Artigo publicado originalmente na edição de Maio/Junho de 2022 da Edifícios e Energia

A Ordem dos Engenheiros (OE) está preparada para reconhecer engenheiros ucranianos que se estejam a refugiar em Portugal, através de uma “espécie de Via Verde de reconhecimento” simplificada, avança Jorge Liça. Na perspectiva do vice-presidente da OE, integrar estes profissionais representa um benefício mútuo e pode ser uma “preciosa ajuda” para lidar com a escassez de mão-de-obra qualificada.

A guerra na Ucrânia obrigou muitas pessoas a procurarem abrigo noutros países. Portugal, segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras avançados no dia 18 de Abril, já recebeu e aceitou mais de 31,5 mil pedidos de protecção temporária por parte de cidadãos ucranianos, dos quais 21 220 são mulheres e 10 323 são homens. Cerca de um terço dos pedidos corresponde a cidadãos menores, mas os restantes procuram uma forma de se poderem sustentar nos locais onde são acolhidos. Os perfis habilitacionais divergem e as decisões repentinas nem sempre permitem manter as profissões anteriores, mas algumas Ordens profissionais portuguesas procuram integrar parte destas pessoas o mais rapidamente possível.

Assim que o Conselho de Ministros elaborou o Decreto-Lei n.º 24-B/2022, de 11 de Março, estabelecendo medidas excepcionais no âmbito da concessão de protecção temporária a pessoas deslocadas da Ucrânia, incluindo a simplificação do procedimento de reconhecimento, validação e certificação de competências profissionais para exercício em território nacional, a OE começou a agilizar o processo relativo à engenharia. “[A OE] tomou uma iniciativa e criou um normativo, de 15 de Março, para a inscrição dos engenheiros ucranianos na nossa Ordem”, refere o vice-presidente Jorge Liça, da entidade profissional. Segundo o responsável, este Normativo para a Inscrição de Engenheiros Ucranianos, aprovado em reunião da Comissão Directiva, “tem em vista a simplificação dos processos que actualmente são usados”, unificando-os, para ser “proactivo na possibilidade de reconhecimento de competências dos engenheiros com estatuto de refugiado que venham da Ucrânia.”

Numa entrevista ao jornal Expresso, o anterior bastonário Carlos Mineiro Aires referiu que a simplificação não é uma prática nova e que a OE “tem sido um exemplo na integração de profissionais de outras nacionalidades”. Este historial de integração, sobretudo através de “protocolos de cooperação e reciprocidade para darem cobertura aos interesses mútuos de mobilidade profissional, sempre que a Directiva Europeia da Mobilidade não pode ser aplicada”, é, contudo, dirigido maioritariamente aos países PALOP Angola, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe, bem como ao Reino Unido e a alguns países da América Latina, de que é exemplo o Brasil e a Colômbia. Reforçando que as “regras [estão] estabelecidas para a maior parte dos países que são a origem dos engenheiros estrangeiros”, Jorge Liça nota que, numa Ordem com cerca de 60 mil membros inscritos, dos quais mais de 4,2 mil são estrangeiros, os ucranianos são uma “pequena minoria”. Como tal, e perante a situação de vulnerabilidade das pessoas que fogem à guerra na Ucrânia, houve necessidade de criar um mecanismo dirigido especificamente a indivíduos nesta condição.

Jorge Liça, vice-presidente  da Ordem dos Engenheiros.

