Artigo publicado originalmente na edição de Janeiro/Fevereiro de 2024 da Edifícios e Energia.

Sem dúvida de que estamos na era da reabilitação do património construído, pelas boas e ao mesmo tempo más razões. A pressão da procura e a necessidade de criar novos espaços edificados também estão novamente a alavancar a construção de novos edifícios, em especial, na área dos serviços e nas suas mais diversas tipologias. Quanto à reabilitação, foram décadas de abandono do parque construído, mas o país percebeu finalmente que não pode deixar de pensar na reabilitação dos seus edifícios e as entidades responsáveis e os especialistas já consensualizaram ser este um desígnio nacional.

Os edifícios são o legado vivo de séculos de evolução e inovação. O património possui a capacidade de estimular a memória das pessoas historicamente vinculadas a ele, e, por isso, deverá ser alvo de estratégias que visem a sua promoção e preservação. O património não é constituído apenas por edifícios históricos, que deverão inevitavelmente merecer especial atenção, mas deverá englobar todos os edifícios existentes, selecionados e avaliados de forma criteriosa, que moldaram a forma de vida e os hábitos de habitantes, comunidades e populações ao longo dos séculos.

A preocupação em proteger o património começou no início do século XX e tem levado a que haja hoje uma plêiade importante de casos bem-sucedidos. É reconhecido que o sector dos edifícios é um dos principais consumidores de energia na Europa, onde, tipicamente, a utilização de energia em edifícios tem mostrado uma tendência de crescimento, ao longo dos últimos 20 anos, daí que a Comissão Europeia tenha levado a cabo diversas ações no sentido de reduzir este consumo energético.

A PROPOSTA EUROPEIA QUE PARECE SUGERIR UMA “NOVA” DIRETIVA

Recentemente, foi publicada o que parece ser uma já apelidada “nova diretiva” EPDB 2002/91/CE ─ Diretiva para o Desempenho Energético dos Edifícios, que introduz uma evolução verificada em várias diretivas europeias, constituindo o designado pacote europeu Fit for 55 (Objetivo 55), de modo a que os objetivos definidos de redução de consumos e de aumento da eficiência energética sejam alcançados.

A diretiva terá de ser brevemente transposta para a legislação nacional e as orientações estratégicas e os planos aí contidos devidamente revistos. A União Europeia (UE) tem-se sempre caracterizado por políticas ambiciosas, mas as ambições deverão ser equilibradas e articuladas entre todas as partes interessadas – decisores políticos, agentes económicos e o público-alvo, ou seja, a diversidade dos cidadãos.

Aqui chegados, deparamo-nos sempre com a componente económica e financeira, pois a verba de 12 milhões de euros disponibilizada pelo Fundo Ambiental para o aumento da eficiência energética está praticamente esgotada, sendo a sua maioria dirigida para o revestimento de fachadas, conforme evidenciado na I Convenção dos Condomínios, promovida pela APEGAC, que se realizou recentemente em Vila Nova de Gaia.

Fazemos notar também que o isolamento térmico da envolvente é apenas uma das intervenções necessárias. A componente da envolvente é importante, mas muitos edifícios dependem de combustíveis fósseis para aquecimento e arrefecimento e utilizam tecnologias antigas e aparelhos que desperdiçam recursos. Acresce o facto de que a pobreza energética continua a representar um problema grave para milhões de cidadãos.

Estes problemas não são específicos de Portugal, pois, atualmente, em cada ano, apenas 11 % do parque imobiliário existente na UE é sujeito a obras de renovação. Porém, essas obras de renovação raramente incidem no desempenho energético dos edifícios, pelo que a taxa anual ponderada de renovação energética é baixa — cerca de 1 %. Anualmente, apenas 0,2 % do parque imobiliário de toda a UE é sujeito a renovações profundas que reduzem o consumo de energia em, pelo menos, 60% e, em algumas regiões, as taxas de renovação energética são basicamente nulas. A este ritmo, decorreriam séculos até que fossem alcançadas emissões líquidas nulas de carbono no setor dos edifícios.

