Os dados são da empresa Selectra, que calculou o impacto de reduzir 3 ºC nos sistemas de aquecimento dos edifícios europeus na dependência europeia de gás russo, uma sugestão do representante europeu Josep Borrell. Com a Edifícios e Energia, a Selectra partilhou ainda a necessidade de uma distribuição justa deste recurso e o potencial da medida a médio e a longo prazo.

Perante a situação internacional de conflito com a Rússia, têm sido procuradas várias formas de mitigar a dependência energética da Europa em relação à Rússia, bem como os efeitos do aumento recorde dos preços do gás. Foi neste contexto que, na quarta-feira, Josep Borrell, alto representante da União Europeia (UE) para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, propôs uma redução de 3 ºC nos sistemas de aquecimento dos edifícios europeus. 

Segundo a Selectra, empresa que compara tarifas de energia, a aplicação desta medida de Josep Borrell permitiria poupar 21 % do consumo de gás no edificado residencial da UE, que consome cerca de 75 % de 4791387 TJ de gás natural para aquecimento. “Feitas as contas, resolveria 11,6 % do problema da dependência europeia do gás russo”, destaca a empresa.

Alargando a medida ao edificado do sector terciário na UE, responsável pelo consumo de 2006985 TJ, seria possível obter ganhos adicionais. Assumindo o mesmo valor de 75 % do consumo de gás para aquecimento para estes edifícios, a Selectra afirma que reduzir 3 ºC no termóstato resultaria “em pelo menos 21 % de poupança de energia”, traduzindo-se na resolução de 4,9 % do problema da dependência do gás russo.

“Se a Europa unisse esforços e baixasse o seu termóstato em cerca de 3ºC, tanto em casa como no escritório, conseguiria reduzir as importações de gás russo em até 16,5%”, realça a Selectra. Apesar de requerer um esforço conjunto para ser bem sucedida, a medida teria de ser implementada considerando as particularidades de cada país. “Num contexto prático têm de ser feitos ajustes”, avança a Selectra, em entrevista à Edifícios e Energia, explicando que cada governo teria de avaliar o impacto desta medida. 

Teriam ainda de ser considerados alguns aspectos, tais como as diferentes condições de isolamento dos edifícios e os diversos hábitos de consumo energético para aquecimento. Em edifícios bem isolados, “cada vez mais comuns”, por exemplo, é possível que o valor a reduzir seja “mais elevado”, tornando a poupança “mais significativa”, afirma a empresa. Ao mesmo tempo, é preciso incluir a “contribuição das famílias que apenas utilizam electricidade para se aquecerem”. Em Portugal, com uma porção significativa de pessoas em pobreza energética, é necessário não esquecer também os indivíduos que nem chegam a ligar o aquecimento.

“Uma medida difícil de promover”, mas com vantagens

A eventual diminuição de conforto e o pedido subjacente relativamente à mudança de hábitos torna a medida “difícil de promover”. Todavia, a Selectra lembra que diminuir 3 ºC no termóstato europeu “possibilitaria que as sanções ocidentais à Rússia fossem realmente eficazes”. 

A alternativa permitiria ainda um benefício ambiental, perfazendo uma poupança de 1070743,6 TJ e de 61,9 milhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono por ano. A medida tem, assim, “potencial para ser também uma acção de médio e longo prazo, desde que seja planeada de forma estratégica para que os cidadãos europeus não passem privações”, frisa a Selectra.

“Terá de ser feita uma distribuição justa” do gás

Nem todos os países europeus dependem do gás russo na mesma proporção. Se Portugal é dos países menos afectados directamente, à conta da importação de gás sobretudo da Nigéria e dos Estados Unidos, já a Eslováquia, a Letónia e a República Checa sofrem um impacto directo da dependência russa. Não obstante, “os mercados europeus estão bastante interligados” e todos os países acabam por sofrer consequências, visíveis logo na factura energética.

“Existem outros fornecedores de gás natural para além da Rússia, e com o início da Primavera há países, como Portugal e Espanha, que não precisarão de utilizar o aquecimento de igual forma que outros no Norte da Europa. E, neste sentido, terá de ser feita uma distribuição justa deste recurso, tendo em conta as necessidades de cada país”, sublinha a Selectra. 

Recorde-se que a Rússia é a maior exportadora de gás da Europa, fornecendo cerca de 40 % e que, face as circunstâncias actuais, diminuir a dependência energética da Rússia tem sido uma prioridade. Na mesma linha de pensamento de Josep Borrell, também na semana passada, a Agência Internacional de Energia tinha avançado com a sugestão de diminuir em 1 °C a temperatura do termóstato.