Até 3 de Março, decorre a consulta pública da nova versão da Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética, que estima que entre 1,8 a 3 milhões de pessoas possam estar em situação de pobreza energética em Portugal. Na conjuntura actual, é sabido que a pobreza se agravou no país, acentuando, por arrasto, o risco de pobreza energética.
Os últimos dados da Pordata divulgados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) para assinalar, a 17 de Outubro, o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza são claros: em Portugal, mais de dois milhões de pessoas estão em risco de pobreza ou exclusão social. Segundo a mesma fonte, a pobreza e a desigualdade na distribuição dos rendimentos (entre os 20 % mais ricos e os 20 % mais pobres) aumentaram em 2020, afectando mais “as famílias com filhos, os menores de 18 anos e os desempregados” e colocando Portugal numa posição pior em relação aos outros países da União Europeia (UE).
Na base do problema, a FFMS aponta para o impacto da pandemia de Covid-19 nas economias, da guerra na Ucrânia e do agravamento da tendência inflacionária. A propósito deste último ponto, o relatório da fundação diz que a taxa de inflação, que há anos se mantinha baixa, “disparou em 2022, estando actualmente nos 9,3 % [considerando a variação homóloga relativa ao mês de Setembro, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística]”. Com esta inflação, o que acontece é que “quem recebe o salário mínimo de 705 euros vê, na prática, o seu poder de compra reduzido para 639 euros; [e] quem recebe uma pensão mínima de velhice e invalidez vê o seu poder de compra descer para 252 euros”.
A par deste cenário, seis em cada dez (59,7 %) portugueses com rendimentos abaixo do limiar da pobreza não conseguem fazer face a despesas inesperadas. “Portugal, que já vinha registando uma tendência preocupante no que diz respeito ao aumento da pobreza, também tem sido afectado pelo panorama actual, que não apenas dificulta a melhoria desta situação, como também a agrava”, acrescenta a entidade.
Embora a pobreza e a pobreza energética não sejam sinónimos, a baixa disponibilidade financeira é indissociável da vulnerabilidade dos indivíduos no acesso à energia. Os dados de 2021 publicados pela FFMS revelam que, no final de contas, 16,4 % da população portuguesa não consegue aquecer convenientemente a sua casa. Quanto a este indicador, Portugal é o quinto país da UE com mais pessoas incapazes de aquecerem a sua habitação adequadamente, apenas numa posição melhor em relação à Bulgária (23,7 %), à Lituânia (22,5 %), ao Chipre (19,4 %) e à Grécia (17,5. %).

Os mesmos problemas que levam ao agravamento da pobreza em Portugal levantam sérias questões no que toca à pobreza energética. A subida da inflação, em particular, nos preços de energia é outro factor que agudiza este risco. Neste âmbito, alguns agentes do mercado liberalizado de energia, como é o caso da EDP, e a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos já anunciaram a subida do preço das facturas energéticas em 2023 – as tarifas reguladas de electricidade e do gás vão aumentar em cerca de 3,3 % e 3 %, respectivamente.
Recorde-se que o aumento do custo de vida e dos preços da energia são duas das principais variáveis que já levaram a Comissão Europeia a caracterizar Portugal como o quinto país da UE em maior risco de pobreza energética. Saliente-se também que a Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2022-2050, em consulta pública, apresenta Portugal como tendo entre 1,8 e 3 milhões de cidadãos em situação de pobreza energética, dos quais cerca de 660 a 680 mil em situação de pobreza energética severa.
Inquérito retrata situação em Lisboa e Porto
Com o objectivo de caracterizar e monitorizar algumas variáveis relacionadas com a pobreza energética, a Agência de Energia e Ambiente de Lisboa (Lisboa E-Nova) e a AdEPorto – Agência de Energia do Porto inquiriram 1 508 residentes em Lisboa e 1 201 residentes no Porto, obtendo, para cada um dos casos, 1 476 e 1 166 respostas válidas. Os inquéritos, realizados por via telefónica entre finais de Dezembro de 2021 e meados de Fevereiro de 2022 a indivíduos com idades superiores a 24 anos, incidiram sobre quatro dimensões – conforto térmico, factura energética, impactos na saúde e literacia energética – e pretendem ser um instrumento para uma abordagem sistemática bianual à pobreza energética.
Os resultados denunciam uma realidade de desconforto térmico para uma parte significativa das pessoas que constituem estas amostras. Na capital, cerca de 40 % dos participantes admitem “desconforto em relação à temperatura em casa durante o Inverno“, enquanto 32 % dos respondentes dizem-se “igualmente desagradados com a temperatura em casa durante o Verão”. De acordo com as agências de energia, a situação é um pouco melhor na cidade nortenha, onde a percentagem de inquiridos a relatarem desconforto térmico é semelhante no que diz respeito ao Inverno (cerca de 40 %) e menor relativamente ao Verão (23 %). Para ambas as cidades, onde cerca de metade dos residentes reconhecem o impacto negativo do desconforto térmico das habitações na saúde, “a verdadeira extensão do problema pode, no entanto, ser maior”, alerta o estudo.
Para lidar com este desconforto térmico, aquecer a casa no Inverno é uma opção para 78 % dos residentes em Lisboa e para 79 % dos participantes do Porto. Já o arrefecimento é uma prática menos comum (em Lisboa, 55 % arrefecem e, no Porto, 35 %). As medidas aplicadas diferem um pouco entre as cidades, passando quer pelo recurso a equipamentos quer por medidas sem custos energéticos .
Questionados sobre a existência de alguma situação de ineficiência construtiva na habitação, os participantes também deixam claro que, sim, existem, quer no caso de 59 % dos lisboetas, quer no caso de 47 % dos portuenses. A propósito das ineficiências mais frequentes, verifica-se que a humidade e a entrada de ar através de portas e janelas são desafios comuns: enquanto em Lisboa o primeiro problema é apontado por 31 % dos respondentes e o segundo por 29 %, no Porto as duas questões afectam 26 % dos inquiridos. Como outros elementos construtivos problemáticos, a amostra relativa a Lisboa menciona ainda o fraco isolamento térmico das paredes (20 %) e da cobertura (14 %) e os residentes do Porto enfatizam o excesso (9 %) e a falta (8 %) de iluminação natural.
Mas não é só a qualidade da construção que tem repercussões no aumento do risco da pobreza energética. As facturas energéticas, como já referido, são uma outra variável a considerar. Neste inquérito, enquanto os valores médios referentes à electricidade são superiores no Porto – 90 euros no Inverno e 65 euros no Verão – em comparação com Lisboa (69 euros e 53 euros), os valores referentes ao gás são semelhantes (no Inverno, 45 euros no Porto e 38 euros em Lisboa; no Verão, 31 euros nas duas zonas). Mais importante: 14 % dos participantes da amostra de Lisboa e 15 % dos inquiridos a residir no Porto reportaram já se terem atrasado no pagamento dos serviços energéticos.
Por fim, na dimensão da literacia energética, que pode ser um factor protector de situações de pobreza energética, uma parte dos inquiridos revela não se sentirem informados sobre os temas da energia e do conforto térmico. Este dado é relatado por cerca de 22 % dos respondentes a viverem em Lisboa e por cerca de 29 % daqueles que fazem a sua vida no Porto. Os números agravam-se quando se olha para o desconhecimento de fundos relacionados com a eficiência energética nas habitações, que é mencionado por pouco mais de metade dos inquiridos nas duas amostras. “Estes números apoiam a necessidade da existência de espaços de apoio aos cidadãos em matéria de energia”, uma acção que é considerada relevante pela grande maioria dos participantes, destacam os responsáveis.