O QUE FALTA AINDA PARA UMA COMPLETA RENOVAÇÃO DE EDIFÍCIOS ATÉ 2030 E 2050

De acordo com o proposto pela UE, para um completo cumprimento deste desígnio da renovação de edifícios falta um vasto leque de setores e intervenientes que baseiem a sua ação nos seguintes princípios fundamentais:

  • Prioridade à eficiência energética, um princípio orientador horizontal da governação europeia em matéria de clima e energia e não só, como descrito no Pacto Ecológico Europeu e na Estratégia da UE para a Integração do Sistema Energético, que visa garantir que só produzimos a energia de que precisamos;
  • Acessibilidade dos preços, para que os edifícios com bom desempenho energético e sustentáveis estejam amplamente disponíveis, em especial para os agregados familiares de médios e baixos rendimentos e para as pessoas e zonas vulneráveis;
  • Descarbonização e integração das energias renováveis. A renovação de edifícios deve acelerar a integração das energias renováveis, em especial das que utilizam fontes locais, e promover uma utilização mais alargada do calor residual, bem como integrar os sistemas energéticos a nível local e regional, ajudando a descarbonizar os setores dos transportes e do aquecimento e arrefecimento;
  • Conceito de ciclo de vida e circularidade. Minimizar a pegada ecológica dos edifícios exige eficiência e circularidade na utilização dos recursos, combinadas com a transformação de parte do setor da construção num sumidouro de carbono, por exemplo, mediante a promoção de infraestruturas verdes e a utilização de materiais de construção orgânicos que permitem armazenar carbono, tais como madeira de origem sustentável;
  • Normas rigorosas em matéria de saúde e ambiente, que permitam assegurar uma elevada qualidade do ar, uma boa gestão da água, a prevenção de catástrofes e a proteção contra os perigos relacionados com o clima, a remoção de substâncias nocivas — como o amianto e o rádon — e a proteção contra as mesmas, bem como a segurança contra incêndios e sismos. Além disso, é necessário garantir a acessibilidade, a fim de criar condições equitativas de acesso para toda a população europeia, incluindo as pessoas com deficiência e os idosos.
  • Enfrentar simultaneamente o duplo desafio das transições ecológica e digital. Os edifícios inteligentes podem permitir a produção e a utilização eficientes de energias renováveis em cada edifício, zona urbana ou município, as quais, combinadas com sistemas de distribuição de energia inteligentes, permitirão obter edifícios altamente eficientes e com emissões nulas.
  • Respeitar a estética e a qualidade arquitetónica. A renovação deve respeitar princípios de conservação da conceção, da mestria, do património e do espaço público

“Os edifícios são o legado vivo de séculos de “ evolução e inovação. O património possui a capacidade de estimular a memória das pessoas historicamente vinculadas a ele, e, por isso, deverá ser alvo de estratégias que visem a sua promoção e preservação.”

O ESFORÇO E A PARTILHA DE CUSTOS EXIGIDOS AOS CIDADÃOS

Sobre esta temática, recomendamos vivamente a leitura do artigo de opinião do professor Eduardo Maldonado publicado recentemente nesta revista, na edição de Maio/Junho 2023 (n.º 147), sob o título O novo programa de apoio ao isolamento dos Condomínios. Será bom?

E COMO ESTÃO A REAGIR INVESTIGADORES E MOVIMENTOS INTERNACIONAIS?

Num artigo publicado no website do Guardian, no passado dia 10 de novembro, Francesco Grillo, investigador visitante do Instituto Universitário Europeu de Florença e diretor do grupo de reflexão think tank Vision, faz uma pergunta pertinente: como podemos recolocar a crise climática no topo da agenda, tanto para os políticos como para o público? Transcrevemos e traduzimos o artigo supracitado:

“A fadiga climática não é um sinal de que os europeus estão em negação – é um sinal do seu medo

Enquanto a Europa é atingida pela crise climática, os governos devem tranquilizar os eleitores de que os custos verdes serão compartilhados de forma justa. «Num momento em que deveríamos estar a acelerar a ação, há um retrocesso (…). Estamos a caminhar para o desastre, de olhos bem abertos.» Há alguns meses, o secretário-geral da ONU, António Guterres, usou estas palavras para alertar para o facto de a batalha coletiva contra a crise climática estar a perder força política. Guterres tinha razão: a resposta coletiva é lamentável. Mas não são só os políticos.

