Chama-se LiSCool – Lisbon Cool Energy Project e tem como um dos seus objectivos a integração de sistemas de ar condicionado com acumulação de frio, como recursos de flexibilidade para sistemas de gestão da procura (ADR) e para centrais eléctricas virtuais (VPP, Virtual Power Plant, nas siglas em inglês). Liderado pela Daikin e operado em edifícios da câmara municipal de Lisboa e do LNEG, (Laboratório Nacional de Energia e Geologia), o projecto está em curso e pode vir a trazer grandes alterações ao mundo da climatização.

 

Perante as imprevisibilidades meteorológicas, as variações do preço da energia e a necessidade cada vez maior da utilização de energias renováveis, os investigadores e os fabricantes de equipamentos vão procurando desenvolver tecnologias que possam ultrapassar todas estas questões. O LiSCool – Lisbon Cool Energy Project é um exemplo disso. Apelidado de Projecto de Demonstração de Gestão Automática da Procura em Lisboa, é financiado por uma agência nacional japonesa de investigação e desenvolvimento, responsável pela promoção de tecnologias energéticas, ambientais e industriais, a NEDO (New Energy and Industrial Technology Development Organization), e a responsabilidade da implementação do projecto cabe à também japonesa Daikin.

Para o efeito, a NEDO assinou um Memorando de Entendimento e um Acordo de Implementação com o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) e a câmara municipal de Lisboa (CML), que cederam quatro edifícios de demonstração: o Campus do Lumiar, do LNEG, e os edifícios camarários dos Paços do Concelho, Campo Grande e Olivais.

Por seu lado, a Daikin Industries estabeleceu parcerias com a EDP Inovação, a Efacec – Energia, Máquinas e Equipamentos Eléctricos, e a Everis Portugal, para levar a cabo o projecto que teve início em Novembro de 2016. A sua conclusão estava inicialmente prevista para o final de 2019 mas, recentemente, foi prorrogada por mais um ano, até 2020.

O objectivo é armazenar energia sob a forma térmica que, depois, vai permitir alimentar o equipamento de ar condicionado, mas com desfasamentos temporais. A descrição do LiSCool explica que a Daikin fornece flexibilidade, gerindo o consumo eléctrico dos sistemas de ar condicionado, com acumulação de frio, através de pedidos recebidos por parte da rede eléctrica (Sistema ADR) ou através da optimização do consumo horário baseada nos preços do mercado de eletricidade (Sistema VPP). Por seu lado, a Efacec, a Everis (Sistema ADR) e a Next Kraftwerke (Sistema VPP) enviam pedidos à Daikin, de acordo com as suas previsões com base em dados disponíveis (por exemplo, dados meteorológicos, dados históricos do mercado de eletricidade, etc.) e na previsão de flexibilidade do sistema de ar condicionado fornecida pela Daikin.

O projecto assume-se como uma forma de se conseguir edifícios mais confortáveis, com resultados económicos bastante satisfatórios para todos, mas falta perceber o que é, na prática, o LiSCool. Para compreender como funciona e como se armazena este frio e gere todo este sistema, a Edifícios e Energia falou com Ana Estanqueiro, investigadora do LNEG, que começou por explicar qual a mais-valia deste projecto: “o que se pretende é gerar e aproveitar a energia que é gerada localmente. Dando como exemplo o LNEG, temos um edifício NZEB [edifício com necessidades quase nulas de energia] e tanto aqui como nos edifícios circundantes, gera-se energia eléctrica à custa de painéis fotovoltaicos. Este projecto baseia-se em associar a produção local a um sistema de armazenamento de energia, sob a forma térmica, que, depois, nos vai permitir alimentar o sistema de ares condicionados, mas com desfasamentos temporais”.

