A Comissão Europeia quer fazer da neutralidade carbónica uma obrigatoriedade até 2050 em todos os Estados-Membros da União. A proposta de adopção da Lei Climática Europeia foi apresentada na passada quarta-feira pela Comissão Europeia (CE), no mesmo dia em que a activista sueca Greta Thunberg visitou o Parlamento Europeu. No entanto, apesar da obrigatoriedade, a proposta de Bruxelas não é suficiente para os ambientalistas e para algumas associações de aquecimento e arrefecimento renovável, que temem que, sem metas para 2030 mais ambiciosas, esta seja mais uma oportunidade perdida.

A proposta com vista à adopção da Lei Climática Europeia é direccionada aos 27 Estados-Membros e vem no seguimento do Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal), tornado público em Dezembro de 2019. O documento impõe que os países membros da UE inscrevam, nas respectivas leis nacionais, uma meta vinculativa para a neutralidade carbónica até 2050. Isto significa atingir, pelo menos, um saldo neutro na emissão de gases com efeito de estufa, em resultado directo da redução das emissões e de acções de captura destes gases (como é o caso da plantação de árvores).

Ursula von der Leyen, presidente da CE, declarou a Lei Climática Europeia como “a tradução legal do compromisso político” apresentado no passado mês de Dezembro, através do Pacto Ecológico Europeu, documento que define a pretensão de levar a Europa a conquistar o título de primeiro continente a atingir a neutralidade carbónica em 2050. Segundo von der Leyen, a lei climática confere “direcção à estratégia de crescimento verde e garante que a transição será justa e gradual”, oferecendo ainda “previsibilidade e transparência para a indústria europeia e para os investidores”.

Juntamente com a proposta de adopção da Lei Climática, a Comissão Europeia anunciou o lançamento de um processo de consulta pública sobre o futuro Pacto Climático Europeu, que servirá de plataforma para a promoção de acções climáticas e para o envolvimento da sociedade civil. Assim, e até 27 de Maio, a CE quer ouvir as ideias de cidadãos e organizações sobre como fazer deste pacto uma ferramenta “eficaz, inclusiva e ambiciosa”. O lançamento do pacto acontece depois, em Novembro, durante a COP 26 – Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o clima -, em Glasgow (Escócia).

A expectativa da Comissão Europeia é a de que, através da criação de um vínculo legal às intenções declaradas no Pacto Ecológico Europeu, os Estados-Membros e as instituições europeias sejam forçados a tomar medidas que garantam o cumprimento da meta definida, alcançando a neutralidade carbónica no continente europeu em 2050. A Lei Climática Europeia prevê a inclusão de medidas para avaliar o progresso a cada cinco anos, permitindo o reajustamento das acções em conformidade com o desempenho.

ZERO pede “maior ambição” para a Lei Climática Europeia

A associação de defesa do ambiente ZERO considera que a proposta de lei climática apresentada pela Comissão Europeia “não espelha o conteúdo do Pacto Ecológico Europeu”, sublinhando que, “sem metas mais ambiciosas e medidas concretas no curto prazo, a Europa arrisca-se a não alcançar a neutralidade climática até 2050”.

A associação portuguesa acusa a Lei Climática Europeia de não propor “metas mais ambiciosas para 2030 em matéria de redução de emissões, energia renovável e eficiência energética”, considerando-a “uma séria oportunidade perdida”. A ZERO lembra que, para limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5 graus Celsius, tal como previsto no Acordo de Paris, “as emissões globais devem ser reduzidas a metade na próxima década”, o que significa “reduzir as emissões globais em cerca de 8 % a cada ano, a partir de hoje”. Desta forma, a associação de defesa do ambiente considera que a UE “deveria ter estabelecido uma meta de redução de emissões de 65% até 2030”, quando a proposta actual prevê apenas uma redução entre 50% e 55% até esse ano. Para a associação, o caminho deve passar pelo estabelecimento de “metas sectoriais” para a redução de emissões e pela descarbonização do sector dos transportes. Entre as propostas que elenca para uma “maior ambição”, a ZERO sugere a aplicação de “impostos sobre os combustíveis” no sector da aviação.

Apesar das críticas, a ZERO revela “acolher com satisfação a inclusão da meta de neutralidade climática para 2050 e a promessa de consultar as organizações não-governamentais de ambiente”.

Do lado da indústria, associações europeias, como a EGEC – European Geothermal Energy Council e a rede Bioenergy Europe, da qual a ZERO faz também parte, deram as boas-vindas à proposta, mas mostraram-se preocupadas com a falta de ambição de metas para 2030, nomeadamente no que se refere ao sector do aquecimento e arrefecimento. Para a EGEC, “sem um aumento considerável nas metas vinculativas em 2030 para o aquecimento, arrefecimento e electricidade de origem renovável e eficiência energética, [a Lei Climática] pode não ter qualquer significado”.

Uma maior ambição nas metas europeias para o ano intermédio de 2030 é uma reivindicação antiga destas entidades. Em finais de Fevereiro, dezenas de entidades, entre as quais empresas e associações industriais, debaixo da chancela da Bioenergy Europe, assinaram uma carta aberta dirigida à Comissão Europeia na qual se mostraram apreensivas sobre a “potencial falta de ambição” da Lei Climática e deixaram três recomendações a Bruxelas: reconhecimento do princípio “Energy Eficiency First” (Eficiência Energética Primeiro, na tradução); introdução de uma meta intermédia em 2030 para a redução de 55 % das emissões de gases com efeito de estufa; metas mais ambiciosas para a eficiência energética, energias renováveis e redução das emissões de carbono, acompanhadas de um enquadramento político em conformidade.