Desde ontem, 1 de janeiro de 2023, só é permitido fumar em espaços especiais destinados ao efeito – salas de fumo – nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas, incluindo os que possuam salas ou zonas destinadas à dança, com área igual ou superior a 100 m² e um pé direito mínimo de três metros, segundo as regras da Portaria n.º 154/2022, de 2 de Junho, publicada pelos ministérios da Economia e Mar e da Saúde.

A dificuldade em admitir que não é possível conciliar espaços de fumadores com os de não fumadores sem que isso constitua um risco para a saúde dos últimos levou à confusão legislativa substanciada pela Lei 37/2007, de 14 de Agosto, e continuada nas sucessivas interpretações da Direcção Geral da Saúde (DGS), com graves consequências para a saúde pública, devido ao aumento do risco para a saúde dos ocupantes não fumadores e trabalhadores de tais locais, uma vez que, de uma forma ou outra, se foi permitindo fumar no interior de cafés, bares e restaurantes.

Em 2016, 97 % dos adolescentes que frequentavam cafés, bares e pubs admitiram fumar nesses locais e, dos que frequentavam restaurantes, 70,3 % dos inquiridos tinham visto fumar nesses locais, conforme apuraram estudos de investigadores portugueses publicados no National Institutes of Health, EUA.

Apesar de as alterações feitas pelas Leis 109/2015 e 63/2017 admitirem a impossibilidade de conciliar fumadores com não fumadores no mesmo espaço sem prejuízo dos últimos, na prática, nada se alterou, com a desculpa de que os investimentos feitos na ventilação tinham de ser rentabilizados. Por esse motivo, adiou-se a decisão relativa à definição das regras para uma portaria “a publicar” posteriormente, perpetuando-se a estratégia de interpretação errada de dispositivos de ventilação com que foi selada a excepção da proibição de fumar nestes locais.

Agora, passados 15 anos, estamos a ver a luz ao fim do túnel, pois finalmente está publicada a portaria que estabelece as regras para os locais onde é permitido fumar, definidas nos termos das alíneas b) a d) e do n.º 7 do Artigo 5.º da Lei 37/2007, de 14 de Agosto, na sua redacção actual. Estas regras referem-se:

a) à lotação máxima permitida;

b) à separação física ou compartimentação;

c) às regras de instalação e requisitos técnicos dos sistemas de ventilação;

d) à dimensão mínima dos espaços.

Veja-se o Artigo 6.º relativo à ventilação das salas de fumo:

• O n.º 1 refere a introdução de “equipamentos de extracção” quando devia dizer “equipamentos de exaustão”, pois o que está em causa é a evacuação directa para o exterior do ar poluído, e não a sua recirculação;

• No n.º 2, a introdução do termo equívoco “sempre que possível” é inadmissível, já que perturba a eficácia da aplicação da ferramenta legislativa, pois fica por determinar o que deve acontecer quando “não for possível”. Como o que, neste número, se refere é a entrada de ar novo, e a emissão dos poluentes quentes estará na zona ocupada pelos fumadores, colocar a entrada de ar novo noutro local que não junto ao pavimento provocará a mistura, pondo em risco a correcta ventilação da sala;

• O n.º 3 utiliza termos desnecessários. Como é sabido, quer em normalização, quer em legislação, o “deve” é obrigatório, tornando-se redundante a expressão “deve ser obrigatório”;

• O n.º 4 refere a incorporação de um filtro de ar com a classe mínima M5. A norma que sustentava esta classificação, a EN 779:2012, foi substituída em 2018 pela norma EN ISO 16890. Esta foi uma mudança radical na classificação dos filtros de ar que tem em conta o estado da arte em termos de qualidade do ar e que engloba 4 classes (ISO ePM1, ISO ePM2,5, ISO ePM10, ISO Coarse). A selecção de um filtro para o ar novo depende da poluição do ar exterior e do nível de qualidade que se quer para o ar interior. Um filtro M5 corresponde ao ISO ePM10 e constitui um baixo nível de exigência, quando hoje em dia se pede pelo menos ISO ePM2,5;

• No n.º 5, o estabelecimento de um caudal de ar novo mínimo pelas RPH não é aconselhável. Este caudal deve ser sempre em função da emissão de poluentes, que está completamente condicionada pelo número de ocupantes da sala;

• No n.º 6, diz-se que deve ser garantida uma eficácia de ventilação mínima de 80 %, de acordo com a Norma EN 13779. Em primeiro lugar, a norma EN 13779:2007 foi substituída em 2017 pela EN 16798-3. Uma sala de fumo é um espaço que, como está definido, e bem, deve ter a exaustão no ponto alto sobre a zona ocupada e a introdução de ar novo na zona perto do pavimento. Por isso, deve privilegiar-se a estratégia de deslocamento em vez da mistura.

Assim, se pensarmos em indicadores, a eficácia de renovação de ar deve ser 100 %. Contudo, penso que o foco deve estar na eficácia de remoção de poluentes que, neste, caso deve estar perto do infinito.

Para terminar as críticas a esta portaria, será que ninguém se apercebeu que os Técnico de Instalação e Manutenção (TIM) foram substituídos pelos Técnicos Responsáveis pela Manutenção (TRM) em 2021?

Decididamente, a legislação sobre o tabaco, como outras, não consegue isentar-se de confusões, produzindo ferramentas deficientes que comprometem a produtividade. Será que isto acontece porque temos pessoas a legislar em temas que não dominam e não se assessoram adequadamente?

Artigo publicado originalmente na edição de Novembro/Dezembro de 2022 da Edifícios e Energia, aqui com as devidas adaptações.

 

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.