Para se perceber como se processa o LiSCool, há que ter em conta que este funciona através de um conjunto de tecnologias ao serviço do edifício e do sistema eléctrico e energético como um todo. Pretende-se controlar o consumo dos equipamentos de ar condicionado para aproveitar a produção fotovoltaica que está incorporada nos edifícios, de forma a que consumam energia quando o seu custo é mais baixo. Como explica Ana Estanqueiro, “isto permite, em primeiro lugar, fazer um aproveitamento mais eficiente dos recursos renováveis, mas também diminuir a energia eléctrica que necessita de circular na rede para alimentar esses ares condicionados. Uma particularidade é que não estamos a armazenar energia eléctrica, estamos a produzir frio e armazenar esse frio directamente. Imaginando, por exemplo, que, durante a tarde, houve um pico de produção fotovoltaica, mas que ocorreu quando as pessoas já estavam a deixar os gabinetes do edifício e, portanto, a desligar ou a reduzir o consumo dos ares condicionados. O que se faz com esse pico de produção de energia é produzir frio, que é armazenado e, no dia seguinte, quando as pessoas chegarem de manhã aos seus gabinetes, estará disponível para alimentar os equipamentos numa hora em que, tipicamente, a energia é muito cara”.

Apesar de estar a ser testado, nesta fase, em edifícios de serviços, a intenção deste sistema é ser também aplicados em edifícios de habitação, não só em Portugal, mas no resto do mundo. O fabricante está a desenvolver uma tecnologia específica para aplicar em edifícios, aproveitando o recurso renovável no local, ou seja, não tendo necessidade de fazer circular a energia eléctrica pela rede. A investigadora do LNEG realça a importância desta medida para países como o Japão, que têm constrangimentos de rede eléctrica. Para além disso, aproveita-se o recurso renovável, acumulando-o numa forma de energia muito eficiente (os sistemas térmicos de armazenamento), para que a energia possa ser consumida quando for necessária, não existindo assim uma dependência dos preços de mercado.

Uma das limitações do sistema é o facto de estar restrito ao local da instalação. Ana Estanqueiro explica porquê: “[o armazenamento] é feito sob a forma de um fluido térmico, que armazena frio, que depois vai circular nos ares condicionados. Como tal, não é fácil distribuir para outros. O que faz sentido é ter, por exemplo, uma empresa de serviços, ou de habitação, com vários andares, em que este sistema de ar condicionado é centralizado para todo o edifício. Se for revestido de painéis fotovoltaicos, o edifício pode, localmente, estar a gerar a energia para alimentar o seu sistema de arrefecimento. E, no Inverno, de aquecimento, sendo que se cria esse desfasamento temporal, entre as necessidades da energia para aumentar o ar condicionado e a disponibilidade de energia, em termos de recurso renovável ou de preços de mercado. E essa é a grande vantagem deste sistema. Se pensarmos em países com climas muito quentes, por exemplo, temos uma correlação quase perfeita entre a disponibilidade de recurso solar e a necessidade de arrefecimento. É um sistema que, por isso, poderá ter muito sucesso no futuro, devido às suas potencialidades”.

Para a investigadora, “a grande inovação associada a este projecto, para a Daikin, é precisamente a forma como fazem não só o armazenamento de frio, como o controlo da distribuição do fluido no edifício e em consonância com a geração renovável, como é o caso do case study do LNEG”. Muitos dos aspectos do Liscool são ainda confidenciais, mas Ana Estanqueiro traça linhas gerais do seu funcionamento: “Apesar de não podermos revelar a técnica, é relativamente simples pensar em depósitos com fluido com uma grande inércia térmica e muito bem isolados. Assim, quando temos energia, produzimos frio, sem perdas, e vai buscar-se o fluido gelado (sendo mesmo gelo, por vezes) e guardá-lo para consumir quando temos necessidade de arrefecimento. Portanto, permite criar um diferimento temporal entre a minha necessidade de energia e a necessidade dos outros. Como a necessidade dos outros é que vai condicionar os preços da energia e a subida desses preços, se eu estiver desfasada, consigo sempre ter poupanças”.

