Produzir, consumir, armazenar e vender eletricidade renovável. De acordo com a Diretiva das Energias Renováveis (RED II), os quadros regulamentares em vigor nos vários Estados-Membros devem assegurar estes quatro direitos aos autoconsumidores de energia renovável sem que estes sejam confrontados com encargos desproporcionados, e podem ser exercidos pelo cidadão comum, quer individualmente, quer coletivamente, no seio de uma comunidade de energia renovável (CER).
Na maratona da sustentabilidade do planeta, cuja meta é o ano de 2050, temos de ser mais ambiciosos. Para atingir a neutralidade carbónica em menos de três décadas, a União Europeia (UE) tem apresentado sucessivos documentos com metas cada vez mais exigentes e ambiciosas, colocando o velho continente na liderança da agenda ambiental.
Recentemente a Comissão Europeia apresentou mais um desafio a todos os Estados-Membros, o Fit for 55, o novo pacote legislativo para garantir que a Europa cumpre as metas climáticas até 2050. Olhando para as principais ideias do documento, diria que o Fit for 55 não é apenas um plano que combina medidas de redução das emissões com medidas de preservação da natureza, mas, também, uma espécie de manual de instruções que visa cumprir as ambições climáticas da Europa, com forte ênfase na eficiência energética.
O Fit for 55 aponta as energias renováveis como o caminho para a maior eficiência energética, com os edifícios a terem de cumprir a referência de 49 % de utilização até 2030 e a terem de aumentar a utilização de energias renováveis no aquecimento e arrefecimento em 1,1 pontos percentuais também até 2030. E porque o Estado deve dar o exemplo, o Fit for 55 estabelece a obrigação de todos os Estados-Membros renovarem, pelo menos, 3 % da superfície total do conjunto de edifícios públicos por ano.
A revolução ambiental já está em marcha e a Europa assume que esta mudança será feita a um ritmo acelerado ao afirmar que pretende reduzir as suas emissões de CO2 em 55 % até 2030 (face aos valores de 1990). Portugal encontra-se entre os países europeus que mais têm contribuído para esta mudança, tendo sido o primeiro país do mundo a assumir o compromisso de neutralidade carbónica até 2050, durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas em 2016. Exemplos como o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 ou o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC2030) são demonstrativos desta ambição verde.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem dito em diversas ocasiões que Portugal está no “bom caminho” para conseguir energias mais limpas e, em julho último, o diretor executivo da Agência Internacional de Energia, Fatih Birol, afirmou que “Portugal é líder europeu na transição energética verde e o trabalho desenvolvido pelo Governo nesta área é um bom exemplo para os outros países europeus”.
Passando em revista os últimos anos, podemos concluir que os instrumentos necessários à mudança de paradigma existem e estão consolidados. Em Portugal, só atingiremos os objetivos propostos para os próximos 30 anos se apostarmos na renovação do parque edificado. E, na verdade, temos as razões para acreditar. Com os fundos provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), surge uma oportunidade única de investimentos garantidos para os próximos anos.
Os instrumentos financeiros existem e já estão no terreno. A segunda fase do Programa Edifícios mais Sustentáveis, do Fundo Ambiental, que conta com o apoio técnico da ADENE, já arrancou e vai ajudar as famílias a remodelar ou fazer obras em casa para melhoria da eficiência energética das habitações. O novo programa insere-se no âmbito do PRR, que identifica a aposta na eficiência energética dos edifícios como uma prioridade para a recuperação económica alinhada com a transição climática. O PRR prevê que a renovação dos edifícios terá de passar pela utilização de materiais mais sustentáveis e reciclados, de forma a tornar o seu uso mais eficiente a nível energético e a melhorar o desempenho ambiental.
A publicação, a 1 de julho, das peças legislativas que complementam o Sistema de Certificação Energética (SCE) dão cumprimento ao Decreto-Lei n. º101-D/2020. Sabendo da enorme expetativa e alguma preocupação dos técnicos e profissionais da construção e imobiliário com a nova legislação, a ADENE, enquanto entidade gestora da Certificação Energética dos Edifícios, tem desenvolvido um trabalho de proximidade com todos os skateholders do setor, disponibilizando informação e realizando sessões de formação.
