A invasão da Ucrânia pela Rússia revelou as fragilidades do sistema energético europeu, decorrentes da dependência excessiva de combustíveis fósseis de um único fornecedor. A situação é particularmente grave no caso do gás natural, onde se tem registado uma escalada de preços e paira a ameaça à segurança de abastecimento já neste inverno.
Em resposta, o Conselho Europeu publicou o Regulamento 2022/1369, que estabeleceu medidas coordenadas visando uma redução voluntária de 15 % na procura de gás até 31 de março de 2023. Caso seja declarado alerta da União, esta redução passará a ser de caráter obrigatório. No dia 27 de setembro, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2022, que define medidas para garantir a segurança do abastecimento de energia em Portugal.
Portugal é um caso específico dentro da União Europeia (UE). Juntamente com Espanha, tem interconexões energéticas limitadas com o resto da Europa. O país não depende da Rússia para abastecimento de gás natural – mas tal não permite escapar ao aumento de preços nos mercados globais.
O consumo de energia per capita em Portugal é dos mais baixos da UE. De facto, em 2021, a maioria do gás natural foi utilizado na indústria (53 %) e produção de eletricidade (36 %). Por fim, a situação de seca severa tem inibido a produção hidroelétrica, o que obriga a uma maior utilização das centrais a gás natural. Todos estes fatores levaram Portugal a debater ativamente a meta de redução de 15 % na procura de gás, sendo que várias derrogações permitiram reduzir uma possível redução obrigatória para 7 %.
Neste contexto, a presente resolução vem, em primeiro lugar, criar uma reserva estratégica de água em albufeiras com aproveitamento hidroelétrico, determinando a suspensão temporária do uso dos recursos hídricos nestes locais. Esta medida é essencial, mas provavelmente irá causar conflitos entre os diversos usos de água presentes no território.
Este documento atua no aprovisionamento e na capacidade para receber e expedir gás natural. Para tal, prevê a instalação de infraestruturas para trasfega de gás natural entre navios em Sines e o reforço da capacidade de armazenamento subterrâneo. Embora se compreenda a necessidade de garantir o abastecimento de gás natural no curto prazo e de reforçar a resiliência do sistema energético, urge alertar que, face aos compromissos climáticos ratificados por Portugal, qualquer investimento nestas infraestruturas deve ser muito bem ponderado. Deve ser feito um esforço ativo para avaliar o seu papel num futuro sistema energético neutro em carbono, planeando antecipadamente o seu desmantelamento ou a transição para hidrogénio verde. De referir também que a importância geoestratégica de Sines para abastecimento de gás natural à Europa tem sido questionada por vários especialistas.
A última peça desta resolução é o Plano de Poupança de Energia 2022-2023, que tenta responder diretamente ao repto da redução voluntária de 15 % do consumo de gás natural. Este plano aposta na eficiência energética e hídrica e promove a produção de eletricidade renovável. As medidas estão divididas por setor em administração pública central, administração pública local e setor privado, sendo que apenas no primeiro caso são de caráter obrigatório.
A maioria das medidas foca-se apenas em comportamentos e recomendações, colocando algum enfâse na iluminação pública, interior e exterior – por exemplo, restringindo os horários da iluminação decorativa e promovendo a substituição por LEDs – e na climatização – por exemplo, através da otimização das temperaturas e do fecho de portas e janelas. São também elencadas algumas ações específicas para piscinas, complexos desportivos e centros comerciais. Nesta categoria, surge também a sugestão do recurso ao teletrabalho. Embora esta medida faça todo o sentido para responder a vários outras questões, desde as emissões de gases de efeito estufa até à gestão do tráfego rodoviário, parece um pouco deslocada neste Plano dado que não provocará uma redução significativa no consumo de gás natural e de eletricidade.
Por outro lado, as recomendações na componente água focam-se no aumento da eficiência hídrica e na redução do desperdício na rega de espaços exteriores, principalmente através de ações comuns, como a redução do tempo de banhos, utilização das máquinas de lavar na sua capacidade máxima e programação da rega para horários de menor evaporação, entre outras.
A segunda tipologia de medidas neste Plano é a formação e capacitação para a eficiência de recursos, tanto para técnicos da Administração Pública como para outros agentes. Por fim, na terceira tipologia, é proposta uma campanha de comunicação abrangente, direcionada para diferentes audiências, procurando sensibilizar para estas ações. Algumas ideias incluem utilização de media convencionais, envio de mensagens através da Proteção Civil e dinamização através de figuras públicas. A operacionalização da Proteção Civil pode ser relevante para reduzir de forma imediata a procura de energia em períodos críticos para o sistema elétrico.
Os autores do Plano estimam que, em três meses, as medidas podem levar a uma redução de 3 % no consumo de gás natural. Incluindo um vasto leque de medidas preexistentes, o resultado total da poupança sobe para 5 %, até final de 2022, e 17 %, até final de 2023.
Em suma, embora estas medidas sejam importantes para promover a poupança de energia e de água, continuam a ser só os mínimos olímpicos. Estas boas práticas de gestão de recursos já deviam estar a ser implementadas há muitos anos (e em muitos casos já estão), sendo agora apenas relembradas. O Plano está altamente dependente de recomendações que terão de ser acatadas pelos diferentes agentes para haver algum impacto real. Mesmo na administração pública central, onde as medidas têm caráter obrigatório, não é claro como vai ser feito o acompanhamento e a fiscalização. Também a capacitação e a sensibilização para poupança de energia são importantes na ótica da literacia energética, mas o que é que as novas medidas vão acrescentar face às múltiplas iniciativas públicas e privadas já existentes?
Portugal tem apostado, e bem, na redução da dependência de combustíveis fósseis e, em menor grau, no aumento da eficiência energética. Este Plano relembra algumas ações clássicas para poupança de energia e água que já faziam sentido antes da crise energética e continuarão a fazer muito depois. O seu impacto será reduzido, mas não insignificante, dependendo também da adesão da sociedade portuguesa. Em conjunção com várias outras medidas e apoios já em vigor, que carecem de melhorias e de reforço de investimento, o Plano pode auxiliar o sistema energético português (e europeu) a resistir a um inverno com menos gás russo.
As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.