Esta gestão pode ser feita de muitas formas, mas “normalmente entra num capítulo da tecnologia a que chamamos de ‘gestão do consumo eléctrico’, em inglês a terminologia é Automatic Demand Response (ADR), e também se pode constituir quando agregamos a produção renovável como uma central virtual no edifício”. No caso do LNEG, refere a especialista, está a ser utilizada uma configuração de central virtual, uma vez que incorpora a produção renovável do edifício, mas podia ser simplesmente uma gestão de consumo. “Quando estamos preocupados com os custos da electricidade no mercado, dando como exemplo, em Portugal, os grandes consumidores de energia, como centros comerciais e hipermercados, que não têm energia a valores constantes, mas sim tarifas indexadas ao mercado, temos toda a conveniência em ter este modo de arrefecimento nos espaços. Assim, é possível gerir o consumo das duas formas. O modo ADR, que guarda em reservatórios o fluido, de forma a que gaste energia eléctrica da rede nos períodos em que ela tem um valor mais baixo, e nos outros, quando há um pico de consumo e o valor da energia é muito elevado, vai buscar o frio aos reservatórios e poupa dinheiro. O outro modo de controle, passa por ter uma produção local à custa de painéis fotovoltaicos. Nesse caso faz-se o balanço, entre a energia que está armazenada sob forma de frio e aquilo que se pode, eventualmente, noutras configurações mais sofisticadas, vender ao mercado. Neste caso, o conceito é comprar ao comercializador de energia eléctrica”.

Sendo um projecto aplicado em edifícios já existentes, os equipamentos não foram um entrave e não teve de haver nenhuma adaptação de infra-estruturas dos edifícios. Os equipamentos (incluindo os tanques de armazenamento) são soluções modulares, completamente adaptáveis, sendo apenas necessário haver espaço nas coberturas para dispor os reservatórios. Ana Estanqueiro explica que, de resto, trata-se de “aparelhos de ar condicionado convencionais, sem necessidade de adaptação. No âmbito do projecto e face aos edifícios envolvidos, existiram diferenças entre o edifício dos Paços do Concelho e o edifício do LNEG porque o edifício da CML não tinha armazenamento de frio, era um sistema puro de ADR, gestão de consumo mediante os custos de mercado. O do LNEG tem dois componentes adicionais face aos da CML, que é o sistema de armazenamento de frio e, ao mesmo tempo, um sistema fotovoltaico que, num todo, permite definir uma central virtual e é controlado nessa forma. A gestão do consumo do edifício do LNEG foi não só indexada aos custos de energia eléctrica do mercado, mas à disponibilidade da electricidade gerada localmente. Funciona como um auto-consumidor”.

Resta saber quais os próximos passos do LiSCool, uma vez que a campanha experimental do projecto foi prorrogada por mais um ano, até ao final de 2020, de modo a obter uma quantidade de informação mais representativa. Inicialmente, estava prevista a caracterização de uma estação, tendo sido estabelecido o final de 2019 para termo do teste. No entanto, foi reajustado recentemente de modo a caracterizar todas as estações do ano e sendo, como tal, necessário recolher mais dados. A investigadora afirma que pretendem continuar a controlar o ar condicionado que está instalado e, na sequência das conclusões tiradas do projecto, “o LNEG vai poder continuar a beneficiar e a operar este equipamento, que ficará nas instalações”.

Para lá do Liscool e de uma forma geral, a especialista faz algumas previsões para o futuro do sistema energético: “Vamos ter muita produção de electricidade à custa de geração renovável distribuída, com painéis fotovoltaicos essencialmente, mas também pode ser com microturbinas eólicas, por exemplo. Por outro lado, os requisitos de conforto nos edifícios são cada vez são mais exigentes, portanto, vai ser comum ter ventilação e sistemas de aquecimento e arrefecimento em edifícios que, cada vez mais, serão sustentáveis e auto-suficientes. Como tal, penso que fazer gestão do consumo vai ser o futuro e será fundamental para permitir uma elevada participação renovável no sistema energético em geral, e eléctrico em particular”.