A Academia ADENE tem desenvolvido ações de capacitação e formação dos principais agentes do SCE, tendo realizado mais de 25 sessões que envolveram mais de mil Peritos Qualificados (PQ). Na estreita relação que a ADENE tem com as diversas Ordens Profissionais, foram realizadas múltiplas sessões de trabalho que envolveram perto de 1 500 especialistas e tiveram mais de três mil visualizações nas redes sociais. Porque os municípios são cruciais no cumprimento dos procedimentos da nova legislação, a ADENE realizou oito sessões de formação, envolvendo mais de 300 técnicos municipais.
Na origem das alterações à legislação do SCE está a urgência de redução das emissões de CO2 associadas aos consumos energéticos dos edifícios na UE. A solução para este desafio global passa por uma grande renovação do edificado, de forma a serem pensadas e adotadas soluções com vista à promoção de condições de conforto térmico e de qualidade do ar interior, bem como à redução das necessidades e dos consumos energéticos dos edifícios.
Ao longo do tempo, as exigências foram aumentando e, gradualmente, os requisitos de qualidade térmica e de desempenho energético dos edifícios foram sendo revistos. Se, em 2006, eram apenas aplicáveis a construção nova e grandes intervenções, já em 2015 passaram a ser aplicáveis a qualquer intervenção, desde que intervencionado um componente do edifício com impacto no desempenho energético. Os requisitos sobre o desempenho energético intensificaram-se ainda mais e, desde 1 de janeiro de 2021, todo o parque edificado deve ser, progressivamente, constituído por edifícios com necessidades quase nulas de energia (NZEB). Nearly Zero Energy Building é a norma europeia que, tal como o nome indica, prevê que os edifícios tenham necessidades energéticas quase nulas, sendo que a satisfação dessas necessidades deverá ser feita maioritariamente por energia proveniente de fontes renováveis, preferencialmente produzidas no local ou nas proximidades. Também a mobilidade elétrica surge nestas novas regras. Desde 1 de julho, todos os edifícios novos devem garantir infraestruturas para postos de carregamento de veículos elétricos.
Atingir as metas definidas pela UE é um enorme desafio para Portugal, cujo parque edificado é maioritariamente antigo. A ADENE, enquanto entidade gestora da Certificação Energética dos Edifícios, dispõe de uma base de dados que permite concluir que cerca de 50 % dos imóveis certificados apresentam uma classe energética pouco eficiente com classes que variam entre F e D. Consultando estes dados, vemos que existe um enorme potencial de crescimento na aplicação de soluções de eficiência energética, quer através de alterações de construção, quer pela aplicação de medidas para aumentar a eficiência energética dos edifícios. Os técnicos da ADENE identificaram mais de 2,6 milhões de medidas de melhoria de eficiência energética que, se forem implementadas, vão permitir que dois terços dos imóveis certificados atinjam classes C ou até B-. A grande mais-valia da subida da classe é a redução da fatura energética, uma vez que a subida para a classe C ou B- representa em média uma redução dos consumos estimados para o aquecimento e para o arrefecimento em cerca de 44 % e 75 %, respetivamente.
Se queremos atingir as metas europeias e nacionais, temos de trabalhar em conjunto. É essencial o diálogo, o acompanhamento e a colaboração entre todos os intervenientes envolvidos no processo de conceção do edifício, nomeadamente arquitetos, projetistas e PQ.
A nova legislação tem o mérito de unir profissionais e PQ no processo na conceção dos edifícios. Esta é a grande mudança que vai permitir a construção de edifícios mais eficientes no uso da energia e dos restantes recursos. Em todo este processo, destaco o papel do PQ do SCE, que tem a responsabilidade de confirmar o cumprimento dos requisitos de conforto térmico e de desempenho energético, emitindo o respetivo pré-certificado energético e, posteriormente, o certificado energético.
Estou confiante de que Portugal, ao dar prioridade à renovação dos edifícios públicos e residenciais, ao aumentar o conforto térmico e apoiando os consumidores mais vulneráveis, vai acelerar a concretização dos objetivos de descarbonização. Acredito num futuro com maior eficiência energética.
As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.