No regime simplificado desenvolvido, “basta [os indivíduos] serem engenheiros ou serem da associação profissional no seu país de origem e mostrarem qualquer tipo de documento – ou uma habilitação académica ou uma prova de que estão inscritos na sua associação profissional [homóloga à OE] – e preencherem um conjunto de formulários já pré-preparados”, como um compromisso de honra, explica o também engenheiro electrotécnico. “O nosso objectivo é simplificar processos e criar uma espécie de Via Verde de reconhecimento para rapidamente podermos encaixá-los no mercado de trabalho”, salvaguardando, não obstante, “um mínimo de cuidados” para comprovar a veracidade das informações, bem como a necessidade de o indivíduo falar português ou uma língua internacional, como o inglês ou o francês. “Se só souber falar ucraniano, é mais difícil encaixá-lo num trabalho” e essa situação tem de ser resolvida primeiro e de forma externa, recorrendo, por exemplo, aos cursos de Português Língua de Acolhimento que o IEFP está a disponibilizar a estas pessoas que fogem da guerra.

Assumindo que as condições estão reunidas e que a documentação solicitada é submetida na íntegra e correctamente do ponto de vista formal e de fiabilidade, Jorge Liça refere tratar-se de um processo que pode levar entre duas a quatro semanas. Apesar disso, esta “Via Verde de reconhecimento” ainda não está a ter uma forte procura. “Não há ainda muitos interessados”, adianta, destacando que a situação ainda “é muito recente”. “Julgo que, neste momento, [estas pessoas a fugir da guerra] ainda estão em fases prévias de obter os documentos oficiais, e [que] só depois nos irão bater à porta. Nós temos o sistema preparado para os receber. É a única coisa que podemos dizer neste momento.”

Um quadro favorável de investimento e a necessitar de talento

“Estamos no início do arranque de um processo de forte investimento, com nova construção civil, novos centros de produção de energias renováveis e não só, novas redes eléctricas, novas redes ferroviárias e mesmo novos sistemas informáticos”, com fundos na ordem dos 50 mil milhões de euros presentes no Plano de Recuperação e Resiliência, no Portugal 2020 e no Portugal 2030. As palavras do vice-presidente da OE têm também reflexo nos números em alta do recrutamento especializado em engenharia em Portugal. De acordo com dados da consultora em recrutamento especializado Michael Page, publicados no e-book Como Atrair Talento no Setor de Engineering & Manufactoring, em Abril, a resiliência do sector da construção e a transição energética na ordem do dia têm levado a uma procura de engenheiros civis, mecânicos, químicos e de gestão industrial, electrotécnicos e outros em áreas afectas ao sector energético.

É um panorama de “desenvolvimento”, o que, para Jorge Liça, incentiva a uma maior abertura aos engenheiros estrangeiros, incluindo aqueles que saem da Ucrânia procurando um refúgio em Portugal. “Essas pessoas [em situações vulneráveis] vão encontrar necessariamente um quadro favorável para poderem ser integradas no nosso tecido empresarial”, salienta.

O facto de haver uma escassez de talento, um “problema para o qual a OE tem vindo a alertar”, também levanta um argumento favorável à integração de profissionais qualificados vindos do estrangeiro – uma situação que, nas palavras do responsável, tanto é verdadeira para os engenheiros como para as profissões técnicas intermédias ligadas à construção, à informática e à energia, nas quais também se tem visto uma forte procura. “Estes engenheiros vindos do exterior vão ser uma preciosa ajuda” também para combater esta tendência. Nesse sentido, reitera que a OE irá apoiar o “enquadramento desses profissionais de engenharia no nosso país, porque também beneficia disso”, um benefício que se estende ainda ao facto de as pessoas terem “experiências diferentes”. Não só o profissional integrado pode aprender novas metodologias de trabalho, como quem integra “recebe necessariamente inputs positivos por parte da pessoa que vem com outras formas de estar no mercado de trabalho”, elabora.

Com o início de um novo mandato da OE, cujos pilares de actuação assentam em “valorizar os engenheiros, contribuir para o enriquecimento da sociedade e para uma engenharia modernizada”, Jorge Liça termina destacando o papel do “engenheiro” para, colocando a tónica na “eficiência”, “encontrar soluções” à situação internacional que ameaça a economia, e enfatizando que Portugal terá de ser competitivo no pacote remuneratório para reter os recursos humanos qualificados no país – portugueses ou estrangeiros.