“Como é que podemos voltar a colocar a crise climática no topo da agenda, tanto para os políticos como para o público? O primeiro passo é reconhecer que a fadiga climática na Europa não tem muito a ver com o facto de os europeus estarem menos preocupados com o impacto dos sistemas climáticos variáveis.”

Evidências claras de fadiga climática emergem de inquéritos de opinião recentes sobre as intenções de voto nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, em junho de 2024. Enquanto os partidos verdes europeus devem perder mais de um terço dos seus assentos, os conservadores de direita céticos em relação ao clima devem conseguir uma grande vitória.

Essa mudança no sentimento público pode até resultar no retrocesso da UE no seu chamado acordo verde [Pacto Ecológico Europeu], uma política central que definiu o mandato de Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia. O ceticismo é generalizado nos Estados-Membros cujos governos mandam na UE. Nas eleições gerais de 22 de novembro na Holanda, Frans Timmermans, ex-comissário europeu do Meio Ambiente e arquiteto do Pacto Ecológico Europeu, terá muito trabalho para conquistar a opinião pública holandesa, que, na sua maioria, apoia os agricultores e se opõe aos planos do governo de reduzir a poluição através da diminuição dos efetivos pecuários.

O ceticismo em relação ao clima também é comum do outro lado do Atlântico – embora com uma polarização acrescida e característica dos Maga [‘Make America Great Again’]. De acordo com uma sondagem recente do YouGov [plataforma de investigação de mercado e análise de dados baseada na internet], apenas 37 % dos eleitores de Trump reconhecem a crise climática como uma questão importante, em comparação com 95 % dos eleitores de Biden. E apenas 24 % dos eleitores de Trump acreditam que o clima está a mudar devido à atividade humana. Para muitos republicanos, a narrativa dominante é, em vez disso, uma invenção de cientistas em busca de publicidade que operam como fantoches de um lóbi global, abrangendo uma vasta gama de atores, desde fabricantes chineses de carros elétricos a apoiantes de Greta Thunberg. Ironicamente, a percentagem de população disposta a pagar mais impostos para evitar as alterações climáticas é mais elevada na Índia, na Indonésia e no Brasil do que no Japão, no Canadá ou em Itália.

A questão urgente que se coloca agora é a seguinte: como é que podemos voltar a colocar a crise climática no topo da agenda, tanto para os políticos como para o público? O primeiro passo é reconhecer que a fadiga climática na Europa não tem muito a ver com o facto de os europeus estarem menos preocupados com o impacto dos sistemas climáticos variáveis. Na verdade, as pessoas sentem os efeitos direta e assustadoramente, uma vez que o continente é cada vez mais fustigado por ondas de calor, incêndios florestais, tempestades e inundações. Mas as pessoas também estão apavoradas com o que acreditam ser o custo para os indivíduos da transição energética necessária. De acordo com a consultora McKinsey, a transição global para o net zero exigirá investimentos adicionais em ativos fixos de 3,5 mil milhões de dólares americanos [cerca de 3,2 mil milhões de euros] por ano até 2050. Isso é cerca de um quarto de todos os impostos cobrados a nível mundial. Ainda não existe um mecanismo convincente para financiar este processo que garanta às famílias, aos indivíduos, às pequenas empresas e aos agricultores que não vão ser levados à falência. Cada vez mais, os cidadãos comuns sabem que muitos deles terão que pagar contas incapacitantes por coisas como a renovação de casas para fazê-las cumprir as regras de eficiência energética.

