessário ir mais além – ainda hoje são concebidos novos edifícios sem um projecto dedicado para o sistema de GTC que integre todas as instalações. É primordial que se desenvolvam projectos de GTC de uma forma integrada com todas as outras especialidades, sem esquecer as infra-estruturas de IT. O desenvolvimento para um mesmo edifício de diversos projectos de GTC, isolados, para cada uma das especialidades, sem ter em atenção a coerência global da solução, é o primeiro factor para o estabelecimento de um mau sistema. Outro factor que deve estar sempre presente na fase de projecto e que permite desenvolver edifícios preparados para o futuro é a utilização de protocolos de comunicação abertos e standard, como o BacNet, possibilitando a utilização conjunta de vários fabricantes/fornecedores”.