Basta olhar para o plano da Comissão Europeia de melhorar o desempenho energético dos edifícios até 2050 (2030 para novos edifícios). Os edifícios são responsáveis por mais de 40 % da energia consumida e por 36 % das emissões de gases com efeito de estufa relacionadas com a energia na UE. Mas num país como Itália, mais de metade das casas existentes precisam de ser adaptadas aos novos padrões. As famílias italianas teriam que desembolsar cerca de 500 mil milhões de euros na próxima década, uma média de 40 mil euros por família afetada, de acordo com um estudo feito para o grupo de reflexão think tank Vision, de que sou membro. Não admira que muitas famílias, empobrecidas por anos de estagnação económica e, mais recentemente, pela inflação, vejam o acordo verde não como uma transição para um modelo mais justo de produção distribuída de energia, mas como um pesadelo.

A experiência de subsidiar a reabilitação de casas oferece pistas sobre o que correu mal com as atuais políticas ecológicas. O ministro das Finanças italiano, Giancarlo Giorgetti, admitiu recentemente que três governos italianos sucessivos gastaram 109 mil milhões de euros em três anos na modernização de edifícios residenciais, mas ainda só atingiram 3 % do parque habitacional do país. O regime nacional de subsídios italiano era generoso: inicialmente, o Estado reembolsava 110 % do custo da reabilitação de uma casa. Isto criou um incentivo para que tanto os proprietários como os construtores inflacionassem as suas faturas.

Precisamos de transformar o que é visto como um subsídio público sem responsabilidade num investimento cujo impacto seja mensurável em termos de resultados que os eleitores possam controlar. Em Itália, os bancos devem ser chamados a criar facilidades de microempréstimos, para que o custo inicial de tornar os edifícios mais eficientes do ponto de vista energético seja reembolsado por futuras poupanças de energia. Nos Países Baixos, os governos deveriam ter a visão de definir políticas industriais para diversificar a produção de carne, por exemplo, para biocombustíveis renováveis avançados.

Os políticos verdes, por sua vez, cometeram erros de comunicação pelos quais podem vir a pagar um preço político. Na Alemanha, o termo Verbotsgesetze [leis de proibição] é usado para descrever uma tendência para procurar a sustentabilidade através de todo o tipo de proibições e interdições (desde caldeiras a gás a investigações controversas sobre geoengenharia). O descontentamento com as políticas verdes não é necessariamente um sinal de que as pessoas não estão preocupadas com as alterações climáticas. O mais plausível é que estejam cansadas de receber lições e impacientes com o facto de não reconhecerem que a transição energética não pode ser conseguida através de prescrições únicas que prestam pouca atenção à implementação e ao custo a nível individual. Precisamos de mais criatividade para criar soluções. Menos palestras e mais envolvimento. Afinal de contas, só venceremos a batalha pela transformação radical necessária se os cidadãos se virem a si próprios como parte dela e não como consumidores passivos de decisões de cima para baixo.”

“Precisamos de transformar o que é visto como um subsídio público sem responsabilidade num investimento cujo impacto seja mensurável em termos de resultados que os eleitores possam controlar.”

EM JEITO DE CONCLUSÃO

Adivinhamos a continuação de tempos desafiantes para a transformação e a mitigação das alterações climáticas, pois vemos o clima do planeta sob uma quase indiferença coletiva. Ao mesmo tempo, o contexto internacional não é animador, dado que está pautado pela guerra na Ucrânia e pelo conflito no Médio Oriente. Todos estes fatores geopolíticos, se escalarem, têm o poder de aumentar a inflação e, consequentemente, de elevar os juros e travar o desenvolvimento económico, criando ainda mais obstáculos à tão premente e indispensável reabilitação energética de edifícios.

Dada a instabilidade sociopolítica, que grassa praticamente na maioria dos países europeus e que gera descontentamentos e nalguns casos ceticismo ou mesmo negacionismo, resta-nos ficar na expectativa, aguardando por futuros desenvolvimentos e acontecimentos, mas sempre com atenção redobrada e comportamentos proativos.

 

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